21 Agosto 2017
“Buscar respostas no fanatismo religioso é enganoso. O integralismo islâmico é usado como instrumento afetivamente anestesiante, mais ou menos como uma substância dopante.”
A opinião é do psiquiatra e psicanalista greco-italiano Sarantis Thanopulos, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 20-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "vivemos em uma terrível dissociação entre qualidade e quantidade, entre desejos e necessidades, promovida por um sistema econômico que expropriou a política do seu papel, concentrando nas suas mãos um poder de ação enorme. Sem, por isso, ser capaz de resolver nenhum dos enormes problemas reais que nos afligem".
Os atentados na Espanha repetem o espetáculo do terror. A sua repetição, de acordo com mecanismos evasivos à capacidade de prevê-los e geri-los emotivamente, entorpece a capacidade de compreensão e nos leva a registrá-los internamente como fatalidade inevitável.
Buscar respostas no fanatismo religioso é enganoso. O integralismo islâmico é usado como instrumento afetivamente anestesiante, mais ou menos como uma substância dopante.
Os autores dos massacres não têm um passado credível como fiéis. Muitas vezes, a sua adesão a estereótipos religiosos de discriminação do outro é o produto de uma mudança de visual rápida. Eles não são sequer verdadeiros deserdados sociais, mesmo quando estão inseridos, de uma forma bastante marginal, em ambientes ilegais. As suas famílias de origem parecem estar, na maioria das vezes, bastante integradas, pelo menos no perfil econômico.
Esses autômatos que matam atacando massivamente, na realidade, são desajustados totais (mesmo que sejam descritos como “normais”), psiquicamente deserdados. Privados de qualquer esperança de dar sentido e profundidade à sua existência, são forçados a agir em vez de sentir.
Aos psicanalistas, é bem conhecido o fenômeno de acting: a redução a pura ação da imaginação e dos sonhos, além dos próprios sentimentos e da possibilidade de pensá-los e de significá-los. Ele permite a descarga da tensão ligada aos conflitos psíquicos e evita a fadiga, às vezes insustentável, da sua elaboração.
O agir persegue necessariamente a demolição das próprias emoções e desejos, e pode levar a sérios danos existenciais e materiais de si e dos outros. Tem um caráter preterdoloso (1) (mesmo quando se envolve em alegações) porque se desdobra como constrição interna que priva a intencionalidade de significado.
No entanto, mesmo nas suas formas mais extremas, que levam a uma desumanização das relações, ele conserva um valor simbólico, que, não podendo ser captado pelo agente, é direcionado ao olhar de um potencial espectador externo, como último e inconsciente apelo à possibilidade de uma significação.
Jogar-se com caminhões ou carros sobre a multidão ou matar por esfaqueamento não são uma mera “conveniência” logística. Eles têm o seu próprio valor simbólico: a vida como violência do incidente, do acaso, que anula a causalidade psíquica (a possibilidade de significá-la) ou a supremacia da força inumana do “metal” sobre a “carne viva” da experiência afetiva.
A visão existencial cega dos deserdados psíquicos que matam para não viver – identificando-se com o poder metálico da morte, da casualidade, do preterdolo do existir – se reflete na cegueira ética da nossa civilização atual que a gera.
Vivemos em uma terrível dissociação entre qualidade e quantidade, entre desejos e necessidades, promovida por um sistema econômico que expropriou a política do seu papel, concentrando nas suas mãos um poder de ação enorme. Sem, por isso, ser capaz de resolver nenhum dos enormes problemas reais que nos afligem.
De acordo com uma elegante expressão de Ginevra Bompiani, a nossa época é a do presente remoto, da incapacidade de estar perto daquilo que acontece, para poder estar também criticamente distante.
Moussa Oukabir, o jovem de 17 anos protagonista do atentando nas Ramblas, fala-nos de uma adolescência sem futuro que nos arranca do passado e torna o presente insensato: um puro acontecimento de fatos dos quais só podemos nos manter longe ou acabar sendo sugados, pensando que somos os seus artífices.
1. - Na linguagem jurídica, trata-se do delito cuja gravidade vai além do que ter sido a intenção do culpado. (Nota de IHU On-Line).
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Nós, prisioneiros da era do presente remoto. Artigo de Sarantis Thanopulos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU