14 Setembro 2018
O cardeal Daniel DiNardo, arcebispo de Galveston-Houston e presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, também está sendo acusado agora de não ter agido corretamente, deixando que um padre suspeito de abusos permanecesse em contato com crianças. Um caso que ainda deve ser plenamente esclarecido e investigado, antes de atribuir graves responsabilidades ao purpurado.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 13-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A notícia repercutiu nos Estados Unidos justamente na quinta-feira, 13 de setembro de 2018, no dia em que ocorreu a audiência com o Papa Francisco, da qual participaram DiNardo, o vice-presidente do episcopado e arcebispo de Los Angeles, José Horacio Gómez, e o cardeal de Boston, Sean O’Malley, na qualidade de presidente da Comissão para a Proteção dos Menores, do Vaticano.
A história dos abusos de menores e dos acobertamentos dos abusadores parece ser sem fim. A Associated Press relatou as declarações de duas vítimas de abuso que defendem que DiNardo não teria agido como devia para parar um sacerdote preso nos últimos dias sob a acusação de abuso de menor.
Uma das vítimas contou que, durante um encontro, o cardeal teria prometido que o padre acusado, Manuel La Rosa-Lopez – atualmente pároco na Igreja de St. John Fisher em Richmond e vigário episcopal da diocese para os hispânicos –, seria afastado de qualquer possibilidade de contato com crianças, enquanto, em vez disso, foi transferido para outra paróquia a algumas dezenas de quilômetros de distância.
O Pe. Manuel acabou algemado na última terça-feira, depois de se render à polícia em Conroe, no Texas. Ele tem 60 anos e é acusado de assediar ambas as vítimas – um homem e uma mulher – quando eram adolescentes. De acordo com o relato que ambos fizeram à Associated Press, o Pe. La Rosa-Lopez teria procurado primeiro fazer amizade com eles, para depois tentar o contato físico.
A vítima do sexo masculino, na época dos fatos (1998-2001), tinha a intenção de entrar no seminário e desenvolvia atividades na Paróquia do Sagrado Coração de Conroe, onde o Pe. Manuel, à época, era vice-pároco.
Ele também relatou que o sacerdote costumava tocá-lo, primeiro nos braços, depois abraçando-o e, em seguida, beijando-o na bochecha. Uma noite, ele teria lhe mostrado fotos de alguns seminaristas jovens dizendo que “se divertia muito com eles”. Então, tentou despir o adolescente, enfiando as mãos em suas calças. Mas o garoto escapou.
A outra vítima, do sexo feminino, não quis contar à Associated Press os detalhes dos assédios, mas disse que havia sido tocada de forma inadequada pelo Pe. Manuel pouco antes da Páscoa de 2001, depois de ter completado 16 anos.
Enquanto o primeiro assédio só foi relatado às autoridades eclesiásticas recentemente – no ano passado, de acordo com a vítima; em agosto de 2018, de acordo com a diocese – o assédio da menina foi denunciado na época e foi dito à família da menina que o sacerdote seria transferido.
Em 2010, a menina ficou sabendo que La Rosa-Lopez tinha sido nomeado por DiNardo como vigário episcopal para os hispânicos e pensou que seria possível que o cardeal – que chegou à frente da diocese depois daquela primeira denúncia – não estava ciente dela. Por isso, havia contatado as autoridades eclesiásticas e começado a frequentar um terapeuta pago pela diocese.
A mulher que denunciou ter sido molestada contou à Associated Press que se encontrou com DiNardo e ficou tranquilizada pelo fato de que o Pe. Manuel havia sido submetido a tratamentos psiquiátricos e de que ele não lhe tinha sido mais permitido trabalhar com as crianças.
Na última fase do encontro, fizeram com que o próprio Pe. La Rosa-Lopez entrasse, a quem a mulher enfrentou e que teria se desculpado com ela. A vítima afirma ter descoberto que o sacerdote continuava trabalhando na Paróquia de St. John Fisher, em Richmond, também na presença de crianças.
Ambas as vítimas pediram à Associated Press para permanecerem anônimas. O homem que denunciou os abusos encontrou-se com o cardeal DiNardo e o coordenador da assistência às vítimas da diocese, na tarde do dia 10 de agosto passado.
“O cardeal parecia ter uma atitude de desprezo”, relatou a vítima nas anotações escritas logo após o encontro e compartilhados com a Associated Press. O purpurado teria reagido dizendo: “Você deveria ter nos dito antes!”. As duas vítimas acreditavam que os seus casos seriam muito velhos para serem investigados, mas, na realidade, desde 2007, a lei do Texas removeu a prescrição para os abusos de menores.
A Diocese de Galveston-Houston, em um comunicado publicado na quarta-feira, 12 de setembro de 2018, reconstrói assim a história. “Em 2001, uma menina de 16 anos e sua família haviam notificado esta arquidiocese que o Pe. Manuel La Rosa-Lopez a tinha beijado e tocado de modo inapropriado quando ele era vigário paroquial na Igreja do Sagrado Coração, em Conroe. Imediatamente comunicamos essa informação ao Serviço de Proteção à Infância [órgão do governo para a proteção dos menores], para mais uma investigação.
O Pe. La Rosa-Lopez negou ter tocado a menina de modo inapropriado, e a família havia decidido não dar continuidade à denúncia e deixou o país naquele mesmo ano. Depois de uma revisão interna, que incluiu a apresentação das acusações anteriores à criação em 2003 da Comissão de Revisão da arquidiocese, em 2004, foi permitido que o Pe. La Rosa-Lopez retornasse ao ministério na paróquia”.
Após o retorno da vítima aos Estados Unidos, “a arquidiocese – continua o comunicado –, de acordo com o nosso compromisso de assegurar assistência pastoral, ofereceu à jovem serviços de apoio psicológico por um período de tempo, até que ela decidisse interromper a terapia”.
A diocese afirma que, durante os últimos 17 anos, não foram apresentadas outras acusações de condutas inapropriadas com menores por parte do sacerdote. Até este ano.
“Durante um encontro em Houston no dia 10 de agosto de 2018, um homem de 36 anos apresentou uma acusação formal à Arquidiocese de Galveston-Houston declarando que o Pe. La Rosa-Lopez abusou ele de 1998 a 2001, quando ele era estudante da escola secundária, e p padre La Rosa-Lopez estava designado para a Igreja do Sagrado Coração, em Conroe. A arquidiocese informou imediatamente ao Serviço de Proteção à Infância sobre essa denúncia. O Pe. La Rosa-Lopez negou essas acusações de abuso sexual.”
“Ontem [terça-feira, 11 de setembro de 2018], o procurador do distrito do Condado de Montgomery emitiu um mandado de prisão contra o Pe. La Rosa-Lopez”, e o sacerdote se “entregou voluntariamente ao Departamento de Polícia de Conroe” naquela mesma noite.
“Levamos esse caso muito a sério e relatamos as informações recebidas das duas pessoas ao Serviço de Proteção à Infância e removemos o Pe. La Rosa-Lopez do ministério. Estamos comprometidos em cooperar com as autoridades civis nas suas investigações.”
A partir da leitura do comunicado da diocese, portanto, surge a denúncia imediata em ambos os casos às autoridades civis. No primeiro caso, o de 2001, DiNardo ainda não havia chegado à frente da diocese. É necessário aguardar mais esclarecimentos e investigações aprofundadas antes de identificar uma responsabilidade direta do cardeal, mesmo que, com toda a probabilidade, o caso poderia ter sido mais bem gerido.
O cardeal Daniel DiNardo, 69 anos, natural de Pittsburg (Pensilvânia), tornou-se bispo coadjutor de Sioux City (Iowa) em agosto de 1997. No ano seguinte, assumiu a chefia da diocese. Foi nomeado coadjutor de Galveston-Houston em janeiro de 2004 e assumiu a liderança da diocese em fevereiro de 2006. Em novembro de 2007, recebeu a púrpura cardinalícia. Em novembro de 2016, foi eleito presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e, nessa veste, participa dos encontros com o papa.
Após a publicação do dossiê do ex-núncio Carlo Maria Viganò, referente aos acobertamentos dos quais desfrutou o cardeal Theodore McCarrick, que concluía com o pedido de renúncia do papa, DiNardo havia declarado: “As questões levantadas merecem respostas com base em provas. Sem essas respostas, os inocentes podem ser contaminados por falsas acusações, e o culpado pode ser deixados a repetir os pecados do passado”.
O presidente dos bispos dos Estados Unidos não tinha feito nenhuma menção ao surpreendente pedido de renúncia levantado por Viganò e pela rede dos seus apoiadores. Em vez disso, ele afirmou: “Estou confiante de que o Papa Francisco compartilha o nosso desejo de uma maior eficácia e transparência na questão relacionada com a disciplina dos bispos”, manifestando “o nosso afeto fraterno pelo Santo Padre nestes dias difíceis”.
DiNardo havia enfatizado a necessidade de “um exame sobre como os graves fracassos morais de um irmão bispo podem ter sido tolerados por tanto tempo e não demonstraram nenhum impedimento ao seu avanço”. E tinha concluído fazendo o pedido de uma visita apostólica aos Estados Unidos a fim de “buscar a verdade”.
O Papa Francisco, tendo ouvido o C9, o Conselho dos cardeais que o auxiliam na reforma da Cúria e no governo da Igreja universal, convocou os presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo ao Vaticano entre os dias 21 a 24 de fevereiro de 2019 para abordar o tema da proteção dos menores e dos adultos vulneráveis.
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Abusos e acobertamentos: acusações contra cardeal DiNardo às vésperas da audiência com o papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU