"Melhor acreditar que um novo mundo é possível aqui e agora, sem a presença de cadáveres de guerra e abutres políticos do reino do mal, na paz e no bem para a humanidade", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM.
Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), padre franciscano e autor de dez livros e coautor de quinze.
O texto sobre o qual vamos refletir hoje é Lc 17,26-37. Trata-se de um texto apocalíptico. Jesus prepara a comunidade para a realização do Reino de Deus, faz uso de figuras e eventos que estavam no imaginário religioso do povo, como: Noé e o dilúvio; Ló e sua mulher que virou estátua de sal; Dois homens no campo; Duas mulheres moendo e, por fim, um cadáver e abutres. Hoje, celebramos a memória de Santa Isabel da Hungria.
Na Bíblia, formar pares tem o objetivo de dar credibilidade ao que se está dizendo. O número dois significa testemunho. Jesus envia os discípulos dois a dois. Somente o homem podia dar testemunho, substantivo que tem relação com os dois testículos do varão. Testículo é o diminutivo de testemunho. No contexto bíblico, todo testemunho tinha que ser feito segurando os testículos.
Santa Isabel da Hungria foi uma mulher que testemunhou a sua fé em Jesus, no seguimento de São Francisco de Assis (1996-1224) e de Santa Clara (1194-1253). A sua vida por marcada por uma relação matrimonial muito intensa com o seu marido e os pobres. Dois santos, seu marido e os pobres fizeram dela uma terciária franciscana, da Ordem Franciscana Secular (OFS).
Filha de família nobre da Hungria, Isabel viveu entre os anos 1207 e 1231. Ela foi princesa no reino (Ducado) da Turíngia (Alemanha), quando se casou com o príncipe Luiz, com quem teve três filhos.
Seu marido morreu de peste, na Itália, a caminho das cruzadas. Com a sua morte, Isabel foi expulsa do castelo, onde morava, pelos seus cunhados, sequiosos de sua fortuna. Mais tarde, ela foi resgatada e reapossou de todos os seus bens, com os quais fundou um hospital para o serviço dos pobres, passando a viver numa choupana.
Isabel é representada com rosas nas mãos. A tradição reza que certa vez seu esposo a encontrou levando comida para os pobres em seu avental. Questionado por ele sobre o que trazia, ela respondeu que eram rosas. Não era primavera, mas, quando abriu avental, os alimentos foram transformados em rosas.
Na inspiração das rosas de Santa Isabel da Hungria, voltemos ao dramático imaginário proposto por Jesus, sobretudo o dos urubus e dos cadáveres. Será por que Jesus respondeu desse modo?
O contramito bíblico do dilúvio foi construído pelo povo de Deus, quando estava no Exílio da Babilônia (587-536 a.E.C.). Uma catástrofe, ocorrida na região da Turquia, tipo um tsunami, permaneceu na memória do povo por séculos. Os babilônios também tinham seu mito de dilúvio. Portanto, o mito bíblico é um contramito ao mito babilônico.
O dilúvio, no imaginário religioso do povo judeu, ocorre porque Deus decide acabar com a maldade no mundo. Ele escolhe um homem íntegro, chamado Noé, que constrói uma arca e nela coloca sua família e um casal de cada um dos animais. Uma grande tempestade vem sobre a terra para devastá-la durante quarenta dias, quando, então, cessa o dilúvio. A arca para sobre um monte. Ave, pomba e corvo certificam-se de que havia terra seca, pois trazem em seus bicos um ramo de árvore. Noé, então, oferece um sacrifício, recebe a promessa divina de que o dilúvio não mais destruiria o mundo. Um arco-íris sela a aliança e dá a certeza de um novo tempo, um mundo que seria recriado a partir da nova postura do ser humano na terra.
Dilúvio, em hebraico, maboul, deriva do verbo nabal, que significa perecer ou perder a razão. É como se quisesse afirmar que a humanidade tinha perdido a razão. Nóe é o que prolonga a existência humana. Jesus estava querendo dizer que Ele é o novo Noé, e que uma intervenção de Deus aconteceria em breve.
A mulher de Lot, o sobrinho de Abraão, é outro imaginário de algo que não aconteceu, mas que serviu para demonstrar que a mulher não confiava totalmente nas promessas de Deus. Virar estátua de sal é simbólico. O sal era usado nas alianças entre reis. Olhar para trás é não querer seguir o caminho da salvação. Jesus retoma esse imaginário para exigir o seguimento total de sua proposta de reino. Era pegar ou largar! Era segui-Lo ou mudar de caminho. O discípulo tem que fazer a sua escolha.
Jesus termina dizendo que, no tempo da realização do reino, os que estão preparados serão levados para junto de Deus. Alguns serão deixados de fora, porque não fizeram o processo de seguimento.
Por fim, à pergunta dos discípulos por quando isso acontecerá, Jesus responde pedindo para olhar os sinais do tempo: “Onde estiver o cadáver, aí se reunirão os abutres!” ((Lc 17,26-37)
Jesus não diz data, mas pede para os seus ouvintes ficarem atentos aos sinais do tempo. Cientistas têm afirmado que o superaquecimento global vai destruir a terra.
Astrônomos apontam que um encontro e fusão de estrelas de nêutron, chamado de quilonova, previsto para acontecer, vai causar irradiação de raios gama capaz de destruir a terra. Todos eles projetam milhões de anos para que isso aconteça.
Por outra lado, estamos vivendo em tempos de conflitos, guerra, genocídio no Oriente Médio de palestinos sem-terra e sem-pátria, na pátria colonizada pelo governo sionista de Israel. Será isso o início do fim dos tempos? Uns dirão que sim. Melhor acreditar que um novo mundo é possível aqui e agora, sem a presença de cadáveres de guerra e abutres políticos do reino do mal, na paz e no bem para a humanidade.