18 Janeiro 2017
As lições de Keynes não chegam aos ouvidos de quem nos empurra ladeira abaixo da depressão.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, economistas, publicado por CartaCapital, 18-01-2017.
Eles informam que “a Alemanha introduziu, em 2015, seu primeiro salário mínimo na história. O premier japonês, Shinzo Abe, defendeu aumentos de 3% ao ano para o salário mínimo. No fim de 2016, a Finlândia anunciou um sistema de renda mínima universal de, aproximadamente, 2 mil reais por mês, que, após um período inicial de testes com 2 mil cidadãos, seriam distribuídos igualmente para todos. A Holanda planeja testar um programa similar em 2017. O apoio a programas de renda mínima cresce na Europa em decorrência do baixo crescimento econômico e ampliação da desigualdade, especialmente a partir da crise de 2008”.
Eis o artigo.
Lá se vão 81 anos desde que John Maynard Keynes se debruçou sobre os dogmas que aprisionavam e ainda aprisionam as mentes e os corações de alguns economistas, os praticantes da Ciência Triste.
Em sua Teoria Geral, as relações entre salário e emprego ocupam papel central para a construção do conceito de demanda efetiva. Pedimos licença ao caro leitor para citar descomedidamente a obra do Mestre (agora de domínio público, mas há tempos ausente dos domínios de certos públicos):
“Não é muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos, em 1932, tenha resultado de uma obstinada resistência do trabalhador em aceitar uma diminuição dos salários nominais, ou de uma insistência obstinada de conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade do sistema econômico...
O trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão do que no de expansão, antes ao contrário... A quantidade de mão de obra que os empresários resolvem empregar depende da soma de duas quantidades, a saber: o montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo, e o montante que se espera seja aplicado em novos investimentos. Essa soma é o que chamamos de demanda efetiva...
A propensão a consumir e o nível do novo investimento é que determinam, conjuntamente, o nível de emprego, e é este que, certamente, determina o nível de salários reais – não o inverso”.
Por aqui, na ladeira da depressão, cientistas tristes descem na contramão, empenhados em ressaltar as benesses econômicas decorrentes da precarização do mercado de trabalho. Uns afirmam que os efeitos recessivos do ajuste econômico poderiam ser suavizados pela elevação do trabalho informal.
Seus “testes empíricos” indicam que os resultados do ajuste são melhores em economias com alto grau de informalidade, pois conferem ao desempregado a “possibilidade de manter” o nível de consumo no exercício de uma atividade informal.
Outros, compungidos, insistem em celebrar uma rápida queda do salário real. Na visão de suas doutrinas, quanto maior e mais rápida for a queda do salário real, menor será o aumento do desemprego. Conforme nossos merencórios especialistas, nas economias de mercado as tristezas do desemprego pesam trágica e inevitavelmente sobre os lombos dos assalariados.
Perversidade absolutamente suportável nos confortáveis escritórios dos especialistas e comentaristas. Nesses ambientes refrigerados, a fé na interação “virtuosa” entre a queda dos ganhos e a preservação das ocupações não é abalada pela observação do movimento que leva de cambulhada para o despenhadeiro o emprego e os salários no mercado de trabalho tupiniquim.
Ao analisar a evolução do salário médio real de janeiro a setembro de 2010 a 2016 só há queda no valor justamente em 2015 e 2016, anos em que o desemprego aumentou. A evolução do emprego formal apresenta desaceleração desde 2010, mas apenas em 2015 apresenta saldo negativo: mais de 1,5 milhão de demissões acima das admissões. De janeiro a novembro de 2016, o saldo negativo era superior a 850 mil de empregos.
Robert Reich, secretário de Trabalho no governo Bill Clinton, publicou uma carta aberta aos republicanos, endereçando-a aos capitães da indústria americana e titãs de Wall Street que financiam o partido: “Você se esqueceu de que seus trabalhadores são também consumidores. Assim, ao mesmo tempo que você empurrou os salários para baixo, também espremeu seus consumidores, tão apertados que eles dificilmente podem comprar o que você vende”.
Reich tenta explicar que os salários, ademais de custo para as empresas, são também fonte de demanda, que a formação da renda e da demanda agregadas dependem da disposição de gasto dos empresários com salários e outros meios de produção que também empregam assalariados.
Ao decidir gastar com o pagamento de salários e colocar sua capacidade produtiva em operação ou decidir ampliá-la, o coletivo empresarial avalia a perspectiva de retorno de seu dispêndio imaginando o dispêndio dos demais.
Muitos países desenvolvidos estão recorrendo a políticas de salário mínimo e organizando experiências com a renda básica para tentar atacar a desigualdade e o crescimento anêmico dos salários. No Reino Unido, a previsão era de elevação dos salários dos trabalhadores de baixa renda quatro vezes mais rápida que o salário médio no ano.
A Alemanha introduziu, em 2015, seu primeiro salário mínimo na história. O premier japonês, Shinzo Abe, defendeu aumentos de 3% ao ano para o salário mínimo. No fim de 2016, a Finlândia anunciou um sistema de renda mínima universal de, aproximadamente, 2 mil reais por mês, que, após um período inicial de testes com 2 mil cidadãos, seriam distribuídos igualmente para todos.
A Holanda planeja testar um programa similar em 2017. O apoio a programas de renda mínima cresce na Europa em decorrência do baixo crescimento econômico e ampliação da desigualdade, especialmente a partir da crise de 2008.
A manufatura da Revolução Industrial sinaliza com o desemprego endêmico e sistêmico pela substituição de trabalhadores em um vasto espectro de atividades. Especialistas sugerem particular prejuízo aos mais pobres, pelo desaparecimento dos trabalhos de baixa qualificação, acompanhado da redução dos salários.
Programas de renda mínima visam, simultaneamente, assegurar um sistema de bem-estar social, a partir da distribuição da riqueza, e estimular as economias, garantindo poder de consumo aos seus cidadãos.
Em oposição, ainda hoje são ouvidos os ecos do misterioso sucesso de uma teoria econômica que estabelece relações positivas entre a queda dos salários e a geração de empregos. Por essas e outras, Keynes sustentava especial implicância com David Ricardo.
Ao formular sua teoria da distribuição entre salários, lucros e renda da terra, Ricardo eliminou o problema da geração da renda agregada e da massa de salários pelo gasto empresarial, isto é, sumiu com as incertezas da demanda efetiva.
“Deu-lhe virtude a circunstância de que seus ensinamentos, transportados para a prática, eram austeros e, por vezes, desagradáveis. Deu-lhe primor o poder sustentar uma superestrutura lógica, vasta e coerente.
Deu-lhe autoridade o fato de poder explicar muitas injustiças sociais e crueldades aparentes como incidentes inevitáveis na marcha do progresso, e de poder mostrar que a tentativa de modificar esse estado de coisas tinha, de modo geral, mais chances de causar danos que benefícios.
Por ter formulado certa justificativa à liberdade de ação do capitalista individual, atraiu-lhe o apoio das forças sociais dominantes agrupadas atrás da autoridade.”
Empoleirado nos ombros do “vício ricardiano”, o fantasma da falácia de composição prossegue em sua ronda sinistra nos territórios dos economistas tristes.
Entalados nas armadilhas dos fundamentos microeconômicos da macroeconomia, ignoram que o “recomendável” para uma empresa numa era de recessão – reduzir os salários para manter empregos – não funciona para a economia como um todo, a não ser em situações específicas, como a da Alemanha na Zona do Euro.
Aí a moderação salarial e a dianteira tecnológica juntaram-se para estimular as exportações, que pesam 40% no PIB. O crédito generoso dos bancos das valquírias associou-se aos ganhos salariais de espanhóis, portugueses e que tais, para estimular a aquisição dos Audi, BMW e de bens de capital da indústria da senhora Angela Merkel.
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