18 Dezembro 2017
A Comissão Real Australiana concluiu sua investigação sobre o abuso sexual de menores. Foi criada pela primeira-ministra Julia Gillard em 2012: seis membros, sob a presidência do juiz Paul McClellan conduziram uma investigação abrangente em todas as comunidades religiosas e educacionais. Um custo de 370 milhões, 4.000 instituições investigadas, 15.000 sobreviventes ouvidos, 400 prescrições ou recomendações. Entre as quais se destacam aquelas relativas aos crimes cometidos nas instituições católicas, 37% do total. A Comissão fornece um retrato impiedoso do catolicismo australiano: que induz novamente a se questionar como foi possível que uma "razão de Estado" determinada pela igreja tenha considerado os padres perpetradores uma casta merecedora de proteção bramânica e a das crianças uma casta pária e muda. Entre suas recomendações, a Comissão Real sugeriu duas que atingiram o imaginário: por que elas não entram no âmbito na punição ou prevenção dos estupros, mas no ordenamento da Igreja católica.
O comentário é de Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, publicado por Repubblica, 16-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira foi para restringir o segredo de confessionário, algo que jamais irá acontecer, e que, honestamente, não têm muito a ver com crimes que foram denunciados às autoridades pelas vítimas ou que podiam ser percebidos. Uma coisa é dizer que também na prática do confessionário (pelo que ainda resta) um clero despreparado e imaturo pode prestar um grande desserviço ao evangelho e ao seu anúncio, outra coisa é pensar que alguém se entregue ao sacerdote.
A segunda recomendação que causou polêmica também diz respeito a um tema sobre o qual ninguém quer começar uma discussão: o padre. Os sete juízes australianos sugeriram a ab-rogação do celibato eclesiástico como remédio: um simplismo comparável à infelicidade do comentário do Cardeal Bertone, que anos atrás sugeriu uma ligação entre pedofilia e homossexualidade.
O estupro de meninos e meninas é independente de qualquer escolha pessoal ou de orientação.
O que é interessante, porém, é que diante da ideia de mexer no celibato por razões de bons costumes houve uma reação muito cautelosa, se não mesmo de abertura à possibilidade. Manifestações de católicos conceituados deram a impressão de que em uma igreja onde ninguém se atreve a começar a dizer que o problema do clero é vital, a intempestiva sugestão da Comissão Real pode ser uma felix culpa.
Na Igreja Católica hoje, de fato, existem padres casados (muitos), especialmente nas igrejas orientais. Mesmo na Igreja latina existem (poucos) padres casados: aqueles que abandonaram a comunhão anglicana e foram acolhidos, inclusive os casados, por um motu proprio de Ratzinger. Mas a regra do direito canônico continua sendo a de buscar vocações apenas entre os celibatários: o que é um problema não em relação à redução dos crimes perpetrados por homens, mas que atinge todas as comunidades.
Francisco aguarda que alguma conferência episcopal apresente a ele o problema do clero e do celibato. Mas ninguém que dar a primeira palavra. A última esperança do papa é que o próximo Sínodo da Amazônia afirme que para celebrar a eucaristia não é preciso um padre necessariamente celibatário, mas um padre necessariamente santo; e que para pastorear uma comunidade não é preciso um pastor necessariamente do sexo masculino, mas um pastor necessariamente cristão. Mas é uma esperança urgente: na pressa cristã do Papa Francisco, até mesmo uma recomendação esquisita, nascida de uma tragédia em si inadmissível, poderia ser usada para fazer uma pergunta diante da qual todos fogem.
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Francisco e a fronteira do celibato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU