20 Novembro 2017
“Mineração aqui, não!”. O grito que ecoou na abertura do seminário “Parlamento de Bagé – Um ano do Manifesto de Palmas”, no sábado (18), vem sendo ouvido desde meados do ano passado na região. As vozes são de moradores do distrito das Palmas, de estudiosos das questões ligadas ao meio ambiente e de parte da população local. Em novembro de 2016 eles criaram um movimento contra o projeto de exploração de metais pesados às margens do Rio Camaquã da empresa Votorantim. Hoje, cerca de um ano depois, comemoram surpresos as manifestações solidárias de instituições, personalidades e das comunidades.
A reportagem é de Lucas Rohan, publicada por Sul21, 19-11-2017.
“Não imaginávamos essa grande repercussão. O movimento conquistou apoio em todo o estado”, comemora Márcia Collares. Moradora do distrito de Palmas até os 12 anos de idade, Márcia é uma das líderes do movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã. Ela conta que a família tem trabalhado diariamente na luta contra a mineração. O sobrinho, Régis Collares, foi quem abriu o seminário deste sábado em Bagé e puxou o grito de “Mineração aqui, não” com os cerca de 200 participantes.
A mineradora pretende extrair a céu aberto 36 mil toneladas de chumbo, 16 mil toneladas de zinco e 5 mil toneladas de cobre por ano. Com prazo de funcionamento de 20 anos, o denominado “Projeto Caçapava do Sul” prevê um investimento inicial de R$ 371 milhões e a geração de 450 empregos somente para Vila de Minas do Camaquã, Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista. Quem se opõe ao projeto teme a contaminação do rio e do solo da região, visto que a empresa pretende explorar metais pesados. A desvalorização do selo de produção sustentável conquistado pelos produtores do Alto Camaquã é outra preocupação.
Em uma série de audiências públicas realizadas entre julho e novembro do ano passado em Vila de Minas do Camaquã, Caçapava do Sul, Bagé, Pinheiro Machado e Santana da Boa Vista, moradores ouviram representantes dos responsáveis pelo projeto de mineração. Algumas comunidades se manifestaram favoráveis ao projeto sob o argumento de que a região precisa de investimentos.
“A Votorantim poluiu muito a cabeça das pessoas”, ironizou Régis durante sua fala. A referência era ao difícil processo de convencimento da população sobre os malefícios da mineração. Esse foi um dos pontos positivos apontados pelos participantes do seminário: em muitos locais que antes eram favoráveis, os moradores já se mostram “desconfiados”. “No começo, nos recebiam muito mal. Éramos expulsos das casas, mas isso mudou”, relatou uma integrante do movimento.
Para a advogada do movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã, Ingrid Birnfeld, nesse primeiro ano houve um “convencimento crescente nas comunidades que eram favoráveis ao projeto”. “Em Santana da Boa Vista, por exemplo, pensavam nos empregos indiretos que poderiam ser gerados, mas perceberam que não há mão de obra qualificada e que esses empregos seriam para trabalhadores de outras localidades”, relata a advogada.
Ingrid lembra que enquanto os moradores estão denunciando os efeitos da possível exploração de metais pesados no Alto Camaquã, no plano jurídico os ministérios públicos Federal e Estadual conduzem inquéritos. Além disso, recentemente, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã e o Conselho Estadual dos Direitos Humanos apoiaram a luta do movimento. Para Ingrid, o projeto é “imoral, ilegal e antiético”.
“Ilegal porque não observou requisitos básicos estabelecidos na legislação que disciplina os licenciamentos ambientais”, afirma, explicando que a proposta não leva em consideração os efeitos em toda a bacia hidrográfica, mas apenas ao longo de 3 quilômetros no Rio Camaquã. A Bacia Hidrográfica tem, ao todo, quase 22 mil quilômetros quadrados. “Não houve a consideração de políticas nacionais que estão em curso na região e que são incompatíveis com mineração, como por exemplo, um projeto que existe há quase dez anos de incentivo à agricultura sustentável”, argumenta.
“É imoral porque que estabeleceu uma área de ocorrência restrita para fazer com que as comunidades que vão ser atingidas não fossem consultadas. A empresa fez uma escolha temerária do ponto de vista estratégico quando definiu uma área de influência muito restrita”, afirma Ingrid. Eticamente ela condena o “Projeto Caçapava do Sul” porque o Brasil se comprometeu a ter, até 2020, 10% de cada um de seus biomas em territórios protegidos dentro de unidades de conservação e o Bioma Pampa é o que tem o menor território dentro dessas unidades. “E o estado se permite cogitar um empreendimento desse porte na porção mais preservada do Bioma Pampa. Como que isso não pode ser considerado antiético?”, questiona.
“É um assombro o número de projeto de mineração no Rio Grande do Sul”, diz Althen Teixeira Filho, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). “A exploração minerária escalpela a terra, vai embora e deixa a pobreza e a destruição para a região. É a destruição da terra para uns poucos fiquem ricos e a região fique abandonada. A própria Minas do Camaquã já é um exemplo disso”, aponta.
O professor chama o projeto de “burla científica” e não hesita quando questionado se há um inimigo único: “o capital”. Ele alerta que a mineração pode alterar o perfil econômico da região, preocupação compartilhada pelo pesquisador Marcos Borba. “Nós estamos enfrentando uma disputa de modelos. O que está em jogo é a mudança na matriz produtiva do Pampa Gaúcho”, alerta o pesquisador, que atua na Embrapa na região.
“Eu analisei o projeto e, como professor, dei nota 4,5”, pontua o oceanógrafo Antônio Liborio Philomena. Professor aposentado da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) e Ph.D em Ecologia pela Universidade da Geórgia (EUA), ele trabalhou recentemente em uma pesquisa independente sobre os impactos ambientais do desastre de Mariana (MG). Philomena aponta “falhas grosseiras” no projeto. “Eles não acharam um terço das espécies de peixes que temos na região”, exemplifica.
“Essa é uma área especial no Brasil, tem valor cultural ambiental importantíssimo. Não vai ser uma mineradora que daqui a 20 anos vai ir embora e deixar um buraco que transformará a região sem ter um bom debate”, critica o professor Antônio Philomena. Ele diz que antes da pressão do movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã a comunidade não tinha sido ouvida.
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Movimento contra mineração no Rio Camaquã completa um ano e conquista apoios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU