07 Agosto 2014
As leis desejadas também pelos homens, pelo menos por aqueles que estão ansiosos por justiça, mudaram a vida feminina. E os homens, incluindo aqueles ansiosos por justiça, para além das leis e da política, realmente aprenderam a considerar as mulheres de modo paritário, como pessoas autônomas e livres?
A opinião é da jornalista e escritora Natalia Aspesi, publicada no jornal La Repubblica, 02-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há lugares distantes, outros mundos imutáveis, onde elas são apedrejadas por adultério, mortas se não usam o véu, exortadas a não sorrir; onde não podem dirigir, ir à escola, recusar o marido escolhido pela família; onde são dadas em casamento aos 10 anos a homens mais velhos, sequestradas para transformá-las em camicazes, estupradas e enforcadas, onde as meninas são mutiladas dos genitais, para que não conheçam o prazer.
São lugares, mundos onde tudo é regulado pelo funesto e louco império masculino sobre as mulheres, criaturas inferiores segundo leis e costumes milenares.
A Itália, ao invés, seria o seu paraíso, o reino da paridade, onde abundam ministras e diretoras-executivas e aquelas que expulsam o companheiro de casa, não fosse o fato de que, de vez em quando, os seus homens as matam por amor demais.
Mas, então, seria o caso de se orgulhar do antifeminismo, como fez uma pequena multidão de jovens norte-americanas com os seus cartazes infantis nos blogs, esquecendo-se de outros mundos e de outros modos humilhantes e perigosos de ser mulher; ou seria melhor deixar estar, e simplesmente convencer o marido de que ele não deve bater na esposa só porque ela ganha mais, ou mesmo organizar um protesto entre senhoras, porque, segundo o Istat, as pensões masculinas são ao menos o dobro das femininas?
Não há a necessidade de nos declararmos feministas, suscitando ainda algumas gargalhadas, quando saímos de bom grado entre amigas ou nos irritamos quando os colegas de universidade ainda hoje debocham de nós aconselhando-nos a desistir da graduação e a ficar na cozinha. Nem, sobretudo, de nos orgulharmos de sermos antifeministas apenas porque usamos salto alto mesmo nas pedras ou acompanhamos avidamente as receitas de Giallo Zafferano em vez de reler Sputiamo su Hegel, texto fundamental de Carla Lonzi sobre o feminismo combativo e culto.
A rebelião das mulheres atravessou os séculos, alternadamente venceu e perdeu, e nos anos 1970 explodiu, e os pais tinham deixado há pouco tempo de fechar em casa, bater e matar as filhas culpadas de minissaia. Havia novidades fabulosas, além dos tamancos e das saias ciganas: em Milão, íamos ao Piccolo Teatro para ouvir Betty Friedan, a da Mística feminina, que tinha desmontado a vida muito chata das norte-americanas de "bom tom", que ficavam em casa todo o dia se penteando e esperando o retorno do marido do trabalho para lhe oferecer um aperitivo, assim como a nós, que ficávamos na cozinha, era possível invejar só o cinema.
Friedan era uma senhora feia e ligeiramente soporífera (depois veio Germaine Greer, bela e sedutora), uma pena que, embora já dedicadas ao feminismo, era preciso correr para casa para dar de comer. Um marido que não encontrasse a mesa posta era uma blasfêmia, ele ficaria embasbacado, ela se envergonharia com o terrível crime. Mesmo agora, realmente, e sem se envergonhar, a mesa pode ficar desarrumada, a menos que ele pense nisso, e, geralmente, nesse caso, se come melhor.
O feminismo do século passado tinha acontecido em um momento político de sorte, em que mesmo os jovens homens, ansiosos por revolução, queriam ter autoconsciência e, no máximo, o seu defeito era que eles se recusavam a liberar as meninas, mesmo embora diante do seu insistente pedido, da pesada e impolítica virgindade.
A verdade é que as mulheres se libertaram de tantas limitações que já não se dão mais conta disso: por exemplo, já não vão mais para a cadeia se "corneiam" o marido; o marido não é absolvido se mata a mulher pega em flagrante; não somos mais demitidas por nos casarmos; casando-nos, o dote e os eventuais ganhos não são de exclusiva propriedade do marido, como os filhos; a interrupção de gravidez é legal; e não morremos mais de sangramento clandestino: podemos ir à universidade e ser juízas, mesmo generais, tudo, exceto padres, muito menos papas, mas paciência.
O marido já não é mais um chefe, e não lhe devemos obediência. Além disso, não é evidente (veja-se o correio do coração) que ele não seja um déspota (ela também, no entanto); nesse caso, sempre se pode ir embora. Era tão miserável a condição das mulheres, também italianas, no passado, que agora parece que obtivemos, se não tudo, quase tudo: porém, ainda há muito a fazer, basta pensar a respeito por um momento, feminismo ou não.
As leis desejadas também pelos homens, pelo menos por aqueles que estão ansiosos por justiça, mudaram a vida feminina. E os homens, incluindo aqueles ansiosos por justiça, para além das leis e da política, realmente aprenderam a considerar as mulheres de modo paritário, como pessoas autônomas e livres?
Certo, mas então por que, às vezes, ou, melhor, muito frequentemente, certamente por acidente, elas se encontram como presas de um sexismo implacável, tipo o jovem grillino que acusou uma colega de ter feito carreira com sexo oral? Por que acontece que uma mão masculina toque o lado da colega (no meu tempo, no bonde, era inevitável a chamada "mão boba", que se sofria em silêncio para "não fazer um papelão"), ou que na rua homens velhos e dignos sussurrem obscenidades para a garota que passa ao seu lado?
No escritório, até mesmo a gerente pode ser considerada uma subalterna (veja-se, por exemplo, o filme Na linha de fogo, em que o policial Eastwood pede um café para a colega policial, acreditando que ela é uma servente): se uma mulher merece um elogio profissional, comparam-na, pela sua bravura, a uma colega, nunca a um colega.
Existem centenas dessas histórias cotidianas que enfurecem as mulheres, que agora as relatam no blog Everyday sexism project, também em italiano, ou no Women's blog, do The Guardian, reunidas, por exemplo, sob o título "10 cenários sexistas que as mulheres têm que enfrentam no trabalho", como, por exemplo, se uma mulher responde com certa força, pode ouvir um "Você está nos seus dias para estar tão rancorosa?".
Certas atitudes inócuas, mas muito cansativas, não mudaram: nos anos 1960, como única mulher no jornal Il Giorno, em um pequeno grupo de colegas, eu ousei citar o nome de um diretor que, naquele momento, nenhum deles se lembrava e logo fui silenciada: "Não se faça de sabe-tudo".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que não podemos deixar de nos dizer feministas. Artigo de Natalia Aspesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU