16 Março 2018
Um povo indígena contatado recentemente, pressionado pela invasão de madeireiros, garimpeiros e, agora, pela venda de lotes dentro de sua terra já demarcada: esta é a situação do povo Karipuna, de Rondônia, cuja condição é definida pelo Ministério Público Federal (MPF) como de “iminente genocídio”.
A reportagem é publicada por Greenpeace, e reproduzida por Amazônia.org, 15-03-2018.
Entre 5 e 9 de março, lideranças Karipuna estiveram em Brasília para denunciar, mais uma vez, a grave situação em sua terra e pressionar por respostas dos órgãos públicos. Os recorrentes vestígios da presença de índios livres ou isolados dentro da Terra Indígena (TI) Karipuna, no norte de Rondônia, também foram apontados como motivo de preocupação, pois se trata de um grupo ainda mais vulnerável às investidas dos invasores.
Na capital federal, as lideranças Adriano e André Karipuna representaram seu povo em reuniões com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Sexta Câmara do MPF e o ministro da Justiça, Torquato Jardim.
“Foram várias as denúncias já feitas sobre a invasão da Terra Indígena Karipuna. A resposta é sempre a mesma: dizem que não tem recurso. Enquanto isso, o desmatamento continua”, afirmou André Karipuna durante a reunião com o general presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas.
As áreas desmatadas ficam a uma hora de caminhada da aldeia, em uma região do território onde já foram encontrados vestígios de indígenas isolados. “Toda a madeira que abastece as serrarias da região sai da Terra Indígena”, denuncia Adriano Karipuna. “As áreas do entorno da TI já estão todas desmatadas. Alguém está dando aval para esquentar essa madeira, para poder vender isso para fora do estado”, complementa.
Ainda mais grave que a retirada de madeira, a venda de lotes dentro da TI, sem nenhuma fiscalização, gera preocupação nos Karipuna. As regiões que circundam a TI são ocupações de terra pública, e eles receiam que o mesmo aconteça com sua terra.
“Temos medo que os invasores consigam se estabelecer a partir da invasão e depois busquem legalizar essa posse. Encontramos postes com numerações dos lotes”, relata Adriano. “A conversa que ronda nas cidades próximas é que a Terra Indígena não tem dono, que é do governo e por isso é fácil lotear”.
Com a presença cada vez maior de invasores, aos danos ambientais na TI se soma também o receio de violência contra os Karipuna, que já vêm sofrendo ameaças diretas e indiretas. Em fevereiro, no que foi entendido pelos indígenas como uma intimidação, o único posto de vigilância da Funai no interior da TI Karipuna foi incendiado pelos invasores.
A unidade de proteção encontrava-se desativada desde maio de 2017, devido ao corte de verbas na Funai. Uma recomendação do MPF, em setembro daquele ano, determinou a elaboração de um plano emergencial para assegurar a proteção do povo Karipuna e a integridade da Terra Indígena. “Nos sentimos desprotegidos física e territorialmente sem um posto de vigilância. Não temos a presença do Estado”, aponta Adriano Karipuna.
A ausência de fiscalização se refletiu também no aumento das invasões. Em apenas quatro meses – de junho a setembro de 2017 –, dados do Sipam apontam que uma área de 1400 hectares – o equivalente a aproximadamente 2 mil campos de futebol – foi assolada dentro da Terra Indígena Karipuna.
Apesar da recente intensificação, as invasões vêm sendo denunciadas ano após ano, especialmente a partir de 2015, quando aumentaram significativamente. Os retrocessos institucionais em relação aos direitos dos povos indígenas também se refletem na sanha dos posseiros e invasores.
“Em 2015, quando a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 215 foi aprovada na comissão especial, houve um avanço das invasões em todas as terras indígenas do Brasil. Com os Karipuna não foi diferente”, explica Laura Vicuña Pereira Manso, coordenadora do Cimi Rondônia, que acompanhou os Karipuna nas audiências em Brasília.
Um mapa com o registro do desmatamento na TI e em seu entorno desde 1997 foi entregue às autoridades. Utilizando dados públicos, o material permite visualizar a situação de degradação nas unidades de conservação no entorno da terra indígena e o aumento das invasões em seu interior a partir de 2015.
A presença de registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) sobrepostos à TI também foi denunciada pelos indígenas, como evidência da ofensiva dos invasores. Obrigatório para os imóveis rurais, o registro eletrônico do CAR vem sendo utilizado na Amazônia por grileiros que buscam “comprovar” suas posses sobre áreas de proteção ambiental. “Retiram a madeira e vendem. Ateiam fogo no que resta para lotear ou plantam pasto para o gado”, denuncia Adriano Karipuna.
O contato dos não indígenas com os Karipuna de Rondônia ocorreu na década de 1970. Na época, o povo estava reduzido a apenas cinco pessoas. Sobreviventes da violência durante o ciclo da borracha na Amazônia, buscaram se reconstruir, cresceram e conquistaram a demarcação de sua terra. Agora, com as invasões e o abandono do Estado, enfrentam mais uma vez a ameaça do genocídio.
“O caso Karipuna é emblemático. Ali os ruralistas tentam enraizar a posse ilegal na terra indígena fazendo uso da estratégia do fato consumado. Caso consigam se estabelecer na Terra Indígena Karipuna, certamente buscarão expandir essa estratégia para outras terras indígenas já demarcadas nas demais regiões do país. Também por esse motivo é fundamental que o Estado brasileiro promova a retirada dos invasores desta terra”, avalia Cleber Buzatto, secretário Executivo do Cimi.
Por sua gravidade, o caso deverá ser levado ao conhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) ainda em 2018.
“Viemos para Brasília para fazer a denúncia. Em Rondônia, continuaremos falando sobre as invasões, pressionando até que alguma providência seja tomada. Ficaremos pressionando sempre até que dê algum resultado”, afirma André Karipuna.
Na contramão da clara omissão do Estado em cumprir seu dever constitucional de proteger as terras indígenas e seus povos, os Karipuna de Rondônia vêm se articulando com uma rede de organizações não governamentais, a exemplo do Cimi e do Greenpeace, capazes de gerar informações e garantir assessoria ao amplo esforço feito pelo povo para proteger seu território.
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Em Brasília, indígenas Karipuna denunciam loteamento e roubo de madeira em terra demarcada há 28 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU