11 Abril 2018
Em "www.sn.at" (Salzburger Nachrichten), 01-04-2018, o arcebispo de Viena apresenta suas posições durante a entrevista de Páscoa sobre temas atuais da fé e da Igreja: ressurreição, o papel das mulheres, igreja do povo, Cáritas e refugiados.
A entrevista é dos seguintes jornalistas: Manfred Perterer, do jornal Salzburger Nachrichten e de Dietmar Neuwirth, do jornal Die Presse. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como se explica a um adolescente sem nenhuma instrução religiosa que Jesus ressuscitou?
A morte é o fim ou uma passagem. Para um jovem diria: quando sua avó morreu, você realmente acredita que ela simplesmente desapareceu? Também é preciso acrescentar uma segunda dimensão, isto é, quando se acredita que após a morte de alguma forma algo continue, talvez como pura energia, ou se há uma ressurreição. Que este mundo não seja o último, mas exista uma nova criação. Que nós realmente viveremos, que nos reencontraremos.
Segundo as pesquisas, nem mesmo um terço dos austríacos acredita em um Deus. O que basicamente não funciona na transmissão da fé?
Há grandes transformações sociais, que poderíamos resumir na palavra secularização.
A secularização não significa o desaparecimento de fé, mas que desaparece a fé em Deus. O autor inglês Chesterton disse que quem não acredita em Deus, não é que não acredita em nada, acredita em tudo o possível. Experimentamos isso com o Hospital de Viena Norte, onde por quase 100.000 euros foi instalado um anel esotérico em torno do hospital.
É um processo irreversível a falta de uma referência a Deus?
A fé cristã tem uma grande força regenerativa. O cristianismo começou como um pequeno grupo em Jerusalém, um pequeno grupo que fez a experiência de que aquele que havia sido crucificado está vivo, está presente e está ativo. A ressurreição regenera a Igreja incessantemente. Se não se acredita que Jesus tenha ressuscitado, o cristianismo não tem futuro, tornar-se uma associação para a memória, uma associação que conserva viva a lembrança de uma pessoa morta. Nesse caso, não duraria tanto tempo.
O senhor certa vez falou da superação da igreja do povo. Com Francisco, vê a tentativa de voltar a uma igreja do povo?
Quando eu era uma criança, lá em Schruns havia três missas aos domingos e a igreja estava sempre lotada. Quando hoje eu celebro a missa, os bancos nem estão todos ocupados. Mas cada um dos presentes, eu sei que está ali por profunda convicção. É a perda de uma grande cultura do povo, mas também o acréscimo de uma grande vantagem. Estamos naquele momento que foi mencionado pelo ex-rabino chefe britânico Jonathan Sacks, que dizia que os judeus têm experiência de 2.500 anos do que significa ser uma minoria criativa: criem algo a partir de sua situação atual, não tenham medo! Esta é também a mensagem subjacente dos últimos três pontificados: não tenham medo! Papa Francisco vem de sua igreja latino-americana com um grande frescor e diz: calma, a igreja do povo não está morta.
Mesmo na Áustria não está morta a igreja do povo?
Absolutamente não. A igreja do povo não está morta. Papa Francisco tem um faro muito apurado em considerar que a religiosidade popular não tenha simplesmente desaparecido na sociedade secular. Ainda temos que descobrir as muitas razões de enraizamento da religiosidade que existem entre nós.
Mas a Igreja não precisa de nenhuma transformação?
O bispo de Linz, Manfred Scheuer, pediu recentemente com urgência a ordenação de homens casados.
O senhor compartilha seu ponto de vista?
As questões organizacionais são importantes e eu acredito que são necessárias algumas melhorias, até mesmo um necessário potencial de transformação.
O que isso significa concretamente?
Uma das principais questões é o papel das mulheres na Igreja. As comunidades religiosas como um todo precisam de mudanças.
O que exatamente espera?
Por exemplo, uma maior percentual de mulheres em cargos diretivos. Embora na Arquidiocese de Viena as coisas não sejam sob esse ponto de vista piores do que às de outras grandes organizações. A questão da ordenação de mulheres só pode ser esclarecida por um concílio. É algo que um papa não pode decidir sozinho. É uma questão demasiado grande para ser esclarecida em um gabinete apenas por um papa.
Está se referindo à ordenação de mulheres ao presbiterado?
A diaconisas, a presbíteras, a bispas.
O Papa Francisco não descartou pelo menos as diaconisas. O senhor acha que ele não poderia decidir sozinho quanto à sua introdução?
Eu não o consideraria isso nem mesmo uma coisa boa. A Igreja é uma comunidade, as grandes decisões têm que ser tomadas em comunidade.
Espera um concílio em que essas questões sejam esclarecidas?
Espero que continue o caminho de sinodalidade da Igreja (nde: onde as decisões são tomadas após discussões em uma reunião), sinodalidade que o papa promove ativamente. Eu tenho fé em um futuro concílio, quando ocorrerá. João XXIII no seu tempo reconheceu o momento certo, quando ninguém o esperava. Eu tenho fé no Espírito Santo.
Vamos voltar à questão dos padres casados: considera correto o pedido do bispo Scheuer?
Eu não gostaria de ter que decidir. As decisões de longo prazo devem amadurecer. Claro, muitos dizem, já estão maduras há tempo, são vocês que não estão enxergando... O papa convocou um sínodo para a Amazônia, no qual o tema será certamente abordado. Repito: eu confio no Espírito Santo.
Posso retransmitir aos bispos, no que diz respeito às mudanças, a expressão que o senhor citou, "não tenham medo?"
As mudanças realmente profundas não acontecem através de reformas estruturais. Estamos realizando em Viena uma grande reforma estrutural, mas se as coisas continuarem nesse nível, seria como o que no passado, em momentos sombrios da história, foi chamado de "alinhamento da frente". Se tudo se resolver em uma restrição feita ordenadamente, então é esforço desperdiçado. É preciso sempre questionar-se, ao mesmo tempo, sobre como podemos mudar a sociedade. Quem olha apenas a si mesmo, não irradia nada ao seu redor - e isso também se aplica à Igreja.
O senhor foi muito próximo de três papas, em parte muito diferentes entre si. Como conseguiu alcançar esse equilíbrio, em nível pessoal?
Há um princípio na tradição católica, que podemos chamar de atualização magisterial.
Estamos experimentando justo agora um momento fascinante na atualização magisterial. O Papa Francisco, por ocasião do 25 anos de catecismo disse claramente: há uma atualização magisterial. A pena de morte que no catecismo de 1992 ainda era considerada aceitável em determinadas situações, agora é claramente condenável. Sou testemunha (nde: Schönborn foi o secretário de redação do catecismo): já em sua época João Paulo II queria uma clara condenação da pena de morte. Mas os tempos ainda não tinham amadurecido. Agora, chegou à hora. Há uma atualização magisterial em diferentes níveis. Hoje é normal que meninas sejam coroinhas no altar. Em muitas outras Igrejas cristãs ainda é inimaginável que uma mulher entre na área de altar. Outro exemplo: um ano e meio atrás, o Papa Francisco disse que festa de Maria Madalena deve ser celebrada com a mesma solenidade das festas dos apóstolos. Maria Madalena foi a primeira testemunha da ressurreição. É a apóstola dos apóstolos. Pode ser talvez uma coisa mínima, mas mostra uma sensibilidade alterada a respeito do assunto.
Essa atualização magisterial não é um ir atrás das mudanças da sociedade?
Às vezes, segue essas alterações, outras vezes, precede-as. Na antiguidade o cristianismo sempre foi um forte fator de emancipação das mulheres. Que também tenham ocorrido movimentos em contrário, é outro capítulo.
E como as coisas estão hoje?
Permita-me dizer que o que consideramos óbvio na Europa, em comparação, por exemplo, com as tradições islâmicas, já é um legado do cristianismo. O que está contido na Charta dos direitos humanos é em grande parte uma herança do cristianismo. O Presidente da região Wilfried Hasler convidou recentemente o papa para Salzburg.
Considera provável que o papa aceite esse convite?
É definitivamente uma honra e uma esperança que o Papa venha para a Áustria, mas olhamos atentamente para a geografia das viagens papais, e avaliamos se a pequena Áustria se encaixe nessa lista de países. Além disso, já tivemos quatro visitas papais nos últimos 30 anos.
Estamos em um ano comemorativo. Considera que na Igreja Católica ainda exista uma necessidade de procurar as manchas escuras ou tudo está resolvido?
Que a figura de Franz Jägerstätter tenha sido considerada tão polêmica por tanto tempo é compreensível por razões históricas, mas não é algo digno de louvor. É digno de louvor, em vez disso, que o bispo Maximilian Aichem (nde: o ex-bispo de Linz) tenha se empenhado para a sua reabilitação e, depois, para sua beatificação. As resistências foram enormes. Mas isso foi enfrentado.
Dentro da Igreja austríaca existem críticas à Cáritas, que se tornou independente. Há algo de errado?
A Cáritas desempenha no nível austríaco e internacional um imenso trabalho.
A partir disso a Cáritas retira a sua motivação para se expressar politicamente. Com razão?
Com boa razão. Uma Cáritas não causa incomodação não faz o seu trabalho. Quem fala em defesa dos sem-teto? Quem fala em defesa daqueles que estão desempregados há muito tempo? A forma como o governo lida com a questão dos refugiados é adequada?
Estamos em diálogo com o governo. Existem alguns pontos fracos em relação a um acordo de fundo sobre o fato que a imigração deve ocorrer em condições ordenadas. Precisamos de corredores humanitários, sempre dissemos isso. A Áustria teve um corredor humanitário que funcionava muito bem. Por esse caminho vieram para a Áustria 2.500 pessoas diretamente da Síria. Em segundo lugar, expulsar de repente pessoas que estão integrados conosco na melhor das maneiras só porque a lei assim o exige, acho que é contraproducente. É legal, mas não é humano.
Esta é uma afirmação perigosa.
Temos aqui na Áustria um instrumento jurídico, o direito de permanência por motivos humanitários. Pode ser usado de uma maneira totalmente legal. Além disso, nos preocupamos com os muçulmanos que se converteram ao cristianismo e que estão ameaçados de deportação, mas nisso existe uma excelente colaboração com as autoridades. Essas pessoas correriam perigo de vida se fossem deportadas.
Além disso, existem concepções muito diferentes sobre quais países seriam, de fato, países seguros onde seria possível enviar pessoas expulsas. Mas no geral estou confiante sobre o fato de que temos uma boa base para o diálogo mesmo com o governo atual, até com o ministro do interior, apesar da restritiva política em matéria de refugiados em questões humanitárias.
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O cardeal Schönborn na entrevista de Páscoa: um concílio para o papel das mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU