Em busca de um lugar, mulheres trans são invisibilizadas no sistema prisional

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Por: Ricardo Machado | 26 Outubro 2018

O tradicional debate dos fins de tarde das quinta-feiras no Instituto Humanitas Unisinos – IHU recebeu Monique Costa Machado, bacharel em Direito, para debater sobre a situação das mulheres trans no sistema carcerário do Rio Grande do Sul. O evento, intitulado As mulheres transexuais e a adequada execução da pena privativa de liberdade nas unidades prisionais, integrou a programação do IHU ideias e foi realizado no dia 25-10-2018.

A pauta LGBT tem, cada dia mais, penetrado no debate público, levantando questões absolutamente relevantes no que diz respeito à tentativa de efetivação de direitos e garantias sociais. “O Estado brasileiro reconhece, na esfera cível, a mulher transexual como gênero feminino, mas quando ela comete um crime ela é encaminhada pelo Estado para cumprir a pena em uma instituição masculina”, descreve Monique. “O mesmo Estado que garante direitos, é o que viola os direitos quando coloca as mulheres trans a cumprir pena em uma penitenciária masculina”, problematiza.

Uma das questões mais centrais, segundo apresenta Monique, é que a transfobia como característica social acaba ressoando nas estruturas de Estado. “Não compreender a mulher transexual também produz processos de invisibilização destas mulheres”, aponta. De acordo com dados apurados ao longo da pesquisa, em 2017, foram 445 assassinatos de pessoas LGBT no Brasil, das quais 191 foram de pessoas transexuais. “Entre as causa mortis estão armas de fogo, asfixia, agressões físicas e 13 casos de apedrejamento. Até junho de 2018 foram 141 casos”, explicita.

 

Monique Costa Machado (Fotos: Ricardo Machado/IHU)

Realidade no cárcere

Umas das coisas mais chocantes levantadas na pesquisa foi que o judiciário estabelece que, nos raros presídios onde há setores para pessoas trans e travestis, os homens que estão cumprindo pena por terem cometido crimes sexuais sejam colocados na mesma ala onde ficam transexuais e travestis. No Rio Grande do Sul, conforme ressalta Monique, apenas o Presídio Central (Cadeia Pública de Porto Alegre) tem um espaço destinado para as minorias de gênero.

“Há violência sexual e violência física. Há de fato, uma tentativa de minimizar essas questões, mas ainda é muito pouco. Há um lado negativo que é um processo de segregação, em que os demais presos não toleram conviver com essas mulheres trans, nem mesmo no horário do banho de sol. Isso é determinado pelas facções dentro dos presídios e o Estado anui todas essas violações”, critica a conferencista.

Não obstante a violência simbólica, por meio da naturalização da dominação heteronormativa, que de forma compulsória permeia todas as dimensões da vida social, as mulheres trans condenadas criminalmente sofrem um processo contínuo de penalização. “O problema é que além da decisão condenatória dessas mulheres pelos crimes cometidos, o Estado continua sistematicamente punindo-as”, assevera.

Muito além do masculino e feminino

Desde 2017 o Estado brasileiro, na esfera Cível, passou a reconhecer identidades de gênero sem a obrigatoriedade da cirurgia de redesignação sexual. “O Estado não deveria obrigar um cidadão a se mutilar para reconhecer o direito de uma mulher trans ser reconhecida como tal”, esclarece a conferencista. “Em fevereiro de 2018, dois travestis pediram habeas corpus para não permanecerem presas com homens. O entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF, particularmente do ministro Luís Roberto Barroso, foi favorável ao pedido e entendeu que elas não podem ficar presas junto com os homens e que precisam ir para ‘instituições adequadas’. Entretanto, o STF não soube definir o que seria esta instituição”, frisa.

De acordo com Monique, a Superintendência dos Serviços Penitenciários - Susepe, no Rio Grande do Sul, não tem dados sobre a população carcerária LGBT, inclusive porque o sistema de cadastro dos apenados tem apenas dois campos para descrição da sexualidade, ambos reduzidos à genitália. “Começamos um trabalho junto a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/RS para levantar esses dados, identificar essas mulheres e trazê-las para o campo da realidade, da existência social. Só conseguiremos pensar nessas mulheres quando elas deixarem de ser invisíveis e as trazermos para a superfície do tecido social”, finaliza Monique.

Monique Costa Machado

Monique Costa Machado é graduada em Direito pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul - Fadergs, realiza pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, UniRitter.

Assista à conferência na íntegra

 

 

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