14 Novembro 2017
O historiador britânico Niall Ferguson comparou o impacto da mensagem de Martinho Lutero, há 500 anos, com o prometido hoje pelo que chamou de 'sacerdotes do Vale do Silício'. Em ambos os casos, os resultados imediatos não foram tão bons quanto as intenções.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 13-11-2017.
"Na maior parte da história de que temos conhecimento, instituições hierárquicas, como os Estados, dominaram as (chamadas) redes sociais", disse. "Houve duas eras em que novas tecnologias empoderaram redes (sociais) e enfraqueceram hierarquias. A primeira vez foi 500 anos atrás, quando Martinho Lutero lançou sua campanha pela reforma da Igreja Católica. A segunda é o momento atual", argumentou.
"Se não fosse pela imprensa escrita, Lutero teria sido só mais um herege 'torrado na fogueira'. Mas a imprensa, uma espécie de internet antiga, permitiu que sua mensagem viralizasse pela Europa."
"Lutero era um utópico. Acreditava que a reforma traria um 'sacerdócio de fiéis'. Em vez disso, a Europa mergulhou em conflitos. Da mesma forma, os sacerdotes do Vale do Silício nos prometeram uma comunidade global. Mas, agora, assim como antes, redes recém-empoderadas levaram à polarização, e não à união. Viraram, também como antes, um meio de transmissão de notícias falsas e visões extremistas", concluiu.
As redes sociais não deram poder às pessoas, pelo contrário, se aproveitam delas, afirma o historiador, defendendo que não devemos deixar às empresas de tecnologia o poder de decidir por nós qual conteúdo bloquear.
"Os sacerdotes do Vale do Silício nos prometeram uma comunidade global, mas as redes sociais levaram à polarização, em vez de à união", afirmou Ferguson no quadro opinativo Viewsnight, do programa da BBC Newsnight. "As redes não nos empoderam - nos usam. Para o Vale do Silício, somos perdedores."
Em referência à pressão de governos e agentes regulatórios para que as redes sociais expliquem seu papel na difusão de notícias falsas durante a eleição americana e para que ajam para bloquear conteúdo extremista, Ferguson opina que devemos reivindicar para nós, usuários, esse poder de vetar conteúdo.
"Hoje, agentes regulatórios exigem que o Vale do Silício retire o discurso de ódio das plataformas. Mas atenção quanto a dar às empresas de tecnologia ainda mais poder. Se é censura o que você quer, não a deixe cargo do Facebook", declarou o historiador.
"Pessoalmente, defendo a liberdade de expressão sob o risco de me sentir ofendido pelo que os outros dizem, (mas) decidindo eu mesmo o que bloquear em vez de deixar isso para 'Cidadão Zuck'."
Ferguson, hoje na Universidade Stanford (EUA), foi professor de Harvard e é autor de 14 livros, entre eles A Ascensão do Dinheiro, sobre o mercado financeiro, e A Grande Degeneração, com críticas à sociedade ocidental.
Em manifestações prévias, Ferguson - tido como ideologicamente mais alinhado à direita - já havia mencionado seu ceticismo com as revoluções tecnológicas originadas no Vale do Silício.
"Ofereço-lhes uma lição simples de história: informação em maior volume e velocidade não é algo bom por si só. Conhecimento nem sempre é a cura. E efeitos em rede nem sempre são positivos", argumentou em artigo de 2012, chamado Não acredite na onda tecno-utópica.
"Houve grande progresso tecnológico nos anos 1930. Mas isso não pôs fim à Grande Depressão. Foi necessária uma guerra mundial (para isso). Será que algo tão horrível poderia acontecer nos nossos tempos? Não descarte essa possibilidade. Lembremo-nos da sequência de eventos: depressão econômica, crise de democracia, caminho à guerra."
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Redes sociais prometem 'comunidade global', mas resultado é polarização e não união, diz historiador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU