Por: André | 17 Mai 2016
Em uma entrevista para o jornal La Croix, o Papa Francisco volta a falar sobre a imigração provocada pelas guerras no Oriente Médio e África e pelo subdesenvolvimento, sobre os traficantes de armas e a integração. Em relação à eutanásia e as uniões civis: quando uma lei é aprovada, o Estado deve respeitar as consciências; a objeção é um direito humano também para os funcionários públicos.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 16-05-2016. A tradução é de André Langer.
Migrantes, guerras e subdesenvolvimento
À pergunta sobre a capacidade de acolher tantos migrantes no Velho Continente, Francisco respondeu da seguinte maneira: “É uma boa pergunta, porque não se pode abrir as portas de maneira irracional. Contudo, a pergunta de fundo é: por que existem agora tantos migrantes? O problema inicial são as guerras no Médio Oriente e na África, bem como o subdesenvolvimento na África, que causa fome. Se há guerras é porque existem fabricantes de armas – o que se justifica para razões de defesa – e porque há traficantes. Se há subdesenvolvimento é porque há falta de investimento capaz de gerar emprego, de que a África tanto necessita”.
O mercado inteiramente livre não funciona
“De forma mais geral – insistiu o Papa – isto levanta o problema de um sistema econômico mundial que caiu na idolatria do dinheiro. Mais de 80% das riquezas da humanidade estão nas mãos de 16% da população. Um mercado inteiramente livre não funciona. Os mercados em si são bons, mas precisam de um terceiro ou de um Estado para monitorá-los e equilibrá-los. Com outras palavras, uma economia social de mercado".
Integrar e não criar guetos para os migrantes
“Voltando ao tema dos migrantes – continuou o Pontífice –, a pior forma de acolhida é criar guetos. Pelo contrário, é necessário integrá-los. Em Bruxelas, os terroristas eram belgas, filhos de imigrantes, mas cresceram num gueto. Em Londres, o novo prefeito (Sadiq Khan, filho de muçulmanos paquistaneses) assumiu o seu cargo numa catedral e certamente vai conhecer a rainha. Isto mostra que a Europa precisa redescobrir a sua capacidade de integrar.
Estou pensando em Gregório Magno, que negociou com povos conhecidos como bárbaros, que depois se integraram. Esta integração será tanto mais necessária agora, uma vez que, devido a uma procura egoísta de bem-estar, a Europa está passando por um grave problema de natalidade."
Medo da conquista islâmica
Francisco, em seguida, respondeu a uma pergunta sobre o medo do islã nas sociedades europeias: “Hoje, não acredito que se tenha medo do islã – disse –, mas do Estado Islâmico e de sua guerra de conquista, que em parte é tirada do islã. É verdade que a ideia da conquista é inerente ao espírito do islã. Mas se poderia interpretar com a mesma ideia de conquista o final do Evangelho de Mateus, quando Jesus envia seus discípulos a todas as nações.
Diante do atual terrorismo islâmico, seria melhor nos interrogarmos sobre a maneira como um modelo muito ocidental de democracia foi exportado para países como o Iraque, onde existia um governo forte anteriormente. Ou na Líbia, onde existia uma estrutura tribal. Não podemos seguir em frente sem levar em consideração esta cultura. Como dizia um líbio algum tempo atrás: ‘Nós estávamos acostumados a ter um Gadafi, agora temos cinquenta’.
A coexistência entre cristãos e muçulmanos ainda é possível. Eu provenho de um país em que convivíamos bem”.
O laicismo e a religião na esfera pública
O Papa também respondeu a uma pergunta sobre o modelo do laicismo francês. “Os Estados devem ser seculares, os Estados confessionais acabam mal – disse. São contra a história. Eu penso que uma versão do laicismo, acompanhado por uma sólida lei que garanta a liberdade de religião, oferece um marco de referência para seguir em frente.
Todos somos filhos e filhas de Deus, com nossa dignidade pessoal. Cada um deve ter a liberdade de expressar sua própria fé. Se uma muçulmana quer usar o véu, deve poder fazê-lo. Da mesma maneira, se um católico quer usar um crucifixo. As pessoas devem ser livres para professar sua fé no coração de suas próprias culturas e não apenas nas margens.
A modesta crítica que eu gostaria de fazer à França tem a ver com o fato de que exagera com o laicismo. Isto leva a considerar as religiões como subculturas em vez de culturas a pleno título e com seus direitos. Temo que esta abordagem, um compreensível patrimônio do Iluminismo, continua a existir.
A França precisa dar um passo em frente sobre este tema para aceitar o fato de que a abertura à transcendência é um direito para todos.”
As leis contra o direito à objeção de consciência
Também perguntaram a Francisco sobre como os católicos devem defender suas convicções perante leis como a eutanásia ou as uniões civis. “Cabe ao Parlamento discutir, argumentar, explicar e dar razões sobre estas questões. É assim que uma sociedade cresce. Contudo, uma vez que a lei é adotada, o Estado deve também respeitar as consciências.
O direito à objeção de consciência deve ser reconhecido no contexto da estrutura jurídica, porque se trata de um direito humano. Isto abrange também os funcionários públicos, que também são humanos. O Estado deve também levar em consideração as críticas. Esta seria uma verdadeira forma de laicismo.
Não se pode arquivar os argumentos propostos pelos católicos dizendo simplesmente que ‘falam como um padre’. Não, eles se fundamentam nesse tipo de pensamento cristão que a França desenvolveu tão bem.”
Os leigos, o clericalismo e os lefebvrianos
Durante a entrevista, sobre a falta de sacerdotes, Francisco deu o exemplo da Coreia, um país que “durante 200 anos foi evangelizado pelos leigos”. Depois, explicou, “para evangelizar, não há necessariamente necessidade de sacerdotes. O batismo dá a força para evangelizar”.
O Papa voltou a denunciar a enfermidade do clericalismo, que “é particularmente forte na América Latina. Se a piedade popular é forte, é, precisamente, porque é a única iniciativa dos leigos que não foi clericalizada. Isto não é compreendido pelo clero”.
Francisco também falou sobre as relações com a Fraternidade São Pio X, fundada pelo arcebispo Lefebvre, e afirmou que o superior, dom Bernard Fellay, “é um homem com quem se pode dialogar”. E disse que os lefebvrianos são “católicos a caminho da plena comunhão”, recordando que o Concílio Vaticano II tem seu valor e que é preciso proceder no diálogo com os tradicionalistas “lentamente e com paciência”.
Ao final, defendeu o cardeal Philippe Barbarin, citado por casos de padres pederastas anteriores à sua chegada à Arquidiocese de Lyon, e indicou que, na sua opinião, não deve apresentar sua renúncia.
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“Diante do terrorismo islâmico, convém que nos interroguemos sobre como exportamos a democracia”. Entrevista com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU