Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 33º Domingo do Tempo Comum, 13 de novembro de 2022 (Lucas 21,5-19). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O ano litúrgico encaminha-se ao seu fim, e o nosso caminho será retomado com o tempo do Advento, início de um novo ano. Eis-nos, portanto, em contemplação das realidades últimas, para as quais tende a nossa expectativa: o Senhor Jesus aparecerá na glória como Aquele que vem. É Jesus mesmo que, no fim de seus dias terrenos, antes da sua paixão e morte, enquanto se encontra em Jerusalém para a celebração da Páscoa, diante do templo, estimulado por uma pergunta de seus discípulos, delineia “o dia do Senhor” (jom ’Adonaj) como o dia da sua vinda.
O templo de Jerusalém, cuja reconstrução por Herodes havia iniciado 50 anos antes, aparecia como uma construção suntuosa, que impressionava quem chegava a Jerusalém. Esta não era como as outras capitais: era “a cidade do grande Rei” (Sl 48,3; Mt 5,35), o próprio Senhor, meta dos judeus residentes na Palestina ou provenientes da diáspora (da Babilônia a Roma), a cidade sede (lugar, maqom) da Shekinah, da Presença de Deus. O templo, no seu esplendor, era seu sinal por excelência, tanto que se dizia: “Quem não viu Jerusalém, a resplandecente, não viu a beleza. Quem não viu a morada (o Santo) não viu a magnificência”.
Os discípulos de Jesus no Vale de Cedrom, diante de Jerusalém, ou no Monte das Oliveiras, também se sentiam levados à admiração. Mas Jesus responde: “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”, palavras que, para os judeus, soavam como uma blasfêmia, a ponto de serem um dos capítulos de acusação contra Jesus no processo diante do Sinédrio (cf. Mc 14,58; Mt 26,61). Jesus não quer negar a beleza do templo, nem decretar sua destruição, mas quer advertir os discípulos: o templo, embora seja casa de Deus, embora seja uma construção imponente, não deve ser objeto de fé nem entendido como uma garantia, uma segurança.
Infelizmente, o templo de Jerusalém havia se tornado o destinatário da fé por parte de muitos contemporâneos de Jesus: o serviço deles se dirigia não ao Deus vivo, mas ao templo, e a sua fé-confiança não se dirigia mais ao Senhor, mas sim à sua casa, lá onde residia a sua Presença...
Além disso, Jesus não faz nada mais do que advertir o povo dos fiéis, como fizera, séculos antes, o profeta Jeremias: “Não basta repetir: ‘Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor!’, e achar que ele pode salvar, mas é necessário viver segundo a vontade de Deus, praticar a justiça” (cf. Jr 7,1-15). De modo mais geral, as palavras de Jesus eram fiéis ao anúncio dos profetas, que várias vezes advertiram os fiéis, alertando-os contra o risco de transformar um instrumento para a comunhão com Deus em uma pedra de tropeço, em um lugar idolátrico, em uma falsa garantia de salvação. E Jesus, com seu olhar profético, vê que o templo ficará em ruínas, será destruído, não será capaz de dar salvação a Israel.
Diante desse anúncio de seu Mestre, os discípulos têm uma reação de curiosidade: “Quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?”. A essas interrogações, Jesus não responde pontualmente, não formula previsões, mas adverte os discípulos sobre como é necessário se preparar para “aquele dia” que vem. Nenhuma data, nenhuma resposta precisa às febres apocalípticas sempre presentes na história entre os fiéis, nenhuma imagem aterrorizante como sinal, mas indicações para que os fiéis se aprofundem, leiam os sinais dos tempos e vivam com vigilância o próprio hoje, nunca esquecendo, mas, pelo contrário, conservando a memória da promessa do Senhor e esperando que tudo se cumpra.
Os últimos tempos são os tempos do treinamento para o discernimento, para aquele exercício pelo qual se pode chegar a “ver com clareza”, a distinguir o que é bom e o que é mau, e se podem encontrar as razões para a decisão, para a escolha da vida e para a rejeição da morte.
A primeira advertência de Jesus é um alerta contra aqueles que se apresentam como detentores do Nome de Deus: “Egó eimi, Eu sou”. Tal pretensão coincide com o fato de se arrogar uma centralidade, um primado e uma autoridade que pertencem somente ao Senhor. Nunca o fiel discípulo de Jesus pode afirmar: “Eu sou”, mas, ao contrário, deve sempre proclamar: “Eu não sou” (cf. Jo 1,20-21) e fazer um sinal, indicar o Cristo Senhor (cf. Jo 1,23-36). Infelizmente, os humanos sempre procuram um ídolo para pôr a fé, uma espécie de templo que os garanta e – como a história ensina tristemente – acabam encontrando-o ou em pessoas que vêm em nome de Jesus, mas na realidade são contra ele, ou em instituições humanas: instituições litúrgicas, teológicas, jurídicas, políticas, que talvez se proclamam desejadas pelo próprio Cristo, enquanto, na realidade, são escândalo e contradição à fé autêntica!
Jesus adverte: “Não vão atrás (opíso) dessa gente”, porque o único seguimento é o indicado por Jesus mesmo e testemunhado pelo Evangelho, o seguimento atrás dele, o único mestre, o único guia (cf. Mt 23,8.10). Sem esquecer que, quando Lucas, por volta de 80 d.C., põe essas palavras de Jesus por escrito, ele sabe quantas vezes falsos profetas e impostores se apresentaram ao povo (cf. At 5,36-37; 21,38).
Além disso, os cristãos devem saber distinguir a parousía, a vinda final, acompanhada de eventos que põem fim a este mundo, de acontecimentos sempre presentes na história: guerras, revoluções, terremotos, fomes, quedas de cidades, incluindo a própria Jerusalém... Além disso, devem ser levadas em consideração as violentas perseguições que os discípulos de Jesus conhecerão desde os primeiros dias da vida da Igreja (cf. Atos 4,1-31). Assim como Jesus foi perseguido até a morte, assim também acontecerá com seus discípulos e suas discípulas, porque as autoridades religiosas não podem acolher a boa notícia do Evangelho, o fim da economia do templo, o fim do primado da Lei e do vínculo da descendência judaica; e as autoridades políticas não podem suportar a justiça vivida e pregada por Jesus!
Mas o que são as perseguições, senão uma ocasião para dar testemunho de Cristo? O discípulo sabe disto: ai se todos falam bem dele (cf. Lc 6,26), mas bem-aventurado quando ele é insultado, acusado e caluniado, dizendo-se todo o mal dele, apenas porque ele torna eloquente em sua vida o Nome de Cristo (cf. Lc 6,22; Mt 5,11).
E isso não acontecerá apenas na ordinariedade dos dias, mas também haverá tempos e lugares em que os cristãos serão presos e levados a julgamento perante as autoridades religiosas, jogados na prisão e arrastados diante dos governantes e dos poderosos deste mundo, daqueles que exercem o poder e oprimem os povos, mas se fazem chamar de benfeitores (cf. Lc 22,25). A hora do fim certamente tem o poder de incutir medo, mas este não deve se tornar inibição para o cristão, não deve se tornar terror ou confusão, mas sim ocasião para restaurar a confiança em Deus e a esperança em seu Reino: o nosso único medo deveria ser o de perder a fé!
Mas o discípulo sabe que nada poderá separá-lo do amor de Cristo, nem a perseguição, nem a prisão, nem a morte (cf. Rm 8,35). De fato, Jesus lhe assegura que, na hora do processo, lhe serão dadas palavra e sabedoria para resistir aos perseguidores, que não poderão contradizê-lo. Em toda a adversidade, mesmo por parte de parentes, familiares e amigos, o cristão não deve temer nada. Ele deve apenas continuar confiando no Senhor Jesus, acolhendo sua promessa: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”. Eis a virtude cristã por excelência, a hypomoné, a perseverança-paciência: é a capacidade de não se desesperar, de não se deixar abater nas tribulações e nas dificuldades, de permanecer e durar no tempo, que se torna também capacidade de suportar os outros, de suportá-los e de sustentá-los.
De fato, a vida cristã não é a experiência de um momento ou de uma estação da vida, mas abrange a existência inteira, é “perseverança até o fim” (cf. Mt 10,22; 24,13), continuando a viver no amor “até o fim”, a exemplo de Jesus (Jo 13,1). É por isso que esta página evangélica não fala do fim do mundo, mas sim do nosso aqui e agora, do tempo que precede o fim: a nossa vida cotidiana é o tempo da difícil, embora feliz (cf. Tg 5,11) e salvífica, perseverança.