13 Junho 2017
Uma primeira-ministra britânica muito enfraquecida terá que apresentar hoje ao seu Gabinete o acordo com os sindicalistas – partido tão de direita que chega a assustar muitos deputados conservadores. Na União Europeia há uma perplexidade cada vez maior.
A reportagem é de Marcelo Justo, publicada por Página/12, 12-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
O acordo com os sindicalistas da Irlanda do Norte tornou-se mais um tropeço em maio.
A questão não é se ela vai renunciar ou não após a vitória pírrica da última quinta-feira: a pergunta é quando. Será que vai ser esta semana, durante o verão britânico, na conferência do Partido Conservador, em outubro? Na análise quilométrica das edições de final de semana dos jornais britânicos, ninguém dá um real (ou uma libra) pela primeira-ministra Theresa May.
A única razão pela qual ninguém se coloca realmente é porque sua renúncia pode promover uma guerra interna entre os conservadores e aumentar ainda mais a possibilidade de novas eleições e um governo trabalhista. Em uma pesquisa pós-eleitoral, o partido de Jeremy Corbyn superou os conservadores pela primeira vez em anos e os apostadores consideram-no um favorito em caso de nova eleição, a terceira em dois anos.
O pragmatismo político conservador, no entanto, não é sólido nem suficiente para sustentá-la. Em um artigo no Sunday Times, a ex-diretora política do ex-primeiro-ministro David Cameron, Camilla Cavendish, disse que Theresa May continua com a mesma arrogância que a levou ao desastre na quinta-feira. "Seu discurso na sexta-feira me fez pensar que seus assessores haviam esquecido de contar-lhe o resultado da eleição. Esse 'Vamos trabalhar', que não reconhece a perigosa incerteza em que o país havia mergulhado, demonstrou uma arrogância que as pessoas começaram a perceber há semanas. Ela pensou que poderia triplicar a maioria das coisas que herdou de David Cameron sem dar nada a ninguém. Não deve faltar muito para que alguém desafie sua liderança e acabe substituindo-a", afirmou Cavendish.
O ex-ministro das finanças de Cameron, George Osborne, agora editor do jornal Evening Standard, disse que eram "os últimos passos de um homem", em referência ao famoso filme sobre um preso condenado à morte interpretado por Sean Penn (de uma mulher morta, nesse caso). O Sunday Times afirmou que cinco ministros de Theresa May haviam sondado o ministro das Relações Exteriores Boris Johnson para saber se ele lançou uma campanha para conseguir os 35 parlamentares conservadores necessários para desafiar a liderança dela e ativar o mecanismo de votação interna que culminaria na substituição da frente do partido e do governo (no sistema parlamentar britânico, o líder do partido com a maior bancada é o primeiro-ministro).
O acordo com os sindicalistas da Irlanda do Norte para recuperar a maioria parlamentar que as urnas os tiraram virou uma nova "gafe" de Theresa, que foi apelidada de "líder suprema", como uma espécie de Mr. Bean que não acerta uma, mas, ao contrário do personagem de Rowan Atkinson, ao invés de risos, desperta uma patética vergonha alheia. Com esse ar cada vez mais ridículo de governo competente e executivo, o escritório da primeira-ministra anunciou na sexta-feira que o acordo foi selado.
Quem a corrigiu sem piedade no sábado foram os sindicalistas, a quem há pouco tempo ninguém dava as horas e que com seus modestos 10 deputados agora parecem possuir as chaves do reino. De acordo com os sindicalistas, há negociações avançadas, mas muito o que refinar ainda. Na verdade, não só do lado dos sindicalistas. Se pouco sabe-se sobre o suposto acordo é porque os sindicalistas são um partido tão de direita (antigay, antiaborto, criacionista) que eles aterrorizam muitos parlamentares conservadores.
Uma primeira-ministra britânica muito enfraquecida terá que apresentar hoje ao seu Gabinete o pré-acordo com os sindicalistas para ver se eles o aprovam e convencer a Comissão 1922, que reúne os deputados conservadores na quarta-feira. O pacto com os sindicalistas tem mais um problema. De acordo com o acordo de paz de 1998 na Irlanda do Norte, que tem estatuto de tratado e é parte dos acordos internacionais da ONU, o governo britânico não pode favorecer nenhuma das partes na Irlanda do Norte. Os sindicalistas protestantes são, sem dúvida, uma das partes.
Em meio a esse impasse, parece que tudo se congelou, como se ninguém mais soubesse quem está tocando este barco, e muito menos para onde ele está indo. Na União Europeia há uma crescente confusão causada por este constante caos político britânico que começou convocando um referendo desnecessário sobre a permanência na União Europeia, perdendo no ano passado e seguindo a convocatória 10 meses depois de uma eleição geral, novamente sem necessidade, na qual ganhou votos, mas perdeu a maioria no parlamento.
Novamente procurando transmitir uma imagem de competição que não existe, o governo enviou uma mensagem à UE na sexta-feira à noite dizendo que o governo estava pronto e as negociações poderiam começar antes da próxima segunda-feira. Elmar Brok, um importante aliado de Angela Merkel, disse ao jornal The Observer de domingo que a situação atual aumenta as chances de fracasso nas negociações. "Agora os britânicos sabem quem é Theresa May. As negociações se tornaram muito mais difíceis, porque o governo do Reino Unido não tem autoridade real", disse Brok.
Muitos europeus preferiram ficar "nos bastidores", mas também pareceram críticos e pessimistas. Um grande negociador europeu disse ao Sunday Times com uma ironia violenta e ácida que era ótimo saber que o governo estava "strong and stable" (slogan de Theresa durante a campanha eleitoral). "A incerteza está crescendo, e é muito perigosa e frustrante", acrescentou, com mais seriedade.
O movimento trabalhista, que aumentou seus votos em 10% e garantiu 33 assentos, está promovendo um comitê inter-partidário no parlamento para avançar com um "soft Brexit" e acompanhar de perto o andamento das negociações. Ao contrário de Theresa, que durante a campanha ameaçou colocar tudo a perder se a UE não desse o que ela queria, a aliança do "soft Brexit" está buscando um acordo que preserve a integração econômica no mercado comum com um sistema de controle migratório que venha a servir no caso de uma eventual transição. Em meio a essa salada, ninguém tem a menor ideia da posição de negociação britânica na segunda-feira.
Nem Donald Trump escapou do desastre na quinta-feira. No final de janeiro, logo após a posse de Trump, Theresa May o convidou para uma visita de Estado. O convite foi amplamente questionado por muitos no Reino Unido e a confirmação da data ficou para mais tarde. De acordo com os jornais The Guardian e Daily Telegraph, o mesmo Trump disse que não iria ao Reino Unido se houvesse manifestações contra ele.
A recente intervenção de Trump criticando o prefeito de Londres, Sadiq Khan, logo depois dos ataques do sábado, dia 3 de junho, não favoreceu o entendimento bilateral, mas deu novo impulso às manifestações contra ele. De acordo com um diplomata britânico "nos bastidores" ao The Times, "ninguém quer falar sobre isso". Não há data e com a instabilidade política de ambos os países pode ser que nem ocorra este ano." E se não for este ano, será que Theresa e Trump ainda estarão nos cargos?
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