11 Março 2017
A distância física e a enorme distância cultural e informativa fazem com que se fale muito pouco de casos tão graves como a limpeza étnica de que está sendo vítima o povo rohingya. Trata-se de 1,3 milhão de muçulmanos perseguidos e maltratados em um regime de verdadeiro apartheid na Birmânia. Este é um país budista onde a minoria étnica e religiosa está vivendo desde o século XVIII, apesar de que são tratados como imigrantes ilegais. A situação dos rohingya, sem acesso à educação ou à saúde e com total restrição de movimentos, é dramática há décadas, mas se agravou nos últimos anos.
A reportagem é publicada por El Mundo Editorial, 10-03-2017. A tradução é de André Langer.
A Birmânia, um país em transição da ferrenha ditadura militar para o sistema democrático limitado, em que acaba de entrar, viu como o nacionalismo budista profundamente islamofóbico se estende de forma vertiginosa. E, nesse cenário, setores do exército e grupos paramilitares empreenderam uma campanha de limpeza étnica, que inclui chacinas, violações em massa de mulheres, saques, prisões arbitrárias e uma política de terra arrasada, tudo com o propósito de exterminar os rohingyas. Estamos diante de um genocídio, mas, ao menos até agora, a comunidade internacional fez-se de surda, apesar das reiteradas denúncias das organizações de direitos humanos. Uma vergonhosa omissão.
Sobreviventes do último massacre perpetrado por soldados birmanos em um território próximo à fronteira com Bangladesh – onde já há dezenas de milhares de refugiados – relataram ao El Mundo o horror sofrido. “Os soldados queimaram vivo o meu filho de oito anos”, relata uma das vítimas com voz embargada. Os testemunhos não apenas revelam a barbárie, mas demonstram que estamos diante de um plano de extermínio que não poderia ocorrer sem a conivência do Estado.
É por isso que a indignação da opinião pública é maior, já que, atualmente, quem lidera o país é a Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. Uma manobra do estamento militar durante a redação da nova Constituição birmana, impediu-a de ser presidente titular, mas é ela quem toma as rédeas do país. Durante mais de duas décadas em prisão domiciliar, Suu Kyi transformou-se em um símbolo mundial da luta na defesa dos direitos humanos. Sua luta foi decisiva para acabar com a ditadura castrense e não cedeu em uma incansável campanha para que a decaída nação do sudeste asiático recuperasse algumas liberdades básicas. Por tudo isso, provocou grande decepção mundial o covarde silêncio de Aung San Suu Kyi diante da limpeza étnica contra os rohingya. Treze Prêmios Nobel, entre eles Desmond Tutu e Malala, criticaram abertamente a dirigente birmana por, no mínimo, estar fechando os olhos diante deste autêntico genocídio.
Até o momento, a relatora especial da ONU para a Birmânia quer que se crie uma comissão independente para investigar os crimes contra a humanidade que estão sendo cometidos. Surpreendentemente, a União Europeia não parece disposta a apoiar a iniciativa porque, desde a ascensão ao poder de Suu Kyi, Bruxelas mostrou-se muito tímida na denúncia da violação dos direitos humanos pelo governo de Rangum. Não se pode tolerar tanta complacência. Se a comunidade internacional continuar durante mais tempo de braços cruzados, será cúmplice de um genocídio.
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Birmânia. O covarde silêncio de Suu Kyi diante de um autêntico genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU