31 Julho 2018
Líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista João Pedro Stédile está na linha de frente pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele prevê que, se impedirem a candidatura de Lula, a crise política vai se tornar ainda mais aguda. “Ninguém sabe no que vai dar”, adverte. Nesse quadro, Stédile aponta uma saída para além da eleição: “Nós, dos movimentos populares, somos defensores de uma Assembleia Constituinte”.
A entrevista é de Octávio Costa e Bernardo De La Peña, publicada por Jornal do Brasil, 29-07-2018.
O senhor acha que a candidatura do ex-presidente Lula ainda é viável?
A candidatura do Lula não é viável, é necessária. O Lula se transformou no simbolo da classe trabalhadora, na única porta de saída que temos para enfrentar a grave crise econômica, social, ambiental e política que o Brasil está vivendo. O Lula é o único que galvaniza essas energias populares para, com a vitória dele, provocar um clima de debate de um novo projeto para o país, para solucionar os graves problemas que temos como nação, como povo e como classe trabalhadora. Nenhum outro conseguiria fazer isso no curto prazo. Por isso que se a burguesia, através de seus capitães do mato, no que hoje se transformou o Judiciário, impedir a sua candidatura, estaria cometendo um crime de “lesa pátria”, porque vão agudizar ainda mais essa crise pelos próximos quatro anos, e ninguém sabe no que vai dar.
Outros candidatos de esquerda, como Ciro Gomes, ou Manuela D?Ávila, ou Guilherme Boulos, não poderiam cumprir esse papel?
Temos diversos candidatos, como estes citados, que têm personalidade e índole de esquerda, são nacionalistas, mas não estamos julgando as pessoas, nem seus propósitos. Temos de considerar quem galvaniza as energias populares, e nenhum deles, por sua história e pelo comportamento das massas, tem essa síntese. Então o Lula não é mais do PT, não é da esquerda. O Lula se transformou numa simbiose com a classe trabalhadora, com os mais pobres do Brasil.
Mas jogar toda essa responsabilidade em cima de um nome, de uma pessoa, não significa uma certa contradição com esse trabalho de organização das massas?
Não, porque essa simbologia política faz parte da psicologia social, em quem o povo acredita. Já no campo da política, da organização do povo, aí de fato não é suficiente a eleição do Lula. Nós, como setores organizados da classe, seríamos contraditórios se só colocássemos nossas energias nas eleições. A eleição é para abrir a porta e as nossas energias têm de ser para organizar o povo. É por isso que no bojo da Frente Brasil Popular, que reúne 88 movimentos e partidos, estamos multiplicando, em todo o país, uma metodologia de trabalho de base de organização do povo, que estamos chamando de Assembleia do povo, uma forma de ir lá e falar com o povo. Hoje, mais de 600 cidades já se engajaram nesse processo, que é ir de casa em casa. Aprendemos com os evangélicos. A assembleia se resume numa pergunta: “quem é responsável pela crise?”
Lula não seria responsável por uma parcela dessa crise? O senhor mesmo disse que ele compôs com a burguesia e as oligarquias?
Sabemos que foi um governo de conciliação, mas tenho de reconhecer que aquele momento foi aquém das nossas realizações. Precisamos de uma reforma política de fundo. Nós, dos movimentos populares, somos defensores da Assembleia Constituinte.
O que Lula pensa a respeito?
O Lula até agora era relutante. Dizia que se convocar a Assembleia Constituinte ganha a direita. Mas nós contra argumentávamos: a simples convocação de uma Assembleia Constituinte, dentro de alguns parâmetros, sem financiamento de campanhas, garantindo candidaturas democráticas. Só isso vai criar uma ebulição política. Mas na última visita que fiz a Lula, na quinta-feira passada, ouvi pela primeira vez dele: “Companheiro Stédile, a política está uma podridão. Estou convencido. Nós, ganhando o governo, temos que convocar uma Assembleia Constituinte no primeiro ano”. Falei para ele: Lula, isso é sério, hein? Posso falar publicamente? E ele: “Tudo que você ouviu de mim pode tornar público”. Esse é um capítulo urgente.
Como o senhor avalia a experiência do orçamento participativo?
O orçamento participativo envolvia milhares de pessoas no debate, foi importante como experiência de cidadania, mas só influia sobre 3% do orçamento, porque 97% já estavam comprometidos com os bancos ou com a folha de pagamentos. Foi uma grande experiência de cidadania, mas precisamos fazer uma reforma política de fundo.
Qual o conceito atual de burguesia? São os grandes capitalistas?
Isso mesmo, os grandes capitalistas. Os bancos andam para quem vai ser eleito. Quem manda hoje no mundo são os bancos. E eles operam por fora dos Estados. Então, haverá nas próximas décadas a necessidade de ser construído outro Estado que não sabemos ainda como vai ser.
E isso acontecerá pelo voto?
Sim, não necessariamente com eleições de quatro em quatro anos, mas através da mobilização popular. Através da participação ativa dos movimentos sociais. A democracia não pode se resumir ao voto.
Como anda o MST?
Anda bem. O que está mal é a reforma agrária, que está parada no mínimo há cinco anos. Já no primeiro mandato da Dilma o governo não fez nada. Nos dois anos de Dilma e mais dois de agora não houve mais nenhuma desapropriação. Fecharam o MDA e o Incra virou balcão de negócios do partido do Paulinho da Força.
Vocês foram acusados de destruir uma fazenda. É verdade?
Correntina, na Bahia, nova fronteira agrícola da soja, tem uma fazenda de um grupo japonês de dez mil hectares. Passaram a plantar soja irrigada. Pegaram água do córrego, faltou água na cidade de 30 mil habitantes, um mês, outro mês. Um geólogo revelou que a culpa era da empresa. Na missa, o padre disse que a culpa era do japonês. A cidade inteira foi lá e arrebentaram o sistema de irrigação. Nem existe MST na região. Aí o Francisco Graziano Neto, ex--presidente do Incra na época do Fernando Henrique e hoje secretário particular dele, botou no blog dele, com uma foto fantasiosa de nossa bandeira, e disse que aquilo lá era crime do MST. Foi a versão que ficou.
Quem produz pode temer o MST?
Na época da Constituinte, propusemos um acordo. Se quisessem poderiam por na lei: até 1500 hectares, intocável, não nos interessa, mas acima de 1500 hectares, toda área que produzir abaixo da média da região, o governo tem de desapropriar.
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'Defendemos a Constituinte'. Entrevista com João Pedro Stédile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU