26 Abril 2018
Assim que a teóloga feminista e irmã Elizabeth Johnson, das Irmãs de São José, decidiu se aposentar do ensino na Fordham University, ela convidou os doutorandos atuais e antigos, os assistentes de pós-graduação e os bolsistas de iniciação científica a levarem embora consigo os livros de sua biblioteca pessoal, muitos dos quais estavam marcados com anotações de seu próprio punho, e pelo menos um deles continha uma carta pessoal do autor.
A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 25-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os destinatários, a maioria dos quais estão apenas começando suas próprias carreiras docentes, ficaram impressionados com o altruísmo e a generosidade desse gesto pungente, especialmente levando em consideração como esses livros influenciaram o pensamento e o desenvolvimento teológicos de Johnson ao longo de mais de cinco décadas de estudo e ensino de teologia.
Essa é a “quintessência de Beth”, disseram seus amigos e colegas. Assim, também, foi a sua decisão de não apenas discernir a decisão de se aposentar em maio deste ano, mas também de buscar isso, já que ela não faz nada – nem mesmo a aposentadoria – a esmo ou pela metade.
Em preparação a isso, disse Johnson ao NCR ela releu o livro do psicólogo do desenvolvimento Erik Erikson sobre os estágios da vida, no qual ele descreve o estágio final como o tempo tanto para a integração do ego quanto para o desespero.
Foto: Divulgação
Johnson – agora com 76 anos e talvez mais conhecida pela crítica pública a seu livro Quest for the Living God [Busca do Deus vivo], de 2011, por parte da Comissão de Doutrina dos bispos dos Estados Unidos – não está planejando entrar em desespero.
Na verdade, Johnson está se aposentando do ensino em tempo integral e do trabalho vinculado à universidade precisamente para poder se dedicar melhor à sua própria busca de Deus, tanto espiritualmente como irmã de São José, quanto como teóloga acadêmica – duas vocações que não podem ser separadas para ela.
“Foi um processo de discernimento”, disse ela ao NCR sobre sua decisão, que levou alguns anos para ser tomada. “Não aconteceu da noite para o dia. Mas havia esse sentimento dentro de mim de querer ter mais tempo para ser contemplativa, de ler silenciosamente sem a pressão de produzir, de viver de uma forma que seja mais apropriada à minha idade.”
Johnson está buscando um ritmo mais lento. Ela quer passar mais tempo em museus na sua amada cidade de Nova York, na praia e no jardim. Ela quer ler romances de mistério (especialmente aqueles com protagonistas femininos) e brincar com seu novo gatinho. Ela está interessada em se voluntariar para ensinar inglês como uma segunda língua, embora ela irá esperar para se ajustar à aposentadoria antes de tomar grandes decisões.
“É um território realmente desconhecido”, disse, lembrando que até mesmo os anos sabáticos e os verões, durante décadas, foram para escrever livros. “Eu trabalhei durante toda a minha vida com uma agenda muito poderosa.”
Johnson disse que não sentirá falta dos repetitivos formulários de avaliação, embora ela realmente gostasse de ler e avaliar artigos de pesquisa. E ela amava ensinar, achando imensamente satisfatório poder “passar a fé adiante” de forma crítica – para instigar os alunos a pensarem de novas maneiras sobre o catolicismo, mesmo que alguns deles não o praticassem.
“É tão fascinante ouvir as perguntas deles, envolvê-los em ideias diferentes”, disse.
E seus estudantes – tanto de graduação quanto de mestrado ou doutorado – dizem que ela é uma professora paciente e atenciosa, além de ser uma mente teológica de nível mundial.
“Ser uma estudante de Beth é uma experiência incrivelmente humilde e um privilégio, não apenas porque você está na presença de uma estudiosa que moldou a tradição intelectual católica romana, mas também porque ela é uma professora fenomenal”, disse Meg Stapleton Smith, doutoranda em ética teológica e social na Fordham.
“Ela irradia paixão e encarna o amor cristão de uma maneira que eu não encontrei em outro professor antes”, disse Smith. “Ela faz que você queira ser um estudioso melhor, sem dúvida, mas também me fez querer ser uma pessoa melhor.”
Paul Schutz, que fez seu trabalho de doutorado com Johnson e agora leciona na Santa Clara University, vê uma “teologia do acompanhamento” vivida no ensino dela. “O dom mais maravilhoso de Beth, no ensino e na pesquisa, é essa abertura às pessoas e às ideias, e essa disposição de simplesmente estar lá, de estar presente.”
Ela é conhecida por ter compartilhado seus pontos dos programas de milhagens com um estudante carente que precisava voltar para casa para uma emergência familiar, ou por ter comprado um guarda-chuva para um estudante que ela percebeu que não estava prevenido em um dia chuvoso.
Junior Pearse Walsh compartilhou algumas de seus dilemas de fé durante a aula de Johnson sobre “Cristo nas culturas mundiais”, que ele chamou de “a aula mais memorável que eu já tive na Fordham”.
“Eu disse a ela que acho que Jesus Cristo é realmente um cara incrível e eu concordo com as coisas que ele disse, mas não acredito que ele seja o filho de Deus”, disse Walsh.
Em resposta, Johnson encomendou-lhe uma cópia das 800 páginas do livro de Hans Küng “Deus existe?” e sugeriu que ele o lesse. Enquanto ele espera o início das férias de verão, Walsh disse que já ficou mais aberto à espiritualidade e a diferentes visões de mundo oferecidas por Johnson, a quem ele chama de “guru espiritual”.
Johnson também tem a reputação – pelo menos entre os alunos da graduação – de ser uma professora “durona”, mas justa.
Hannah Ervin, formada em Teologia, que cursará a pós-graduação no Union Theological Seminary, em Nova York, no fim do ano, graças em parte ao incentivo de Johnson, achou emocionante aprender com uma proeminente teóloga feminista cujos escritos foram indicados em outras aulas.
Ervin trabalhou duro na aula de Johnson e achou que receberia um “A”, mas acabou obtendo um “B+”. Mas Johnson explicou que ela precisava falar mais em sala de aula. “Ela estava certa”, admitiu Ervin. “E a disponibilidade dela de ser franca e sincera, mas ao mesmo me encorajar, é algo que eu nunca vou esquecer.”
Johnson também foi influente em ajudar a tornar o Departamento de Teologia da Fordham em um dos mais fortes do país, e ela se sente confiante de estar deixando o departamento – e a teologia, em geral – em uma boa forma.
“Tanto na minha própria universidade quanto em todo o país, eu vejo teólogos jovens muito bons”, disse. “Esta é a minha profunda convicção: fazer teologia na Igreja é obra do Espírito Santo. Eu não vejo isso como algo menor só porque eu não estou fazendo, de modo algum."
Outros discordam. “É um momento agridoce”, disse J. Patrick Hornbeck, diretor do Departamento de Teologia da Fordham, que acredita que Johnson merece a aposentadoria após seus 27 anos de serviço na instituição. “Mas não há dúvida de que será uma perda.”
A colega teóloga feminista e irmã dominicana Mary Catherine Hilkert, da Universidade de Notre Dame, grande amiga de Johnson, disse que sua aposentadoria é “uma enorme perda para a Fordham, para o ensino superior católico e para os estudiosos feministas católicos”.
“Mas, ao mesmo tempo, Beth sempre foi alguém que discerniu sabiamente e conhece seu próprio coração”, disse Hilkert. “É a hora certa. Ela quer mover sua energia para seu outro amor, a pesquisa, que sempre esteve no centro de seu ensino.”
Johnson disse que já tem várias ideias “no armário”, com pastas de pesquisas compiladas e prontas, embora ainda não esteja escrevendo seu próximo livro.
Seu livro mais recente, Creation and the Cross, da Orbis Books, será o foco da celebração na Fordham pela sua aposentadoria, que será realizada na segunda-feira, 30 de abril, na Fordham Law School. A noite contará com uma palestra gratuita – será mais uma “conversa”, disse ela, entre Johnson e o padre jesuíta James Martin, da revista America. O evento teve que ser transferido para um local maior por causa da resposta dos interessados.
Além disso, a Crossroad Books celebrará a edição do 25º aniversário, ocorrido no ano passado, de seu inovador She Who Is, na convenção da Catholic Theological Society of America em junho.
O legado de Johnson está “muito ao alcance das mãos”, disse Hornbeck, mas ela ainda não terminou.
“Eu aprecio a ideia de ter um período de tempo para que eu possa ficar apenas em paz e encontrar meu caminho”, disse Johnson. “Mas não vou desaparecer.”
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Teóloga feminista Elizabeth Johnson se retira do ensino, mas não da teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU