04 Fevereiro 2016
"Na mídia impressa e na eletrônica, as matérias de negócios e economia disseminam os fetiches dos mercados financeiros embuçados na linguagem do saber técnico e esotérico.", escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, em artigo publicado por CartaCapital, 03-02-2016.
Eis o artigo.
Partilhei com Mino Carta o editorial da edição anterior de CartaCapital. Disse, então, que nos últimos meses alguns integrantes do Copom haviam sugerido um aumento de 50 pontos na já alentada taxa Selic.
Para surpresa de muitos e decepção de uns tantos, às vésperas da reunião do dito Conselho, escudado nas previsões do FMI sobre o PIB brasileiro, o presidente Tombini virou o jogo. Na quarta-feira 20, o Copom manteve a Selic em 14,25%.
Os Senhores da Finança responderam às trapalhadas de comunicação do doutor Tombini & Cia: mandaram um recado antecipando elevações consecutivas da taxa de juros no biênio 2016-2017. O mercado “falou”. Escancarou sua discordância na inclinação da curva de juro longa. A corcova fez inveja a Quasímodo.
Apoiado no linguista John Austen, em seu livro Capital e Linguagem, o economista italiano Christian Marazzi cuida das marchas e contramarchas da finança dos últimos 30 anos. Marazzi sublinha a natureza performativa da linguagem do dinheiro e dos mercados financeiros.
Escusas, caro leitor, pelo pedantismo do jargão linguístico. Performativo quer dizer apenas que a linguagem dos mercados financeiros contemporâneos não descreve, e muito menos “analisa”, um determinado estado de coisas, mas produz imediatamente fatos reais.
A última decisão do Conselho de Política Monetária do Banco Central foi um exemplo da produção da “realidade” pela linguagem dos mercados financeiros.
O domínio da finança, ou seja, o capitalismo reinventado segundo sua “natureza”, produziu o que Christian Marazzi chamou de “metamorfose antropológica do indivíduo pós-moderno”.
Diz Marazzi: é relativamente simples descrever o comportamento mimético-comunicativo das convenções coletivas típicas dos mercados financeiros. No capítulo XII da Teoria Geral, Keynes se vale dos concursos de beleza promovidos pelos jornais para descrever a formação de convenções nos mercados de ativos.
Os leitores são instados a escolher os seis rostos mais bonitos entre uma centena de fotografias. O prêmio será entregue àquela cuja escolha esteja mais próxima da média das opiniões. Não se trata, portanto, de apontar o rosto mais bonito na opinião de cada um dos participantes, mas, sim, de escolher o rosto que mais se aproxima da opinião média dos participantes do torneio.
Keynes introduz, assim, na teoria econômica as relações complexas entre Estrutura e Ação, entre papéis sociais e sua execução pelos indivíduos convencidos de sua autodeterminação, mas, de fato, enredados no comportamento de manada.
Keynes, na esteira de Freud, introduz as configurações subjetivas produzidas pelas interações dos indivíduos no ecúmeno social das “economias de mercado”. O afã de realizar sem perdas o valor dos ativos se esbate no fragor das insuspeitadas e caprichosas evoluções e involuções da opinião coletiva.
Os fâmulos dos mercados passam da euforia à depressão. É implacável o constrangimento dos indivíduos dos mercados, sempre amestrados sob o guante da conversão de seus valores particulares em dinheiro, a forma geral da riqueza.
Nesse percurso, o comportamento mimético dá origem, em suas conjecturas imitativas, a situações nas quais a busca coletiva da liquidez culmina na decepção de todos. A âncora que sustenta precariamente as ariscas subjetividades atormentadas pela incerteza da liquidez está lançada nas areias movediças da peculiar “sociabilidade” do capitalismo financeiro.
No livro Capitalisme et Pulsion de Mort, Gilles Dostaler e Bernard Maris afirmam que nem Freud nem Keynes acreditam na fábula da autonomia do indivíduo, tão cara aos economistas. “O indivíduo está imerso na multidão inquieta, frustrada, insaciável, sobre a qual pesa essa imensa pressão cultural, esse movimento ilimitado da acumulação...”
A metamorfose do indivíduo pós-moderno aludida por Marazzi é um “salto de qualidade” no comportamento mimético examinado por Keynes. Os “avanços” nas formas de comunicação promovidas pelo desenvolvimento da mídia de massas e o uso das tecnologias de informação tornaram mais rápida e eficazmente perigosa a linguagem do dinheiro.
Na mídia impressa e na eletrônica, as matérias de negócios e economia disseminam os fetiches dos mercados financeiros embuçados na linguagem do saber técnico e esotérico. Qual bonecos de ventríloquo, os comunicadores “falam” a língua articulada conforme as regras gramaticais dos mercados.
Assim, o capitalismo investido em sua roupagem financeira cumpre a missão de “administrar” a constelação de significantes à procura de significados, submetendo os cidadãos-espectadores aos infortúnios da domesticação e da homogeneização decretados pelo “coletivismo de mercado”.
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A linguagem do dinheiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU