20 Novembro 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 34º Domingo do Tempo Comum, solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, 22 de novembro de 2020 (Mateus 25,31-46). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No último domingo do Ano Litúrgico, ouvimos a página que conclui o discurso escatológico do Evangelho segundo Mateus, aquele em que Jesus anuncia o juízo final. É uma passagem extraordinária, que sintetiza de forma simples a singularidade cristã, colocando claramente cada discípulo de Cristo perante a sua própria responsabilidade concreta para com os irmãos, em particular para com os últimos.
“Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele.” Jesus fala de si mesmo na terceira pessoa como Filho do homem (cf. Dn 7,13), ou seja, aquela figura de Juiz escatológico que, no fim da história, virá para estabelecer a justiça de Deus.
A sua realeza consiste em cumprir aquele juízo que é uma medida de justiça para com todos aqueles que, na terra, foram vítimas, privados da possibilidade de uma vida digna desse nome; desse modo, Jesus levará a cumprimento aquilo que começou durante a sua passagem entre os seres humanos, fazendo o bem (cf. At 10,38).
O juízo é absolutamente necessário para que a história tenha um sentido e para que todas as nossas ações encontrem a sua verdade objetiva diante do Deus que “ama a justiça e o direito” (Sl 33,5).
Servindo-se de uma imagem tirada do profeta Ezequiel, Jesus afirma que o Filho do homem “separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda” (cf. Ez 34,17). Esse juízo, que é ao mesmo tempo universal e pessoal, não ocorre – como poderíamos esperar – ao término de um processo: aqui, é apresentada apenas a sentença, porque toda a nossa vida é o lugar de um “processo” muito particular.
E é precisamente para despertar em nós essa consciência que Jesus descreve o duplo diálogo simétrico entre o Rei/Filho do homem e aqueles que se encontram respectivamente à sua direita e à sua esquerda.
Aos primeiros, definidos como “benditos do Pai”, o Rei dá o Reino em herança com esta motivação: “Eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar”.
Por não terem feito isso, por sua vez, aos outros é reservado um destino oposto.
A medida dessa separação não é constituída por questões morais ou teológicas: não, a salvação depende simplesmente de ter ou não servido aos nossos irmãos e irmãs, das relações de comunhão com aqueles que nos dispusemos a encontrar no nosso caminho. E o que chama a atenção é o espanto manifestado por aqueles a quem o Filho do homem se dirige: “Quando foi que te vimos com fome… e te servimos (ou não te servimos)?”, ao que se segue a resposta decisiva: “Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”.
Sim, o pobre a quem falta o necessário para viver com dignidade é “sacramento” de Jesus Cristo, porque, com ele, o próprio Cristo quis se identificar (cf. 2Cor 8,9): quem serve ao necessitado serve a Cristo, quer saiba ou não.
Além disso, para nós, cristãos, os pobres são também “sacramento do pecado do mundo” (Giovanni Moioli), da injustiça que reina sobre a terra, e na atitude para com eles é que se mede a nossa capacidade de viver no mundo como corpo de Cristo.
De fato, quando vemos uma pessoa oprimida pela pobreza, devemos saber interpretar essa situação como o fruto da injustiça pela qual também somos responsáveis em primeira pessoa. A partir dessa tomada de consciência, surgirá então a disponibilidade de nos fazermos próximos de quem sofre para lutar contra a necessidade que o aflige; e quando agirmos para eliminar a necessidade ou, melhor, enquanto agimos, eis que o pobre se torna para nós sacramento de Cristo, mesmo que talvez só o descubramos no fim dos tempos...
No último dia, todos, cristãos e não cristãos, serão julgados sobre o amor, e só nos será pedido que prestemos contas do serviço amoroso que tivermos praticado cotidianamente aos irmãos, sobretudo aos mais necessitados.
Assim, o juízo revelará a verdade profunda da nossa vida cotidiana, se vivemos ou não o amor aqui e agora: “Aprendamos, pois, a meditar sobre um mistério tão grande e a servir a Cristo como Ele quer ser servido” (João Crisóstomo).
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Não fazer o bem: isso é pecar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU