06 Julho 2017
Rondônia, Pará e Maranhão concentram 90% dos assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil ocorridos em 2016. A informação é do dossiê "Vidas em Lutas: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil", lançado nesta terça-feira (4) em Marabá, no sudeste do Pará, na Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).
A reportagem é de Lilian Campelo e publicada por Brasil de Fato, 04-07-2017.
Na ocasião, também haverá o lançamento do site do Comitê, que pode ser acessado aqui, e do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2016 da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Segundo o documento, que foi elaborado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), a maior parte das 66 mortes de ativistas registradas no ano passado ocorreram em decorrência de conflitos no campo.
Clique aqui para ler o dossiê na íntegra
Além dos assassinatos, o levantamento aponta casos de espionagens, ameaças, desqualificação moral e prisões arbitrárias cometidos por empresas, agentes de segurança privada e pelo Estado contra ativistas e lideranças de movimentos sociais do campo e da cidade em 2016.
Layza Queiroz, advogada popular na organização Terra de Direitos, analisa que o crescimento da violência contra militantes dos direitos humanos começou a se intensificar em 2015, se agravou no ano seguinte e, em 2017, ficou ainda mais sofisticada com o aumento das "torturas, chacinas, massacres, uso intensivo da força, tanto de policiais quanto de ações de milícias”.
Segundo Luciana Pivato, do CBDDH e coordenadora sobre tema na Terra de Direitos, antes do fim do primeiro semestre de 2017, foram registrados 42 assassinatos. “Você vê que esse gráfico aumenta exponencialmente”, avalia.
A pesquisa aponta que, a partir do golpe de estado liderado pelo presidente Michel Temer (PMDB) e sua base aliada, as violações contra as pessoas que lutam por direitos humanos se aprofundaram: foram 64 casos de criminalização só no ano passado.
Alice de Marchi, pesquisadora da Justiça Global, argumenta que, nesse contexto, o fortalecimento do modelo de desenvolvimento voltado para a exportação de commodities também contribuiu para o aprofundamento e agravamento das violações. “O que mais tem chamado atenção são as causas estruturais desse aprofundamento. Tudo começa com a escolha de um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e nos grandes empreendimentos”, avalia.
No contexto urbano, o CBDDH identificou que as violações e criminalizações foram cometidas contra pessoas que lutam pelo direito à moradia, ativistas LGBT e profissionais do sexo. Entre os casos citados estão o de Luana Barbosa dos Reis, lésbica militante que foi assassinada durante abordagem policial em 2016 e de Mirella de Carlo, travesti, prostituta e ativista, assassinada em casa. Somam ao grupo pessoas que defendem o direito da juventude negra, lideranças comunitárias, midiativistas de favelas e periferia assim como estudantes.
O Comitê destaca que o encarceramento é uma das táticas de repressão mais comum no cenário urbano, e a repressão policial vem crescendo nas manifestações populares ocorridas nas ruas.
Dos grupos urbanos apontados no dossiê, o CBDDH chama atenção à perseguição de estudantes secundaristas e universitários das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo pela polícia. Em São Paulo, a Policia Militar elaborou um catálogo de fotos dos estudantes e os espionou por meio das redes sociais e de grampos telefônicos.
Outro exemplo de espionagem citado no dossiê é o da empresa Vale que, com o apoio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), espionou e monitorou lideranças de movimentos sociais que faziam resistência à empresa.
Marchi, da Justiça Global, afirma que é preocupante casos que envolvem a vigilância e o monitoramento de defensores e defensoras de direitos humanos:
“Isso só é possível por conta dessa associação de forças privadas com forças públicas. No caso no cenário urbano, isso é declarado, principalmente no Rio de janeiro e em São Paulo, onde tem sido feito um monitoramento sistemático, legitimado e institucionalizado dos movimentos sociais e dos grupos que estão nas manifestações de rua”.
Mulheres
Dos 66 defensores e defensoras assassinados, seis eram mulheres. A morte, muitas vezes, foi precedida de violência sexual. Queiroz diz que a criminalização e a violência contra as defensoras são as “mais apuradas”. Ela cita o caso de Francisca das Chagas Silva, dirigente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Miranda do Norte, no Maranhão.
O corpo da quilombola da comunidade de Joaquim Maria foi encontrado nu em uma poça de lama e apresentava sinais de estupro, estrangulamento e perfurações.
Ela ainda afirma que as mulheres são as mais vulneráveis e as que mais sofrem com os retrocessos sociais. Dependendo da cor e etnia, a vulnerabilidade aumenta consideravelmente.
“Têm muitas mulheres que, por estarem na luta, são acusadas de largarem a casa, de largarem o filho, e sofrem ameaças de perder a guarda de suas crianças. Então, as mulheres são as mais vulneráveis em geral. Evidentemente, as mulheres negras e indígenas são as que sofrem de forma mais intensa esse processo de retirada de direitos e recrudescimento de violência”.
Ao final do dossiê, o CBDDH apresenta medidas que visam garantir a atuação das pessoas que defendem os direitos humanos, entre elas a implementação e o fortalecimento do Programa de Proteção dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PPDDH) assim como o fortalecimento do próprio Comitê.
Pivato, do CBDDH, diz que, entre as medidas, está a adoção de ações emergenciais, cujo objetivo é investigar a origem das ameaças. “Nós não temos um mecanismo que garanta uma articulação para receber essas denúncias e agir preventivamente de forma rápida”.
O documento será encaminhado aos órgãos públicos do Sistema de Justiça e dos Poderes Executivo e Legislativo, além de organismos do Sistema Regional e Internacional de Direitos Humanos.
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Norte e Nordeste concentram 90% das mortes de ativistas de direitos humanos em 2016 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU