12 Mai 2017
Para o jurista Fábio Konder Comparato, o destaque do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o interrogatório do petista pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba, na quarta-feira (10), “demonstra claramente” que a acusação da compra do apartamento no Guarujá pelo próprio Lula ou por sua esposa, Marisa Letícia, é falsa. Porém, ele avalia que, embora o depoimento tenha mostrado não haver “absolutamente o menor indício de prova” contra Lula, existem interesses enormes por trás da Operação Lava Jato. “É óbvio que a Lava Jato vai procurar prender ou pelo menos incriminar o Lula. Porque isso faz parte, entre outras coisas, da política norte-americana”, diz. “Assim que a Dilma caiu, graças aos esforços de um senador chamado José Serra, eles conseguiram quase imediatamente desnacionalizar o pré-sal.”
A entrevista é publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 11-05-2017.
Ao comentar o destaque dado hoje pela imprensa comercial do país – segundo a qual Lula atribui a Marisa Letícia o interesse e decisões sobre o apartamento no litoral sul de São Paulo – Comparato ironiza a falta de provas materiais que respaldem as acusações contra o petista. “Veja só, essa é uma prova da falsidade do Lula.”
Eis a entrevista.
O que o sr. destacaria no depoimento de Lula?
A parte que vi demonstra claramente que essa acusação da compra do apartamento no Guarujá é falsa. Mas, de qualquer maneira, é obvio que a Operação Lava Jato vai procurar prender ou pelo menos incriminar o Lula. Porque isso faz parte, entre outras coisas, da política norte-americana. O Moro é, aliás, não digo um agente norte-americano (risos), mas ele é sem dúvida um grande amigo dos Estados Unidos. Ele fez o seu curso de pós-graduação lá. E vai quase todo mês aos Estados Unidos.
Ora, para os americanos, a presidência do Lula não foi nada agradável. Assim que a Dilma caiu, graças aos esforços de um senador chamado José Serra, ele conseguiram quase imediatamente desnacionalizar o pré-sal e depois foram vendendo a Petrobras aos poucos. O que significa que já tiveram este resultado muito importante. Mas o outro resultado importante foi tornar muito difícil a vida dos Brics com a saída do Brasil. O que eu vi no depoimento é que não há absolutamente o menor indício de prova ou qualquer coisa que seja possível apresentar como prova.
Os advogados de Lula falaram em “anomalia e patologia processual” contra o ex-presidente, na Lava Jato…
Sim, e sobretudo em um momento em que o juiz Moro perguntou ao Lula algo sobre o “mensalão”. Ora, se alguém ou alguma parte tivesse perguntado isso, no interrogatório de um réu ou no depoimento de testemunhas, ou seja, nesse caso do tríplex, o juiz iria impedir essa pergunta. E no entanto ele resolveu fazer a pergunta ele próprio.
O sr. concordaria com algumas avaliações de que o juiz Moro teria ficado de certa maneira desmoralizado no processo?
Desmoralizado diante de quem?
Diante da opinião pública.
A opinião pública é falseada pelos meios de comunicação de massa.
A reação popular e a mobilização a Curitiba configuraria um tiro no pé da Lava Jato, como alguns avaliam?
Não, porque eles têm outros processos em andamento e, de qualquer maneira, se os americanos decidiram que o Lula não pode se candidatar, é óbvio que a Justiça brasileira vai impedir esta candidatura.
O sr. destacaria algum trecho específico do depoimento?
Eu vi… tudo aquilo que dizia respeito ao tríplex. Hoje o Estadão põe na primeira página algo como “Marisa tinha interesse no apartamento”. Veja só, essa é uma prova da falsidade do Lula.
A grande imprensa parte agora para essa nova narrativa, como se Lula não tivesse escrúpulos.
Exato, e como se o Lula não fosse uma pessoa adulta e responsável. Teria que responder pela Marisa. Sobretudo porque a Marisa já não está mais no mundo dos vivos, então ela não pode contestar essa questão.
Como o sr. viu a mobilização popular até Curitiba?
Muito boa a mobilização popular. Mas, pelo menos no que diz respeito aos meios de comunicação de massa, ela não foi divulgada.
Leia mais
- Contra o absolutismo do Judiciário, o controle social. Entrevista especial Fábio Konder Comparato. Revista IHU On-Line, N° 494
- Dom Paulo Evaristo Arns. Depoimento de Fábio Konder Comparato
- O Poder Judiciário no Brasil. Artigo de Fábio Konder Comparato
- A Justiça no Brasil é caolha. O egoísmo da corte que corrói a nação. Entrevista especial com Fábio Konder Comparato
- Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro. cadernos IHU ideias, N° 205
- 'Transformado em circo, encontro de Lula e Moro esfola a democracia'
- Lula versus Moro: muito barulho, pouca novidade
- Lula no centro do palco da Lava Jato. Reflexões sobre os desdobramentos do “depoimento de Curitiba”
- Curitiba tensa, com bloqueios e desvios de ônibus, recebe atos a favor e contra Lula
- Lula, marionete, fetiche e quixote da Odebrecht
- Lula e eu, por Emílio Odebrecht
- Cenários para 2018: Lula, Doria e 'sangramento' de Temer
- "O golpe não foi dado para devolver o poder a Lula". Entrevista com Lincoln Secco
- Quem vota em Lula
- Para o STF, Sarney merece foro privilegiado; Lula, não
- Xadrez da saudade de Lula
- O Brasil está pronto para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro?
- A imprensa brasileira e o controle social
- A Lava Jato e o Partido dos Trabalhadores
- O suicídio da Lava Jato
- Lava Jato não derruba governo, mas economia "acirra crise política", diz conselheiro de Temer
- Retrocessos marcam um ano de aceitação do impeachment
- Operação Lava Jato: comunicação mediada e apelação midiática
- Lava Jato e Carne Fraca atingem a medula do sistema patrimonialista. Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves
- “A Operação Lava Jato precisa chegar ao poder Judiciário”
- Politizada, Lava Jato chega perto do fim sem resultado claro, diz revista
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Comparato: ‘Prender ou pelo menos incriminar Lula faz parte da política norte-americana’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU