25 Mai 2017
Para Wagner, a dimensão da atual crise não está prevista na Constituição: 'O pacto para sair dela tem de envolver o povo'
Aos 55 anos, Wagner Firmino de Santana, o Wagnão, como é conhecido, será o próximo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no lugar de Rafael Marques. Atual secretário-geral da entidade, ele foi eleito em abril com 94% dos votos válidos, em processo que inclui inicialmente a escolha dos representantes dos comitês sindicais nos locais de trabalho e, depois, da executiva e do conselho fiscal da entidade. A posse está marcada para 19 de julho.
A reportagem é de Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 24-05-2017.
Ex-cipeiro, integrante de comissão de fábrica, coordenador do comitê sindical da Volkswagen de São Bernardo (fez parte também do comitê mundial do grupo), Wagner Santana entrou na montadora em 13 de novembro de 1984 e filiou-se ao sindicato em 21 de fevereiro de 1985. Em 2005, foi presidente do Dieese. Ele assume em meio a uma crise política que arrasta a economia e compromete a discussão do que considera fundamental: a indústria do futuro, para as próximas gerações, o projeto de país que busque um efetivo desenvolvimento, com inclusão. Com um dado novo, observa o dirigente: a indústria se rendeu ao sistema financeiro e perdeu protagonismo.
No curto prazo, a preocupação de Wagnão é como arregimentar forças para evitar as reformas que eliminem ou restrinjam direitos. Porque Temer pode ser "rifado", como ele diz, mas o mercado pode pôr no lugar alguém ainda pior. "Qual a saída institucional para que nós, trabalhadores, tenhamos vez e voz nessa mudança que deve acontecer daqui até 2018?", questiona. A saída passa, inevitavelmente, por eleições diretas. Como parte de uma saída que não será de curto prazo, pondera. "O que pode haver é pactuação, e com o povo brasileiro. A vontade de um povo é a Constituição."
Durante a entrevista, na sede do sindicato, em São Bernardo, Wagnão conseguiu concluir o reparo de uma peça de madeira de 2003, oferecida pelas comunidades de Xique-Xique e da Lagoa da Tapagem, na região de Remanso (BA), como agradecimento aos metalúrgicos pela ajuda na construção de 120 cisternas. Torcedor do Santos e "roqueiro", ele conta que gosta de ler e é cinéfilo. Pretende ainda se dedicar a estudos em História e Antropologia. Por enquanto, assume o desafio de construir no dia a dia uma nova relação com sua base, como observou o mais conhecido eleitor do sindicato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eis a entrevista.
Até que ponto esses dois, três anos de crise ininterrupta afetaram a vida da categoria e as políticas que vinham sendo discutidas de incentivo ao desenvolvimento econômico?
Primeiro, eu não considero dois, três anos. Estamos vivendo uma crise desde 2008. Esta crise é cíclica, crise do capital, e estamos pagando o preço. Existe uma disputa hoje: a novidade desse novo modelo de organização do capitalismo é por um disputa entre a indústria e o sistema financeiro, ou não? Eu acredito que é uma disputa que já está resolvida. O setor industrial se rendeu. É uma disputa dentro do próprio capitalismo, independentemente de quem é capitalista ou não. Identificar isso é extremamente importante para a gente saber em que mundo a gente está vivendo, que mundo a gente está produzindo. A indústria perde protagonismo no desenvolvimento do mundo, o que é muito mais perverso na relação capital-trabalho, conforme a gente costuma identificar nos nossos textos, nas nossas ideologias e nas nossas propostas de luta. Acho que é isso que a gente está vivendo agora.
Em que medida isso atinge a categoria metalúrgica?
A categoria vive o que nós chamamos de consequências de uma crise que nós não criamos, mas pagamos o preço. A nossa categoria diminuiu muito de 2011 para cá. Chegamos a ter 109 mil metalúrgicos, hoje estamos com 73 mil. Isso é consequência de uma crise que não se resolve. Agora, nós temos de nos preparar para o próximo período. Isso pode significar adaptar essa quantidade já pequena de trabalhadores em relação ao que tínhamos em 2011 a uma nova reestruturação da produção e da indústria, que nós chamamos indústria 4.0, internet das coisas, que pode diminuir mais ainda o número de trabalhadores na indústria de ponta. Consequentemente, isso reverbera nas empresas com menos capacidade de desenvolver ou de produzir novas tecnologias, que se adaptem a esses novos conceitos. Esse é o nosso desafio agora, que estamos pretendendo discutir nesse mandato: que indústria queremos para nossos filhos, não é nem para nós.
Na indústria 4.0, o governo, inclusive, quer fazer uma discussão excluindo o trabalhador...
Este governo, na prática, exclui trabalhador de qualquer proposta, de qualquer discussão sobre o país. Excluir principalmente daquilo que afeta o trabalhador, como ele se relaciona no trabalho direto, é só um pequeno pedaço dessa história. O que nós temos de discutir é ciência, tecnologia, um governo que aposta em desenvolvimento tecnológico, nas capacidades da nossa indústria de ser competitiva. Para eles não interessa fazer essa discussão. E aí o Brasil perde, perde muito, os trabalhadores perdem.
O primeiro passo, então, é tirar logo esse governo?
Estou falando disso numa medida mais de longo prazo. Estou falando enquanto metalúrgico, enquanto indústria. Acho que a gente precisa ter um projeto de nação, um projeto industrial que valha para os próximos 30, 40 anos, e aí independe do governo que está lá. Uma discussão é a política, outra é do emprego, outra é das relações de trabalho que se constituem nas próximas décadas – ou que indústria nós queremos deixar para os nossos filhos. Se eles vão ter oportunidade de um trabalho, não um trabalho semi-escravo, como aquele proposto na reforma trabalhista, ou eles sendo obrigados a assimilar uma relação em que o mercado determina como vão ser as relações de trabalho, ou se existirá algum tipo de proteção para que esse novo emprego, ou esse emprego futuro, não seja extremamente precarizado, que é o que se aponta agora.
Tudo o que se aponta agora é para a extrema precarização ou, em algumas condições, vamos colocar assim, a uma política de retorno a um trabalho semi-escravo, legalização da semi-escravidão. É o que está agora numa proposta que corre no Congresso Nacional com relação à regulamentação do trabalho rural, que pode transformar o pagamento, em vez de em dinheiro, em aquilo que o meu bisavô. Ou seja, você trabalha de meeiro, tem a sua casa, uma vendinha que vende lá os insumos que você precisa para produzir, para sobreviver, e ao final você sai sem nada, você dá ao dono da fazenda tudo aquilo que produziu ao longo de anos. É isso que está colocado para agora. Estão retornando a uma condição de trabalho de 1900, 1800 e alguma coisa.
Vocês têm tido algum tipo de conversa com o empresariado para avaliar essa situação, se tem representantes dos empresários preocupados com essa crise institucional, ou eles também aderiram a esse atropelo?
Eu não acredito que eles aderiram, acredito que eles apostaram, e apostaram errado. Quando a Fiesp inflou o pato, ela não acreditou no tamanho do pato que estaria pagando. Hoje, o empresariado tenta fazer uma concertação, que não passa pela política normal. A gente vê o empresariado se reunindo com a presidente do STF, tentando achar caminhos para reestruturar a política, colocar impedimentos ou uma forma de barrar o que é a Lava Jato, essa instituição... Instituição é um termo forte, não é uma coisa simples, não é? Temos algumas instituições no país. O Congresso é uma, Executivo é outra, Judiciário, e a Lava Jato tenta se colocar como instituição no país, acima de várias coisas.
O empresariado começa a perceber isso, começa a perceber que tudo aquilo que ele defendeu degringolou, não tem mais um rumo certo e ele vai se prejudicar por conta disso. E aí prejudicar significa tanto do ponto de vista do investimento financeiro que ele possa fazer na produção, como no investimento que boa parte deles faz no sistema financeiro, como contrapartida àquilo que ele não consegue recuperar na produção. Então, acho que ele está percebendo que existe uma possibilidade real de destruição da indústria brasileira, uma parcela inteligente do empresariado começa a perceber isso. E começa a se movimentar.
Acho que é por isso que estamos vivendo hoje uma segunda crise institucional, e que existe dentro do empresariado brasileiro produtivo apreensão em relação a que rumos o Brasil vai tomar.
Você tem tido conversas com dirigentes de empresas, isoladamente, organicamente...?
Isoladamente, a gente tem constantemente, e a impressão que sempre nos passam é essa, de incerteza. Isso é extremamente ruim, porque os empresários que não têm certeza de que Brasil nós teremos daqui a três meses... E aí não falo nem daqui a quatro anos, de planejamento de país. Eles não sabem hoje se vai ter o impeachment do Temer, ou não, se o Temer vai renunciar, ou não. Que empresário investiria dinheiro na produção numa condição dessa? E nós temos ouvido reclamações de empresários internacionais que têm intenção de investir no Brasil e desistiram, estão há um ano, dois anos, esperando, na expectativa de que as coisas se solucionem. Quando – do ponto de vista deles – eles entendiam que havia um governo com propostas de reformas neoliberais, "modernizantes" e tudo o mais, acontece o que aconteceu na semana passada, de denúncia de desconstrução de um projeto que tinha como mote dar um golpe não num governo, mas num projeto de país. E aí vai para a especulação financeira.
Como você falou, foi uma aposta, a sensação, do ponto de vista deles, de que as reformas iriam resolver tudo, a terceirização, PEC dos gastos...
Nenhuma delas resolveria os problemas econômicos do país. Nenhuma.
Esse era o discurso.
É. Elas são uma contraposição ao projeto que a gente vinha construindo desde 2003. É a história do Estado menor. As propostas de reformas têm relação, elas caminham juntas. Aprovou-se primeiro a PEC 55, a PEC da morte ou a PEC dos gastos, cada um chama do que quiser. Os estados passam a ter uma menor capacidade de investimento, na medida em que se estabelece um teto e limita a capacidade de investir em saúde, educação, infra-estrutura... Estados, municípios e governo federal. De onde que você tira isso, na medida em que com menor investimento do Estado, e as administrações estaduais, municipais, são responsáveis por uma boa parte do crescimento do PIB do país, como é que você se contrapõe a uma diminuição do crescimento do PIB? Você reduz na outra ponta. Você tem duas opções: ou investe fortemente na questão tributária, ou seja, cobrando impostos, exigindo maior parcela de contribuição do setor patronal, ou você faz via trabalhador, através da diminuição de gastos sociais. O governo fez essa opção.
A queda na arrecadação significará menor capacidade do Estado de honrar seus compromissos com a dúvida pública, R$ 400 bilhões, R$ 500 bilhões, seja lá qual for o número. Para haver essa compensação, o Estado teria de diminuir seus gastos na outra ponta. E aí vêm a reforma da Previdência, o menor gasto com as questões sociais, e aí sobra dinheiro para ele manter seus compromissos com o pagamento da dívida pública. Essa é a lógica desse governo. Se ela vai perdurar daqui pra frente, aí é o sofrimento que estamos passando desde a semana passada.
O que nós sabemos é que, se ele se mantiver, será um governo extremamente desgastado e que eu tenho dúvidas se terá condições de levar as reformas à frente. Isso necessariamente significará uma perda de apoio político a esse governo nessas castas que ele tentou proteger até agora. E aí, continua a incerteza: o Brasil terá investimento público, terá investimento privado? Nós prolongamos a crise econômica por conta dessa crise política.
Falando em castas, na semana passada, logo que estourou esse escândalo, ministros como Moreira Franco, Eliseu Padilha, e o senador Romero Jucá gravaram vídeos falando que o Brasil não pode parar. Estariam dando um recado para os empresários?
Acho que estão é acatando uma reivindicação do empresariado, não mandando recado. O empresariado está dizendo: a crise política é um problema de vocês, as mudanças, as novas legislações têm de continuar, independentemente de o Temer cair ou não cair. Para eles, não importa quem é o mandante de plantão, mas se o lucro deles vai ser alterado ou não por conta de um potencial agravamento da crise. Esse recado eles já deram, mas acho que eles perderam a autoridade política para mandar esse recado e a quem eles mandaram já não têm mais autoridade política nenhuma de garantir essas promessas.
No curto prazo, qual é a saída? As forças políticas, de diversas linhas, têm de se unir, tentar aprovar uma eleição o quanto antes, e respeitar o resultado também, como primeiro passo para discutir um efetivo projeto de desenvolvimento?
Acho que não existe saída de curto prazo para o Brasil. O que pode existir é pactuação de curto prazo, e essa pactuação é com o povo brasileiro. Numa situação de crise do tamanho dessa que está colocada, ao povo tem de ser dada a oportunidade de decidir o futuro político deste país. Para mim, esta é a questão maior. Portanto, a mim não cabe o discurso legalista de que a Constituição determina isso ou aquilo. Numa situação de crise institucional que nós estamos vivendo, esse Congresso não tem a dignidade necessária para decidir isso – apesar de legítimo, pois queira ou não, pelas regras do jogo ele foi eleito. Eu não digo que é ilegítimo, mas não tem moral de indicar um novo mandatário para a Presidência deste país.
A quem cabe solucionar a crise, agora, é ao povo. E não é casuísmo, o tamanho da crise exige atitudes diferentes, inovadoras, e atitudes inovadoras significa deixar na mão dos brasileiros que eles decidam seus próprios rumos, dada a condição de divergência, de diferença de opiniões que existe na sociedade hoje. Temos de reconhecer isso.
Não existe um sistema político que sobreviva ou que dê razão constitucional a uma situação dessa. Existem motivações suficientes para que a gente tenha de fato, na sociedade, uma vontade, um desejo de nós, brasileiros, resolvermos essa parada. Porque nenhuma organização política foi suficientemente competente para resolver isso. Então, nós, através do voto, decidimos. É por isso que estamos chamando diretas já, mesmo que não esteja previsto na Constituição. A situação atual não está prevista na Constituição, a crise política não está prevista.
É uma excepcionalidade...
Extrema.
Voltando para a região, vocês sentem dificuldades de discutir políticas regionais, uma vez que as montadoras, principalmente, são cada vez mais voltadas para fora, pensam globalmente?
As montadoras nunca foram um instrumento, ou um personagem na discussão regional. Nenhuma delas. Elas sempre tiveram um pensamento globalizado. A partir de onde puderem produzir com lucro ou atendendo a suas expectativas e necessidades, elas irão produzir. Elas nunca tiveram muito apego à região. Nunca participaram de nenhuma discussão. Você não vê montadora participando da Agência de Desenvolvimento (Econômico do Grande ABC), do Consórcio (Intermunicipal do Grande ABC)... Nunca pensaram nisso, nunca se articularam regionalmente, e aí estou falando de você pegar Volks, Ford, Scania, Mercedes, sentar, discutir junto política regional, esse assunto não existe para eles. Para eles o interesse é "onde eu produzo melhor e mais barato". Pode ser em São Bernardo, Curitiba, no Paraguai, Chile, Bolívia, em qualquer lugar.
Vocês fizeram APLs (arranjos produtivos locais) com outros setores.
São empresas que estão estabelecidas aqui na região e necessitam de uma articulação com outros parceiros, até para sobreviver. Você não pode dizer que uma ferramentaria com 100, 150 trabalhadores, tem facilidade para transferir suas atividades para o interior do estado. Ela tem a proximidade como instrumento importante de custo logístico. Outras são empresas enraizadas na região, ou por sua origem familiar, ou porque não têm as condições necessárias de mudar.
Na Tribuna Metalúrgica (jornal do sindicato), o ex-presidente Lula disse que você, entre outras pessoas, tem de começar a pensar em um "novo novo sindicalismo", considerando o perfil da categoria. Ele falou que trabalhador hoje não gosta mais de ser chamado de peão, é outro tipo de metalúrgico, o sindicato tem de pensar mais em informação, formação, debater mais com esse trabalhador. Você, que já está faz algum tempo na base, como vê essa transformação e a responsabilidade de fazer essa ponte com essa nova formação de metalúrgicos, diferente daquela a gente costumava chamar de porta de fábrica, carro de som...?
Eu acho que alguns instrumentos de conversa você tem de manter. Não vamos abrir mão do carro de som, porque aí abrimos mão de decisão na porta de fábrica sobre os interesses daquele trabalhador. Porque senão a gente corre o risco de incorrer nos mesmos erros que uma boa parte do sindicalismo no Brasil faz, que é chamar uma assembleia no sindicato, pequena, para decidir o futuro de centenas ou milhares de trabalhadores. Portanto, a porta de fábrica, a discussão interna, para nós é essencial. A organização no local de trabalho é o que nos sustenta. A partir dela, dos nossos 234 dirigentes eleitos na última eleição, que nós mantemos a nossa relação com a peãozada, uma relação de confiança. É lógico que nós precisamos de outros instrumentos.
No mundo digital, você precisa ter outros instrumentos em que você consiga se comunicar não só com a nossa categoria, mas com outros trabalhadores, a partir do momento que nos interessa a solidariedade como principal instrumento dos trabalhadores de articulação das suas lutas. Eu não abro mão da organização no local de trabalho, eu tento – e sacrifico, até pelo tempo que eu tenho – criar novas formas de comunicação, de tentar inovar. Eu resisto a um monte delas, até por conta da minha pouca interatividade digital. Acredito que seja um dos... Não acredito, como as pessoas professam, que o caminho é as pessoas conversarem digitalmente. Acho que isso torna a conversa muito impessoal e cria um espaço grande para a mentira, a inverdade.
O olho no olho ainda é importante, o olho no dirigente com sua categoria ainda é um instrumento muito forte.
Acreditar nessas condições que a internet te dá é um importante instrumento, mas sem as relações pessoais acho que o mundo não vai pra frente. A tendência é as pessoas se isolarem, se tornarem cada vez mais individualistas, meritocratas, e achar que o mundo se resolve no mundinho deles. Nunca foi assim. Não acredito no individualismo, na impessoalidade das relações.
Algumas pessoas consideram que a crise institucional, que se desencadeou no impeachment no ano passado, começou em 2013, com as manifestações das quais a direita se apropriou, os meios de comunicação, alguns grupos organizados. Então, agora em junho, ela vai completar quatro anos. É um mandato – da construção ao novo momento do golpe, que está em momento de imprevisibilidade. Você acha que as forças progressistas, democráticas, têm capacidade de propor um debate de projeto de nação, para não ficar só no debate de corrupção, crime, escândalo, que desconstrói a política?
Se nós imaginarmos que em 2013, nós fomos o inocente útil – e fomos, por uma semana, e a partir daí a direita tomou conta daquele debate, com o discurso da corrupção e tudo o mais –, não podemos correr o mesmo risco agora. O debate tem de ser mais profundo, tem de ser de projeto de fato. Acho que a gente tem um ambiente que conduz para isso, se a gente souber aproveitar. Não é o discurso conjuntural das reformas, se bem que as reformas nos ajudaram a nos recolocar no debate. Nós estávamos com o discurso de golpe, golpe, golpe, só. Se o Temer não tivesse dados tantas oportunidades com as reformas que ele apresentou, de escancarar de fato qual era o projeto por trás do golpe, talvez estaríamos fazendo só o discurso do golpe, de que foi ilegítimo, que não foi produzida nenhuma prova contra a Dilma – e, aliás, até hoje a Dilma não foi acusada de nenhum ato de corrupção, ou qualquer coisa nesse sentido.
Temos hoje a oportunidade muito grande de debater que tipo de país nós queremos. Não podemos perder essa oportunidade, no sentido de voltar o debate eleitoral. Para nós, em 2018, ou as opções eleitorais que as pessoas vão fazer, dependem da construção do que fizermos daqui até lá em função da crise que está dada. Que país queremos, que país os golpistas estão colocando para gente como alternativa... O que se percebeu e o que eu entendo é o seguinte: a direita mesmo, de fato, que defende mesmo um país clean, uma forma de governo extremamente neoliberal, percebeu que esse governo não tem as condições políticas de bancar isso. Eles estão perdendo terreno na forma da Previdência. Foram muito criticados na lei da terceirização, e na reforma trabalhista percebem que perderam força no Congresso, para aprovar as reformas "modernizantes".
São as "reformas de base" deles.
Reformas de base... A partir daí, o que é que se faz? Para manter o projeto, rifa-se o interlocutor. O interlocutor é Temer. Acredito que é isso que está acontecendo neste momento. O Temer não tem força para bancar as reformas, portanto rifa-se o Temer e preserva-se o projeto. Essa é a minha desconfiança em relação ao que está acontecendo agora, em relação ao posicionamento da mídia tradicional. Acontecendo isso, elege-se um novo mandatário, com esse Congresso que está aí, que não tem a moral para isso. Chama-se uma pessoa da confiança dessa direita, que tem a condição de arregimentar esse Congresso, extremamente solícito a isso, e aí fazer as reformas. Esse aspecto não nos interessa. A eleição indireta não nos interessa de forma nenhuma. Nosso papel é da resistência, e colocar como alternativa, de novo, repetindo, diretas já. Essa é a nossa opção.
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'A indústria se rendeu ao capital. O protagonista da mudança é o povo' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU