16 Agosto 2016
Sessenta refugiados chineses pediram asilo político na República Tcheca dizendo que o fato de serem cristãos os expõe a perseguição. Ainda que a imprensa chinesa tenha lançado dúvidas sobre se eles são, de fato, fiéis cristãos, a verdade é que estamos diante de um lembrete da complexa realidade mundial das ameaças contra os cristãos.
Até o presente momento, a delegação chinesa está indo muito bem nos Jogos Olímpicos do Rio, ficando atrás apenas dos Estados Unidos na contagem geral de medalhas e empatado com os EUA no primeiro lugar em ouro. Uma história vinda República Tcheca esta segunda-feira, no entanto, confirma que a China não está indo tão bem em seu histórico a respeito da liberdade religiosa.
A reportagem é de John L. Allen Jr, publicado por Crux, 10-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
De acordo com reportagens publicadas nas imprensas tcheca e chinesa, 60 migrantes do país asiático que alegam ser cristãos de denominações diferentes, todos tementes de retornarem para casa, pediram asilo político. Este é o maior pedido feito por um grupo de refugiados chineses na história tcheca.
Somos obrigados a dizer estas pessoas “alegam” serem cristãs porque reportagens publicadas na imprensa chinesa lançaram dúvidas sobre se os requerentes de asilo são realmente o que afirmam, sugerindo que, na verdade, são apenas imigrantes ilegais usando a religião como pretexto. Funcionários da embaixada chinesa em Praga estariam trabalhando para esclarecer a situação.
Os 60 migrantes estão sendo mantidos em dois centros de detenção tchecos e, de acordo com uma reportagem de uma rádio de Praga, eles estão sob uma proteção excepcionalmente pesada.
Mesmo que estas 60 pessoas não venham a ser cristãs de verdade, ainda sim é revelador o fato de que escolheram o cristianismo como a razão para requerer asilo. Isso sugere que, quando muitos chineses pensam em “perseguição” hoje, pensam na minoria de cristãos que cresce rapidamente no país.
Em grande parte, o problema dos cristãos na China não é a violência terrorista, não é ódio religioso clássico. Pelo contrário, é a dinâmica de um regime autoritário, em que algumas autoridades enxergam os cristãos com desconfiança – por causa de suas supostas ligações com o Ocidente, pela resistência ao controle estatal e pela preocupação sobre se a lealdade destas pessoas está voltada ao seu país ou ao seu credo.
Consequentemente, muitos cristãos chineses viver constantemente com medo em decorrência da vigilância, do assédio e da intimidação que sofrem e, em casos extremos, até de prisão e tortura.
Até o momento em que escrevo este texto, há pelo menos um bispo católico na China ainda definhando numa prisão estadual. O número era de dois prelados, até que o bispo de 94 anos Dom Cosmas Shi Enxiang morreu atrás das grades em fevereiro de 2015 depois de passar a metade de sua vida em prisões ou em campos de trabalho forçado.
No dia 30 de julho, o bispo de 93 anos Dom Vincenzo Huang Shoucheng, da Diocese de Xiapu, também morreu. Ele não estava na prisão quando faleceu, mas no curso de sua vida ele passou 35 anos ou preso, ou em trabalho forçado ou em prisão domiciliar. Um comunicado do
Vaticano elogiou o seu “testemunho heroico de fé, de fidelidade incondicional ao Sucessor de Pedro e sua profunda comunhão com a Igreja universal”.
No entanto, um outro prelado chinês, Dom Thaddeus Ma Daqin, permanece sob prisão domiciliar e está sujeito a um monitoramento pelos serviços de segurança no desempenho de suas funções episcopais.
Eles se unem a vários padres e religiosos, assim como a dezenas de pastores protestantes e fiéis leigos de todas as denominações que estão ou presos ou que foram soltos sob a condição cooperarem.
Em certa medida, os cristãos na China são vítimas de seu próprio sucesso. Eles têm crescido tão rapidamente que as autoridades estatais muitas vezes ficam preocupadas.
No momento da tomada de poder por parte do Partido Comunista em 1949, havia cerca de 900 mil protestantes no país. Hoje, o Centro de Estudos do Cristianismo Mundial (Center for the Study of Global Christianity) estima que existam 111 milhões de cristãos na China, com aproximadamente 90% protestante (em sua maioria pentecostal). Isso faria a China ser o terceiro maior país cristão na terra, atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil.
De acordo com o centro de estudos citado, ocorrem 10 mil conversões a cada dia.
Os burocratas chineses são espertos, e já aprenderam com o passar dos anos que, sempre que possível, é inteligente evitar a criação de novos mártires. O principal modo que eles usam para tentar controlar esta presença cristã crescente é trazendo junto de si as lideranças.
“Eles oferecem diversões, viagens, até mesmo o acesso a uma carreira política”, disse o padre italiano Gianni Criveller, destacado pesquisador católico na China. “Aqueles que entram no jogo são recompensados com ofertas substanciais”.
Quando a oferta não funciona, no entanto, o Estado mostra-se disposto a punir.
Em 2011, o jornalista chinês e poeta dissidente Liao Yiwu, que não é cristão mas que admira o comprometimento com a liberdade de expressão demonstrado por muitos cristãos chineses, publicou o livro “God is Red”, que documenta as lutas da Igreja local.
Entre outras coisas, Yiwu conta a história de uma freira de 100 anos de idade que sofreu décadas de espancamentos, fome e trabalho forçado, mas que não recuou do pedido para que governo devolvesse as terras apreendidas da Igreja Católica em sua diocese.
Certamente, nem todos no governo chinês veem negativamente a minoria cristã no país. Alguns analistas acreditam que existem pessoas no regime que, na verdade, incentivam o crescimento do cristianismo, especialmente em sua forma protestante, com base na ideia de que, com ele, venha também uma ética de trabalho ao estilo ocidental – o que é bom para os negócios.
Mesmo assim, permanece o fato de que a China é um lugar perigoso para os cristãos, como ilustram estes os 60 migrantes na República Tcheca.
A reação tcheca igualmente ilustra uma outra dura verdade: a de que é difícil fazer pressão contra a China dada a sua enorme influência econômica.
O presidente da República Tcheca Miloš Zeman tem buscado reencetar as relações com Pequim, concentrando-se menos em questões políticas e mais nos negócios. Nos últimos dois anos ele esteve duas em visita ao país, e o investimento chinês está crescendo rapidamente, com a recente compra de uma grande cervejaria tcheca e aquisição do mais bem-sucedido clube de futebol do país sendo dois A longa e rica história da evangelização chinesabons exemplos.
Nesse sentido, a imprensa local do país europeu tem especulado que vai ser difícil a Zeman aceitar o pedido de asilo, independentemente de qual seja a verdadeira história por trás destas 60 pessoas.
Saber a resposta certa para uma situação como essa não é fácil – em parte porque sempre há o risco de que muita pressão externa ou provocação poderia, na verdade, tornar piores as coisas para os cristãos e outras minorias em solo chinês.
O que se sabe, no entanto, é que este caso confirma uma verdade essencial: enquanto o mundo volta-se para o Médio Oriente e para o genocídio contra cristãos e outras minorias nas mãos do Estado Islâmico, dificilmente o Islã radical é a única força a alimentar a perseguição aos cristãos.
Os cristãos também enfrentam dificuldades em um número impressionante noutras regiões e contextos, fazendo da “guerra contra os cristãos” atual – uma guerra que é travada por uma variedade de razões e em uma variedade ambientes – um conflito verdadeiramente mundial.
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Um lembrete da China de que a “guerra aos cristãos” é mundial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU