10 Agosto 2015
O Papa Francisco entrou novamente em um território geopolítico polêmico, dizendo duramente nesta sexta-feira (7) que o tratamento do governo birmanês à populosa e perseguida minoria rohingya constitui uma guerra contra os seus membros.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 07-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em declarações dirigidas a um grupo de jovens no Vaticano que, em parte, se focou no papel do conflito e da tensão na vida das pessoas, o pontífice discursou sobre os conflitos mundiais “que não se sabe como resolver e que acabam em guerra”.
“Pensamos nos nossos irmãos rohingya”, continuou o papa, referindo-se à minoria birmanesa de cerca de 1,3 milhão de pessoas que atraíram a atenção da imprensa internacional no início deste ano por causa de sua migração em massa a países do sudeste asiático.
“Eles foram perseguidos em um país, depois em outro e agora em outro”, disse Francisco sobre a situação do grupo étnico. “Quando chegam a um porto ou a uma praia, eles recebem um pouco de água e um pouco para comer e, então, os mandam de volta para o mar”.
“Este é um conflito não resolvido, uma guerra. Isso se chama violência, se chama assassinato”, continuou.
“É verdade: se eu tenho um conflito com você e eu o mato, o conflito acaba”, disse o papa, acrescentando logo em seguida: “Mas este não é o caminho!”
O povo rohingya é um grupo étnico localizado principalmente na parte ocidental de Myanmar, anteriormente conhecido como Birmânia. Só entre os meses de janeiro março cerca de 25 mil rohingyas fugiram por barco de Myanmar, de acordo com estimativas da ONU.
Os rohingyas não são reconhecidos pelo governo birmanês e também não recebem status de cidadãos do país. Aproximadamente 810 mil pessoas em Myanmar não têm cidadania, também de acordo com as estimativas das Nações Unidas.
Francisco falou sobre a situação do povo rohingya como parte de um longo e improvisado discurso para jovens no Vaticano, que também o viu dar um extenso aconselhamento pessoal sobre como os jovens deveriam conviver com a tensão e o conflito em suas famílias e na sua vida em geral.
O papa estava falando aos jovens representantes do Movimento Eucarístico Juvenil, grupo católico internacional que visa formar jovens na espiritualidade e na fé. O grupo está realizando um congresso internacional em Roma para celebrar o seu 100º aniversário.
Respondendo a perguntas feitas por seis dos jovens do encontro, o papa também falou sobre as maiores dificuldades que enfrenta em sua própria vida espiritual e reiterou a sua exortação já conhecida, de que os jovens venham conhecer os seus avós.
Mas, na maior parte, Francisco falou sobre o papel do conflito e da tensão na vida diária.
“O que seria de uma sociedade, uma família, um grupo de amigos sem tensões e sem conflitos? Sabem como seria?”, perguntou o pontífice aos jovens.
“Um cemitério. Porque tensões e conflitos só inexistem nas coisas mortas. Quando existe vida, há tensão e há conflito”.
“Como se resolve uma tensão?”, perguntou-se Francisco. “Com diálogo. Quando há diálogo em uma família, quando nela há esta capacidade de se dizer espontaneamente o que se está pensando, as tensões se resolvem bem”.
“Não temam as tensões!”, disse. “Mas sejam espertos também! Porque se vocês gostarem da tensão pela própria tensão, isso os fará ficar doentes e vocês se tornarão jovens que adoram estar sempre sob tensão. Não: isso não. A tensão vem para nos ajudar a dar um passo em direção à harmonia”.
O papa falou da situação do povo rohingya em resposta a uma pergunta de um jovem indonésio, que lhe perguntou sobre os conflitos em seu próprio país.
“O conflito, para ser bem conduzido, deve estar orientado no sentido da unidade”, disse Francisco.
“Em uma sociedade como a sua, que tem uma cultura com culturas diferentes dentro, deve-se procurar a unidade, mas com respeito a cada identidade particular”.
A seguir, o pontífice falou do Oriente Médio, dizendo que muitas minorias religiosas em toda a região, especialmente minorias cristãs, não estão sendo respeitadas e estão sendo perseguidas ou mortas por causa de suas crenças.
Em resposta uma pergunta sobre a sua maior luta espiritual, Francisco disse que sua maior luta é a de saber distinguir entre o tipo de paz concedida por Deus e aquela oferecida pelo diabo.
Onde Jesus oferece uma paz de profunda alegria, disse o papa, o diabo oferece uma paz “superficial” que só nos faz feliz por um curto período de tempo. Dentro do tipo de paz oferecido pelo diabo, disse ele, há uma “farsa”.
“Aqui é necessário pedir a graça, para saber como distinguir, para saber qual a paz de Jesus e que a paz que vem do inimigo, que nos destrói”, disse Francisco.
“O diabo sempre destrói”, disse o papa. “Ele faz acreditar que este é o caminho e, depois, no final, ele te deixa sozinho”.
“Lembre-se disso”, continuou Francisco. “O diabo é um mau pagador; ele nunca paga bem; sempre nos faz ver as coisas maquiadas! Ele é um bandido! Ele disfarça as coisas para que acreditemos que elas são boas, que nos trarão a paz, de forma que vamos até elas e, no final, não encontramos a felicidade”.
“Qual é o sinal da paz de Jesus?”, perguntou o papa. “O sinal é aquela alegria, a alegria profunda: o diabo nunca nos dá alegria. Ele dá um pouco de diversão; ele faz um pouco do circo, nos faz feliz por um instante, mas não nos dá alegria”.
Francisco terminou a sua audiência com os jovens pedindo-lhes que não se esqueçam de falar com os seus avós, a quem chamou de os “grandes esquecidos” do nosso tempo.
Os avós, completou o papa, “têm a memória da vida, a memória da fé, a memória de tensões, a memória de conflitos”.
Recordando uma anedota, o pontífice disse que, numa de suas recentes Audiências Gerais, na Praça de São Pedro, enxergou uma senhora idosa no meio da multidão e pediu ao seu motorista parar o papamóvel de forma que pudesse cumprimentá-la.
Ao sair do carro, o papa disse ter perguntado à mulher sobre sua idade. Dizendo que ela tinha de 92, Francisco falou que lhe pediu a “receita” para viver tanto tempo.
Segundo o pontífice, ela respondeu, em tom de brincadeira: “Eu como ravioli!”. "E sou eu faço", completou a mulher, narrou o Francisco, sob aplausos da plateia juvenil.
“Esta é uma anedota para lhes dizer que sempre vão encontrar uma surpresa com os seus avós”, disse Francisco aos jovens. “Os avós sempre nos surpreendem: Eles sabem como nos ouvir, eles têm paciência”.
O papa terminou a audiência com um tom de encorajamento para com aquilo que chamou de uma era violenta, de uma “terceira guerra mundial lutada em partes”.
“O mundo está em guerra”, disse aos jovens. “Mas há muitas coisas belas e boas. Há muitos santos escondidos entre o povo de Deus”.
“Deus está presente”, disse Francisco, repetindo: “Deus está presente. E há muitos sinais de esperança para seguirmos frente. Tenham coragem e sigam em frente!”
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Francisco: tratamento birmanês à minoria Rohingya é uma forma de “guerra” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU