05 Setembro 2018
Mina de Coltan, na República Democrática do Congo. Do minério, extraído em condições desumanas, obtêm-se nióbio e tântalo, essenciais para os condutores de centenas de milhões de smartphones produzidos a cada ano.
Como reunir, em cada aparelho, alguns dos metais mais raros do planeta — cuidando para que a devastação resultante converta-se rapidamente em desperdício.
O artigo é de Patrick Byrne, professor sênior de geografia na Universidade John Moores de Liverpool, Reino Unido, e Karen Hudson-Edwards, professora de mineração sustentável na Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicado por The Conversation, e reproduzido por Outras Palavras, 01-09-2018. A tradução é de Inês Castilho.
Algo como cinco bilhões de pessoas, em todo o mundo, usarão um celular em 2020. Cada aparelho é feito de muitos metais preciosos, sem os quais não seriam possíveis vários de seus principais recursos tecnológicos. Alguns, como o ouro, nos são familiares. Outros, como o térbio, são menos conhecidos.
A mineração desses metais é uma atividade que está na base da moderna economia global. Mas seu custo ambiental pode ser enorme, provavelmente muito maior do que temos consciência. Vamos conhecer alguns desses metais-chave, o que fazem, e o custo ambiental de retirá-los do solo.
Ferro (20%), alumínio (14%) e cobre (7%) são os três metais mais comumente usados em seu celular. O ferro é utilizado nos alto-falantes e microfones, e nas molduras de aço inoxidável. O alumínio é uma alternativa leve ao aço inoxidável, também usado na fabricação do forte vidro das telas dos smartphones. O cobre é utilizado na fiação elétrica.
Contudo, enormes volumes de resíduos, líquidos e sólidos (denominados “rejeitos”), são produzidos quando da extração desses metais. Normalmente, os rejeitos das minas são armazenados em vastas estruturas de captação, que chegam a ter vários quilômetros quadrados de área. Catastróficos derramamentos de rejeitos de mineração alertam para o perigo dos métodos inadequados de construção e da negligência no monitoramento da segurança das minas. O maior desastre já registrado ocorreu em novembro de 2015, quando o rompimento de uma barragem numa mina de ferro em Minas Gerais, no Brasil, provocou o derramamento de 62 milhões de metros cúbicos (o suficiente para encher 23 mil piscinas olímpicas) de rejeitos ricos em ferro no Rio Doce. A lama inundou as cidades locais e matou 19 pessoas, atravessando 650 km até alcançar o Oceano Atlântico, 17 dias depois. Mas esse é só um dos 40 derramamentos de rejeitos de mineração ocorridos na década passada, com impactos de longo prazo ainda desconhecidos na saúde humana e no meio ambiente. Uma coisa, porém, está clara. Conforme aumenta nossa sede por tecnologia, aumentam em número e tamanho as barragens de rejeitos da mineração, assim como o seu risco de rompimento.
Ouro e estanho são comuns em celulares. Mas a mineração desses metais é responsável por grande devastação ecológica, da Amazônia peruana às ilhas tropicais da Indonésia. A mineração do ouro, usado nos celulares principalmente para fazer conectores e fios, é uma das principais causas do desmatamento da Amazônia. Além disso, sua extração da terra gera resíduos com alto teor de cianeto e mercúrio – substâncias altamente tóxicas que podem contaminar a água potável e os peixes, com sérias consequências para a saúde humana.
O estanho é usado como elemento para solda em eletrônica. O óxido de índio-estanho é aplicado às telas de celulares como um revestimento fino, transparente e condutor, que oferece a funcionalidade de tela sensível ao toque. Os mares que circundam as ilhas Bangka e Belitung, na Indonésia, fornecem cerca de um terço do suprimento mundial. No entanto, a dragagem em grande escala de areia rica em estanho, retirada do fundo do mar, destruiu o precioso ecossistema de corais, e o declínio da indústria pesqueira gerou problemas econômicos e sociais no país.
O que torna seu celular inteligente? São os chamados elementos de terras-raras – um grupo de 17 metais com nomes estranhos, tais como o praseodímio, que são extraídos principalmente na China, na Rússia e na Austrália. Frequentemente apelidados de “metais tecnológicos”, os terras-raras são fundamentais para o design e a função dos smartphones. Os cristalinos alto-falantes, os microfones e a vibração dos celulares só são possíveis devido aos diminutos, porém potentes motores e ímãs fabricados com neodímio, disprósio e praseodímio. O térbio e o disprósio também são usados para produzir as cores vibrantes de uma tela de smartphone.
A extração de terras-raras é um negócio difícil e sujo, envolvendo o uso dos ácidos sulfúrico e fluorídrico, e a produção de grandes quantidades de resíduos altamente tóxicos. Talvez o exemplo mais perturbador sobre o custo ambiental de nossa sede por celulares seja o “lago mundial do lixo tecnológico” em Baotou, na China. Criado em 1958, esse lago artificial recolhe o lodo tóxico das operações de processamento de terras-raras.
Os valiosos metais usados na fabricação de celulares são um recurso finito. Estimativas recentes indicam que nos próximos 20 a 50 anos não teremos mais alguns dos metais terras-raras – o que nos leva a pensar se ainda haverá celulares por aí. Reduzir o impacto ambiental do seu uso exige que os fabricantes aumentem a vida útil dos produtos, tornem a reciclagem mais direta e reduzam os impactos ambientais causados pela busca desses metais. Em todo o mundo, as empresas de mineração afirmam ter feito avanços em extração mais sustentável. Mas também nós, como consumidores, precisamos considerar os celulares menos como um objeto descartável e mais como um recurso precioso, que carrega enorme peso ambiental.
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Celulares, capitalismo e obsolescência programada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU