18 Abril 2018
O filme da direita e dos ultraliberais acabou e foi muito ruim. Eles perderam o discurso, não têm nada a propor ao Brasil e vão se dividir cada vez mais. A crise econômica seguirá com efeitos mais dolorosos. A libertação de Lula é a grande causa que unirá as forças progressistas do Brasil e da América do Sul. É preciso fazer avançar a ideia de uma frente pela democracia.
A entrevista é de Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, publicado por Tutaméia, 15-04-2018.
As ideias são do sociólogo e cientista político José Luís Fiori, professor de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Eleonora de Lucena, diretora do Tutaméia, ele afirma: “Nesse momento, o ponto de partida necessário e inevitável das forças progressistas só pode ser a luta pela libertação de Lula. Não necessariamente para que ele seja candidato, mas porque hoje a sua libertação significa simbolicamente o primeiro passo para a restituição da democracia e da justiça nos seus devidos lugares”.
E analisa: “A direita e os seus juízes conseguiram transformar o ex-presidente num mito e numa força política que acompanhará a sociedade e política brasileira por muitos e muitos anos”.
Para Fiori, não adianta pensar agora em candidaturas alternativas que não vão ganhar ou não vão governar nesse quadro atual. “Ou se muda esse quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou candidato. A menos as forças progressistas queiram repetir a candidatura simbólica do dr. Ulysses Guimarães em 1974”, declara.
Autor, entre outros, de “O Poder Global” (Boitempo, 2007) e de “História, Estratégia e Desenvolvimento” (Boitempo, 2014), Fiori organizou obras essenciais para uma reflexão do mundo contemporâneo, como “Pode e Dinheiro” (com Maria da Conceição Tavares, Vozes, 1997) e “O Poder Americano” (Vozes, 2004).
Na sua avaliação, a crise desencadeada pelo golpe de 2016 e a divisão na sociedade brasileira vão continuar por muito tempo e exigirão enorme paciência estratégica. “Não adianta achar que vai se virar a mesa na próxima meia hora”, defende.
Nesta entrevista por correio eletrônic, Fiori trata das diversas forças políticas em embate e lança uma hipótese sobre a dissolução do núcleo intelectual e ideológico do golpe de 2016: a derrota de Hillary deixou sem apoio os seus operadores internos – o que fez o governo golpista cair nas mãos de um grupo da “segunda divisão”– já quase todo na cadeia, que estava inteiramente despreparado para governar o Brasil”.
Qual o impacto político da prisão de Lula?
Muito grande, acho mesmo que a história política do Brasil terá um antes e um depois dessa prisão.
Ele sairá “maior, mais forte e mais verdadeiro”, como ele disse no discurso do dia 7, em São Bernardo?
Tenho impressão que sim. E acho que a explicação disso se encontra no próprio discurso do ex-presidente, quando ele diz que já deixou de ser uma pessoa física e se transformou numa ideia, num movimento social e político, num verdadeiro mito. E todos sabemos que as ideias e os mitos não conseguem ser presos nem destruídos. Na verdade, Lula foi sempre um grande negociador e um reformista, e sua genialidade foi demonstrar que, em certos momentos da história, o reformismo é absolutamente revolucionário. Trata-se de um líder absolutamente fora do comum e acima de seus contemporâneos, graças à sua inventividade e à sua intuição estratégica, que é absolutamente extraordinária.
É possível fazer comparações ou traçar algum paralelo com outras situações históricas vividas no passado?
Veja bem, se eu me mantiver apenas no campo da minha experiência pessoal, devo te dizer que ainda criança me tocou assistir ao golpe de Estado de 1954, junto com o suicídio e a Carta Testamento de Getúlio Vargas. Depois, vivi o golpe de 1964 e escutei o discurso do presidente João Goulart, na Central do Brasil, que acabou sendo também uma espécie de discurso de despedida. Alguns anos depois, assisti ao vivo e em cores o violento e traumático golpe militar do Chile, tendo escutado pelo rádio o último discurso de Salvador Allende, no dia 11 de setembro de 1973. Foram todos momentos decisivos ou mesmo heroicos da história.
Mas o discurso de Lula do dia 7 de abril, na cidade de São Bernardo, teve uma grande diferença com relação aos outros, porque foi o discurso de um homem que decidiu sobreviver e lutar. De um político que decidiu enfrentar os seus acusadores acusando-os de peito aberto e sem medo das represálias. De um pacifista que conseguiu manter e defender sua posição sem oferecer a outra face. De um líder carismático que conseguiu fazer – sob a máxima pressão pessoa l– uma belíssima homenagem às utopias humanas, ao mesmo tempo em que traçava as linhas básicas do seu futuro governo. Isso realmente não tem precedente que eu saiba.
Por outro lado, eu não havia nascido e não assisti quando Juan Domingo Perón foi preso e depois libertado pela população para logo em seguida ser eleito presidente da Argentina, em 1946. Mas assisti a transmissão ao vivo, pela televisão, da libertação de Nelson Mandela, aclamado pelo povo e imediatamente eleito presidente da África do Sul. E tenho uma impressão muito forte, como analista político, que mais cedo ou mais tarde isto também acontecerá no Brasil, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por mais que isso cause engulhos às forças conservadoras e direitistas do nosso país.
No imediato, o que que o senhor espera que possa acontecer?
Uma grande mobilização no Brasil e pelo mundo afora contra a prisão e a favor da libertação do ex-presidente. Mas acho que, no imediato, as pessoas próximas e que gostam pessoalmente do ex-presidente deveriam estar muito atentas com relação à sua integridade física. Sobretudo se tiverem em conta o fanatismo, o rancor, a crueldade e o ressentimento dos que o encarceraram.
Qual será o futuro político das pessoas que o julgaram e encarceraram?
O mais provável é que venham a ter o mesmo destino de todos os “savonarolas” que já existiram através da história. Apesar de que, no caso brasileiro, essas pessoas não têm o menor fôlego pessoal e intelectual para se transformarem em lideranças carismáticas. São figuras menores, já cumpriram o papel que lhes foi encomendado e devem voltar para o anonimato de onde vieram.
E qual o impacto mais geral sobre a sociedade brasileira?
Essa grande encenação – e, sobretudo, esse final patrocinado pelo STF – consolidou uma divisão e uma polarização da sociedade brasileira que que deverá durar por muitos e muitos anos. Vai ser muito difícil de reverter isso. Também vai ser muito difícil sair desse buraco imediato, porque o Estado, as autoridades públicas e a sociedade brasileira aparecem divididos de cima abaixo. Os golpistas estão completamente divididos. O Congresso está quase rachado e desmoralizado. O STF está partido ao meio, perdeu a sua aura de neutralidade e sua credibilidade foi rebaixada por suas brigas internas e por suas sessões infindáveis, marcadas pelo exibicionismo dos seus juízes com seu palavreado gongórico e quase sempre inócuo. Para não falar finalmente da divisão interna da própria Igreja católica. Aliás, dos que se esconderam atrás do silêncio para não se posicionarem frente à prisão do ex-presidente, quem mais me impressionou foi a CNBB. A ausência cúmplice ou envergonhada de algumas de suas principais lideranças no Brasil foi lamentável. Fez lembrar sua participação no golpe de 1964, quando as senhoras conservadoras sacudiam seus terços no lugar de bater panelas.
Como deveriam agir daqui para frente as forças progressistas?
Os caminhos estratégicos vão sendo construídos no caminhar e devem sempre tomar em conta os objetivos e as iniciativas dos adversários. Mas, nesse momento, o ponto de partida necessário e inevitável das forças progressistas só pode ser a luta pela libertação de Lula. Não necessariamente para que ele seja candidato, mas porque hoje a sua libertação significa simbolicamente o primeiro passo para a restituição da democracia e da justiça nos seus devidos lugares.
A ideia de uma frente pela democracia, contra o fascismo e pela soberania pode avançar?
Mais do que nunca. A direita e os ultraliberais já implementaram todas suas ideias e reformas através do golpe e dos seus executores. Depois da destituição da presidenta Dilma Rousseff e da prisão do ex-presidente Lula já não lhes resta mais nenhuma “causa” nem “ideia”. Seu filme acabou e foi muito ruim. A crise econômica seguirá e seus efeitos se farão cada vez mais dolorosos. A direita ultraliberal já não tem mais nada para dizer ou propor para o Brasil, que não seja a tal da “reforma da previdência que não conseguiram fazer e a privatização da Petrobras, duas propostas extremamente impopulares.
Até onde o PT deve esticar a corda e manter a candidatura Lula?
Como já disse, do meu ponto de vista, o ex-presidente Lula já não é mais apenas uma candidatura. Ele é uma causa e é a grande causa que unirá daqui para frente as forças progressistas do Brasil e da América do Sul. Não adianta pensar, no momento, em candidaturas “alternativas” que não vão ganhar ou simplesmente não vão governar nesse quadro que aí está. Ou se muda esse quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou candidato. A menos que as forças progressistas queiram repetir a candidatura simbólica do dr. Ulysses Guimarães em 1974.
É bom que as pessoas entendam que essa crise aberta pelo golpe de Estado e essa divisão da sociedade brasileira – promovida ativamente pela imprensa conservadora – devem continuar ainda por muito tempo e exigirão uma enorme paciência estratégica. Não adianta achar que vai se virar a mesa na próxima meia hora.
Quem poderia ser o maior beneficiado da saída definitiva de Lula da corrida eleitoral?
Em primeiro lugar, ele já não sairá mais nem da corrida eleitoral nem da história política futura. Como já dissemos, a direita e os seus juízes conseguiram transformar o ex-presidente num mito e numa força política que acompanhará a sociedade e política brasileira por muitos e muitos anos.
Qual o impacto da prisão de Lula dentro do PT? Alguns esperam esvaziamento do partido. É correto pensar assim?
Acho que não. Pelo contrário, creio que o PT deve crescer daqui para frente. Mas não sou do PT e não conheço nem sei avaliar corretamente a sua dinâmica interna. Mas com certeza os seus adversários e a imprensa conservadora deverão inventar ou incentivar, daqui para frente, divisões e lutas internas, jogando uns contra os outros de forma a esvaziar a causa unitária do PT, pela libertação e absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Qual o impacto da prisão na parcela da população que apoiou o golpe de Estado?
Num primeiro momento, devem tomar champanhe ou cerveja, dependendo da classe social de cada um. Mas, atenção, porque o efeito emocional dessa prisão se esgota em si mesmo. A grande massa dos que estão comemorando nesse momento muito brevemente se dará conta de que a prisão de Lula não modificará nada em suas vidas. Todos serão obrigados a voltar a viver as suas angústias e seus medos de cada dia – para não falar nos que terão que voltar a conviver com sua própria mediocridade pessoal.
Então, qual o caminho das forças golpistas?
Deverão se dividir cada vez mais. Deverão entrar numa luta à morte, depois que perderam o seu grande denominador comum, que era o golpe e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Será uma guerra sem quartel, e presumo que não sobrará pedra sobre pedra. E essa mesma divisão das forças de direita acabará impedindo qualquer tentativa de suspensão das eleições de outubro de 2018. Eles não têm mais unidade para nada e terão que se enfrentar entre si. O PMDB já foi literalmente descabeçado, com a prisão de algumas de suas principais lideranças nacionais e de quase todas as suas lideranças golpistas que hoje estão na cadeira. E não é improvável que esse quadro piore ainda mais depois que o sr. Temer sair do Palácio do Planalto.
Por outro lado, o PSDB se autodestruiu, com a opção pelo golpe de Estado do seu candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014, que depois se viu envolvido em situações cada vez mais escabrosas. Seus caciques paulistas estão todos brigados entre si, seus intelectuais completamente desmobilizados e desmoralizados ideologicamente. E o seu principal líder vive um momento de declínio intelectual, político e ético, depois de ter sido o grande patrocinador da candidatura do sr. Aécio. Mas, sobretudo, depois de ter justificado de forma bisonha e de ter participado diretamente do golpe de Estado, antes de se afastar do governo que ele mesmo ajudou a criar.
O DEM, por sua vez, é um partido que não tem fôlego nacional e está transformado numa quase caricatura da antiga direita baiana e carioca. O conjunto das outras siglas que compõem a "base parlamentar” do golpe de Estado não possui nenhuma consistência ou identidade própria e estará sempre ao lado do “balcão de negócios”.
Por fim, depois desses últimos três ou quatro anos, a Globo se transformou numa organização político-ideológica explícita e de direita, agressiva, insidiosa e com enorme poder de fogo. Mas perdeu completamente a posição de “meio de informação” da sociedade brasileira, se transformando no principal inimigo de todas as forças progressistas, democráticas, defensoras da soberania nacional e de um choque distributivo na sociedade brasileira.
É possível identificar as forças externas que atuaram no golpe de 2016?
Tenho a impressão que que as “forças externas” que participaram desse golpe de Estado e dessa destruição física e moral da sociedade, da economia e da política brasileira não se preocuparam em apagar as suas impressões digitais. É muito fácil de olhar e identificá-las.
Um aspecto menos discutido desse problema, entretanto, é a influência que possa ter tido a eleição de Donald Trump na rápida desintegração do bloco golpista e na perda completa de rumo dos seus líderes tucanos, incluindo a desmontagem moral do seu candidato presidencial. Uma boa hipótese para quem se interessa por esses assuntos é que esse golpe de 2016 foi concebido durante o período da administração Obama e contava com a vitória certa de Hillary Clinton – integrante ilustre da ala protetora e patrocinadora do PSDB desde sua fundação e durante toda a administração de Bill Clinton, na década de 1990.
Isso talvez explique a surpreendente implosão e desmontagem do bloco golpista no Brasil, com o desaparecimento completo do seu núcleo intelectual e ideológico inicial que que estava todo no PSDB, incluindo o seu principal líder que teria sido completamente descalçado com a derrota dos Clinton, virando uma espécie de “biruta de aeroporto”, que vai virando de um lado para o outro segundo a ocasião e segundo a sua luta pela sobrevivência pessoal. Como consequência, os líderes intelectuais do golpe teriam tido que deixar a administração do governo nas mãos de um grupo da “segunda divisão”, de baixíssimo nível intelectual e que já está quase todo na prisão, inteiramente despreparado para governar o Brasil.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ponto de partida é a libertação de Lula. Entrevista com José Luís Fiori - Instituto Humanitas Unisinos - IHU