06 Janeiro 2012
"A expansão, não a recessão, é o momento idôneo para a austeridade fiscal". Cortar o gasto público quando a economia está deprimida deprime a economia ainda mais. A austeridade deve esperar até que uma forte recuperação tenha sido posta em marcha.
A opinião é do economista norte-americano Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e prêmio Nobel de 2008. O artigo foi publicado no jornal El País, 05-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"A expansão, não a recessão, é o momento idôneo para a austeridade fiscal". John Maynard Keynes declarava isso em 1937, quando Franklin Delano Roosevelt estava a ponto de lhe dar razão, ao tentar equilibrar o orçamento muito cedo e mergulhar a economia norte-americana – que estava se recuperando em ritmo constante até esse momento – em uma profunda recessão. Cortar o gasto público quando a economia está deprimida deprime a economia ainda mais. A austeridade deve esperar até que uma forte recuperação tenha sido posta em marcha.
Infelizmente, no fim de 2010 e no início de 2011, os políticos e os legisladores em grande parte do mundo ocidental acreditavam que estavam mais espertos, que devíamos nos concentrar nos déficits, não nos postos de trabalho, apesar de nossas economias terem recém-começado a se recuperar da recessão que se seguiu à crise financeira. E, por agir de acordo com essa crença antikeynesiana, acabaram dando razão a Keynes mais uma vez.
Logicamente, ao reivindicar a economia keynesiana, isso chocou a opinião geral. Em Washington, concretamente, a maioria considera que o fracasso do pacote de estímulos de Obama para impulsionar o emprego demonstrou que o gasto público não pode criar postos de trabalho. Mas aqueles de nós que fizeram os cálculos, percebemos, desde o primeiro momento, que a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009 (mais de um terço da qual, aliás, adquiriu a forma relativamente ineficaz de cortes de impostos) ficava muito aquém, levando-se em conta a gravidade da recessão. E também previmos a violenta reação política à qual deu lugar.
Assim, a verdadeira prova para a economia keynesiana não proveio dos mornos esforços do governo federal norte-americano para estimular a economia, que se viram em boa parte contra-atacados pelos cortes em escala estadual e local. Em vez disso, ela veio de nações europeias como a Grécia e a Irlanda, que se viram obrigadas a impor uma austeridade fiscal atroz como condição para receber empréstimos de emergência e sofreram recessões econômicas equiparáveis à Depressão, com um declínio do PIB real em ambos os países de mais de 10%.
Segundo a ideologia que domina grande parte da nossa retórica política, isso não devia ter acontecido. Em março de 2011, a equipe republicana do Comitê Econômico Conjunto do Congresso publicou um relatório intitulado Gastar menos, dever menos, desenvolver a economia. Zombavam-se das preocupações de que um corte do gasto em tempos de recessão agravaria a recessão e defendiam que os cortes do gasto melhorariam a confiança do consumidor e das empresas, e que isso poderia perfeitamente induzir um crescimento mais rápido, em vez de desacelerá-lo.
Deveriam ter sido mais espertos, inclusive naquele momento: os supostos exemplos históricos de "austeridade expansionista" que empregavam para justificar o seu raciocínio já tinham sido rigorosamente desacreditados. E também havia o vergonhoso fato de que muitas pessoas da direita já haviam declarado prematuramente, em meados de 2010, que a história da Irlanda era uma história de sucesso que demonstrava as virtudes dos cortes do gasto, só para ver como se agravava a recessão irlandesa e se evaporava qualquer confiança que os investidores pudessem sentir.
Certamente, embora pareça mentira, neste ano, voltou a acontecer a a mesma coisa. Muitos proclamaram que a Irlanda havia superado o baque e demonstrou que a austeridade funciona (e depois vieram os números e eram tão deprimentes como antes).
Mas a insistência em cortar imediatamente o gasto continuou dominando o panorama político, com efeitos malignos para a economia norte-americana. É verdade que não houve nenhuma medida de austeridade nova digna de menção em escala federal, mas houve sim muita austeridade "passiva", à medida que o estímulo de Obama foi perdendo força e os governos estaduais e locais com problemas de liquidez continuaram os cortes.
Claro que, se poderia argumentar, a Grécia e a Irlanda não tinham escolha quanto a impor a austeridade ou, em todo caso, nenhuma opção além de suspender os pagamentos de sua dívida e abandonar o euro. Mas outra lição que 2011 nos ensinou é que os EUA tinham e continuam tendo escolha. Pode ser que Washington esteja obcecado com o déficit, mas os mercados financeiros estão, em todo caso, nos indicando que deveríamos nos endividar ainda mais.
Mais uma vez, supunha-se que isso não deveria acontecer. Começamos 2011 com advertências funestas sobre uma crise da dívida de estilo grego que ocorreria enquanto o Federal Reserve deixasse de comprar títulos, ou as agências de classificação pusessem fim à nossa categoria de Triplo A, ou o superfabuloso comitê não conseguisse chegar a um acordo ou algo do tipo. Mas o Federal Reserve finalizou o seu programa de aquisição de títulos em junho; a Standard & Poor's rebaixou os EUA em agosto; o supercomité chegou a um impasse em novembro; e os custos dos empréstimos dos EUA não pararam de diminuir. De fato, a esta altura, os títulos norte-americanos protegidos pela inflação pagam um juro negativo. Os investidores estão dispostos a pagar os EUA para que ele guarde o seu dinheiro.
A conclusão é de que 2011 foi um ano em que a nossa elite política se obcecou com os déficits de curto prazo que, de fato, não são um problema e, aliás, piorou o verdadeiro problema: uma economia deprimida e um desemprego em massa.
A boa notícia, por assim dizer, é que o presidente Barack Obama finalmente voltou a lutar contra a austeridade prematura e parece estar ganhando a batalha política. E é possível que, em um destes anos, acabemos seguindo o conselho de Keynes, que continua sendo tão válido hoje como era há 75 anos.
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Keynes estava certo. Artigo de Paul Krugman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU