28 Novembro 2017
"Sabemos o que somos, mas não o que poderemos ser ou o que poderíamos ter sido", escrevia Germaine Greer, uma das vozes mais influentes do feminismo do século XX, em seu famoso livro, A mulher eunuco. Era 1970 e hoje, provavelmente, essa afirmação é menos verdadeira. Ou talvez não: perguntamos isso a Silvia Vegetti Finzi, psicanalista e feminista.
A entrevista é de Silvia Truzzi, publicada por Fatto Quotidiano, 25-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
No seu destino estava o ensino: "Eu venho de uma família de professores: desde sempre se assumiu que eu seria professora, porque eu era mulher. Portanto, eu me matriculei em Pedagogia na Universidade Católica de Milão. Mas lá encontrei uma nova disciplina, a psicologia experimental. O padre Agostino Gemelli era o reitor e, embora com grandes limitações em relação à nova moralidade sexual que estava tomando forma, era uma personalidade reconhecida internacionalmente pelos seus estudos de psicologia".
Como era a Itália, em meados dos anos 1950?
Profundamente intolerante. O ambiente daquela época é difícil de relatar hoje. Estamos em 1956: as alunas usavam aventais pretos, os corredores eram separados para meninos e meninas: a gente ia para as salas de aula passando, inclusive, por caminhos diferentes. A biblioteca era dividida em duas partes, como também acontecia na igreja, para os meninos e para as meninas. Lá dentro, caminhava de um lado para o outro uma megera que não tolerava o mínimo contato entre as duas seções. Eu nem mesmo conseguia dizer ao meu namorado 'nos vemos lá fora', que já disparava uma sibilante intimação ao silêncio. No banheiro, no lugar dos espelhos, um cartaz: 'A mulher que usa maquiagem e depila as sobrancelhas é uma mulher que mente!'. Na minha dissertação sobre as primeiras experiências de trabalho das trabalhadoras têxteis, acabei encontrando os sinais dessa impaciência em relação ao paternalismo e autoritarismo tradicionais, um novo sentido dos próprios direitos. O obscurantismo dos anos 1950 estava desaparecendo.
Em seguida, você se especializou em Psicologia.
Sim, na área da Psicologia Clínica, recém inaugurada. Éramos cinco ou seis estudantes no máximo: pioneiros. Leonardo Ancona, o diretor do Instituto, havia importado dos Estados Unidos estudos que para nós eram inovadores, entre os quais aqueles sobre o DNA. Com o livro A Psicanálise de 1963, Ancona tinha conseguido que a psicanálise fosse aceita - condenada pela Igreja como pansexual - pela cultura católica.
E após a especialização?
Trabalhei no IARD, um instituto de pesquisa sociológica especializada em estudos sobre jovens, participando de uma extensa pesquisa sobre o desconforto na escola. Em contraste com a psicologia tradicional, que era centrada na criança individual independentemente do contexto ambiental, aquela pesquisa conseguiu demonstrar como era decisiva a condição sócio-econômica da qual os alunos provinham. Foi uma experiência envolvente e formadora, mas também muito dolorosa para mim, porque, tendo que reorganizar a equipe, fui afastada logo que comuniquei que estava grávida de um segundo filho.
Então, foi trabalhar na universidade?
Não, essa foi uma etapa posterior. Eu estava interessada no aspecto terapêutico da psicanálise, mas não queria praticá-lo no âmbito privado, por razões de princípio. Logo que fui contratada por uma clínica pública na periferia, deparei-me com uma realidade extremamente esquálida. O gabinete que me destinaram, em uma creche, era um antigo banheiro reformado, do qual haviam somente retirado o vaso sanitário. Mas encontrei um trabalho terapêutico extraordinariamente interessante porque me permitiu conhecer pessoas de ambientes muito distantes da minha própria experiência, como os operários, o proletariado das classes mais baixas, os nômades, os internados em hospitais psiquiátricos e nas instituições assistenciais. Estávamos no início dos anos 1970, anos carregados de esperança que, de fato, acabaram mudando a nossa sociedade.
Quem eram seus pacientes?
Crianças que viviam em condições de pobreza e extremas dificuldades familiares, em contato com a criminalidade e a prostituição. Naqueles anos, tive a oportunidade de colaborar de forma proveitosa com uma jovem magistrada, Livia Pomodoro, independente e inovadora.
As relações com os homens, como eram?
Em geral, de subordinação. Feminismo ainda era algo elitista e as leis sobre o aconselhamento familiar, divórcio, aborto e direito da família, aprovadas entre 1975 e 78, ainda não tinham sido aplicadas na íntegra. Do ponto de vista profissional nós, psicólogos, também éramos subordinados, considerados assistentes dos neuropsiquiatras. Somente graças ao apoio do professor Marcello Cesa Bianchi e das lutas da nossa categoria, conseguimos ganhar autonomia. Em 1973, colaborando com o Departamento de Pediatria do Hospital San Carlo de Milão tive a oportunidade de acompanhar o caso da pequena Anna. Os seus sonhos, narrados e ilustrados, permitiram-me a entender o percurso imaginário que leva uma menina a tornar-se uma mulher e mãe. Um estudo de caso que relato no livro Il bambino della notte (‘O menino da noite’, Mondadori). Entre tantos, o "meu livro" por excelência.
Você participou do movimento feminista?
Sim, com algum atraso. O movimento já tinha iniciado em Milão na década de 1970, mas, tendo que cuidar de duas crianças pequenas, apenas a partir de 1980 comecei a me envolver sistematicamente com ele. Naquela década, viajei muito, realizando reuniões na Libera Universidade das mulheres Virginia Woolf, onde ensinavam Rossana Rossanda, Nadia Fusini, Sandra Bocchetti, Francesca Molfino. O público era composto por mulheres muito diferentes entre si, de docentes universitárias à carteiras. Para mim, que nunca havia feito política, foi uma experiência decisiva conhecer tantas 'irmãs' e questionar-me, junto com elas, sobre o que significava ser uma mulher. Estávamos mudando o mundo e parecia que tudo poderia acontecer. Depois estive em Roma, conheci em Nápoles as 'Nemesiache' e as mulheres de Mestre, de Turim, de Bolonha, de Livorno e de Gênova. Mas a relação mais frutífera seria aquela com o centro de documentação da mulher de Florença, que durou cerca de dez anos, organizando conferências e produzindo documentações agora dispersas, que valeria a pena recuperar.
E as passeatas?
A filósofa parisiense Luce Irigaray, após a publicação de Speculum, tinha se tornado um ponto de referência para todas. Enquanto fervia a produção teórica, era necessário defender as recentes conquistas, como o divórcio e o aborto, e para isso marchávamos nas ruas com saias longas e tamancos, gritando slogans ameaçadores como: 'tremam tremam, as bruxas estão de volta!'. Pena que nunca se conseguiu aliar as 'políticas' com as teóricas, prática e reflexão nunca se fundiram.
Não tendo conhecido a fobia sexual que imperava até os anos 1970, as jovens agora consideram natural a sua autonomia. Mas nada é para sempre e é preciso resistir para não retroceder, não considerar inelutável o que acontece. Se nós não reagirmos, ninguém o fará por nós.
Quais são os problemas das mulheres que trabalham?
Temos uma situação do emprego que é totalmente contrária aos interesses das mulheres: apenas terminada a escola, quando existe a máxima disponibilidade, passam-se anos na busca, muitas vezes infrutífera, de um emprego adequado. Quando se chega à casa dos trinta anos, a mulher está empenhada em ter e criar filhos, e então recebe as poucas, cobiçadas propostas de carreira. Quando renuncia devido à impossibilidade de conciliar os tempos, é marginalizada e uma vez fora do mercado de trabalho não consegue mais retornar. Para quem resiste, justamente quando os filhos estão crescidos e volta a estar disponível, muitas vezes chega a aposentadoria compulsória... As mulheres políticas insistem na importância, chegando até a defender a imposição, para que sejam adaptados ao viés feminino todos os cargos e profissões. Parece-me uma forma de fundamentalismo. As palavras têm uma própria história e uma própria autonomia, mudam junto com os costumes, não por decreto. A linguagem não é normatizada com o imperativo, quando muda é por uma convicção compartilhada.
As feministas lutaram porque as mulheres fossem consideradas pelo que eram e não por como se pareciam. Hoje parece que para muitas garotas o objetivo seja mostrar o corpo.
É uma regressão, uma tentativa de se adaptar a estereótipos pré-confeccionados. Todo um tipo de mídia, do tipo de fofocas de cabeleireiro, propõe apenas modelos femininos em que se valoriza a beleza do corpo. As modelos, as apresentadoras, as assistentes de palco se tornam o ideal de sucesso. Seria oportuno tentar contrapor outros modelos.
É o que você fez com seus livros?
Sim, e também com o ensino universitário. Tentei transmitir pontos de vista novos, diferentes parâmetros, capazes de superar a obviedade da realidade prejulgada. Nisso, ajudada pela psicanálise, que possui um potencial subversivo, e pelo feminismo, que coloca em crise os estereótipos de identidades sexuais eternas e imutáveis.
O aborto é um direito apenas no papel?
No Molise (região no sul da Itália, ndt) atua um único médico que não tem objeção de consciência: é incrível como essa lei seja aplicada de forma diferente nas várias regiões da Itália. A RU-486, a ‘pílula do aborto’ farmacológico, na Toscana é administrada em regime ambulatorial, enquanto na Lombardia requer três dias de internação, um regime imposto com evidente intenção de desincentivo. Não é possível se distrair e relaxar a atenção: existe uma lenta, mas inexorável reabsorção e esvaziamento dos direitos, orquestrados por daqueles que antigamente chamávamos de 'forças reacionárias'. Está diminuindo o número de abortos, mas não diminuem os médicos com objeção. Enquanto isso, cai vertiginosamente a taxa de natalidade, de maneira preocupante.
Juntar esses dados é complicado, cada um dá a sua própria interpretação com base em preconceitos ideológicos.
Vamos voltar um momento para seus livros. Além dos textos científicos, você também escreveu livros mais populares.
Desde 2005, depois da aposentadoria, tenho me dedicado a textos mais literários. Em Una bambina senza stella (‘Uma menina sem estrela’, Rizzoli), relatei as memórias da minha infância, dificultada pela guerra e pela perseguição racial, para convencer os pais de hoje, muitas vezes preocupados demais com o futuro de seus filhos, a ter confiança em seus recursos. Com o último livro, lançado este ano, L’ospite più atteso, vivere e rivivere le emozioni della maternità (‘O convidado mais esperado, viver e reviver as emoções da maternidade’), eu gostaria de convencer as jovens mulheres a considerar a tempo a possibilidade de ter um filho. Certamente não é uma obrigação, mas uma experiência viva e profunda que não merece ser sufocada por outras responsabilidades.
É uma autocrítica?
Como feministas, incentivamos nossas filhas a se realizarem na escola, na vida social e na profissão. Mas negligenciamos o lado materno, que é igualmente, se não mais, importante. Hoje, o valor da autorrealização profissional está garantido. Nenhuma garota sonha em ser uma dona de casa. Cabe às mulheres jovens, não às exorbitantes exigências da sociedade, decidir se e quando querem se tornar mães. Para sensibilizá-las precisamos contar às nossas filhas quanto pode ser intenso e gratificante serem mães e que é possível ter essa experiência não só dando à luz, mas também de formas simbólicas, pensando e agindo maternalmente.
O que você acha do estouro de caos de assédio sexual na mídia?
Do meu ponto de vista é um problema psicológico e moral que finalmente está se tornando consciência comum e responsabilidade compartilhada. Eu só espero que se modifique a maneira como as mães criam os filhos homens, muitas vezes veículos inconscientes de uma identidade viril predatória e violenta. Parece-me que, depois das acusações e condenações, tenha chegado o momento de estabelecer novas alianças entre os sexos, aceitando as recíprocas diferenças. É preciso começar pela educação porque os clichês culturais resistem, e como! Com os filhos homens somos muito indulgentes: podem ser bagunçados, preguiçosos, ausentes, mas são sempre simpáticos. Das mulheres pretendemos que sejam arrumadas, ajudem na casa, sejam boas alunas na escola...
Hoje é o Dia Mundial da Violência contra a Mulher. Nessa frente, não houve uma grande melhoria.
Acredito que o fator decisivo seja o medo da dependência, denunciado pelo psicanalista Donald Winnicott. Nos primeiros meses de vida, todos nós fomos totalmente dependentes de uma figura materna, à qual devemos a nossa sobrevivência. Mas os homens sentem uma intolerância toda especial pela dependência, um temor que se revela de forma mais aguda no momento do abandono. Os mais frágeis e imaturos reagem com a violência: todo agressor está convencido que está se defendendo de um perigo. Infelizmente, as mulheres ainda pensam que o abuso do parceiro seja um sinal de amor. Eu ouvi na TV, nestes dias, uma mulher afirmar com satisfação: "Ele batia em mim como se fosse a sua esposa". Sintomático, certo? Evidentemente ainda há muito por fazer.
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"Não transmitimos às nossas filhas o valor da maternidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU