18 Janeiro 2017
“O mundo está cheio de empresas lideradas por homens iluminados que entenderam que a única prosperidade sustentável é a prosperidade compartilhada. Eles entenderam que, nos países onde a desigualdade cresce desmedidamente, as regras terão que ser reescritas para favorecer investimentos de longo prazo, um crescimento mais rápido e uma prosperidade compartilhada.”
A opinião é do economista estadunidense Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Columbia University. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 16-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos anos, encontrando-se em Davos, os líderes do mundo econômico e empresarial classificaram a desigualdade como um dos maiores riscos para a economia global, reconhecendo que se trata de uma questão econômica, além de moral. Não há dúvida de que, se os cidadãos não têm renda e progressivamente perdem poder aquisitivo, as corporações não terão como crescer e prosperar. O FMI é da mesma ideia e alerta que funcionam melhor aqueles países onde há menos desigualdade.
Se a maioria dos cidadãos sentem que não se beneficiam o suficiente dos proventos do crescimento ou que são penalizados pela globalização, acabarão se rebelando contra o sistema econômico em que vivem. Na realidade, depois do Brexit e dos resultados das eleições estadunidenses, devemos nos perguntar seriamente se essa rebelião já não começou. Aliás, seria totalmente compreensível. Nos Estados Unidos, a renda média de 90% dos mais pobres estagnou há 25 anos, e a expectativa de vida começou, em média, a diminuir.
Há anos, a Oxfam fotografa os níveis cada vez mais acentuados da desigualdade global e nos lembra que, em 2014, os super-ricos eram 85 – muitos dos quais estão presentes em Davos –, detendo a mesma riqueza da metade da população mais pobre (3,6 bilhões de pessoas ). Hoje, quem detém essa riqueza são apenas oito pessoas.
É claro, portanto, que, em Davos, a questão da concentração da riqueza nas mãos de pouquíssimos continuou tendo espaço. Só para alguns ela continua sendo uma questão moral, mas para todos é uma questão econômica e política que põe em jogo o futuro da economia de mercado do modo como a conhecemos. Há uma pergunta que assombra, sessão após sessão, os membros do Fórum: “Há algo que as corporações podem fazer em relação à chaga da desigualdade, que coloca em risco a sustentabilidade econômica, política e social do nosso democrático sistema de mercado?”. A resposta é sim.
A primeira ideia, simples e eficaz, é que as corporações paguem a sua justa cota de impostos, uma peça imprescindível da responsabilidade empresarial, deixando de recorrer a jurisdições fiscais facilitadas. A Apple poderia sentir que foi injustamente posta na mira dentre tantas, mas, no fundo, apenas se esquivou um pouco mais do que outros. Renunciar a jurisdições secretas e a paraísos fiscais societários, estejam eles no país ou offshore, no Panamá ou nas Ilhas Cayman no hemisfério ocidental, ou na Irlanda e em Luxemburgo na Europa. Não encorajar os países em que se opera para participar como protagonistas da prejudicial corrida ladeira abaixo sobre a tributação dos lucros das empresas, em que os únicos a perder realmente são os pobres em todo o mundo.
É vergonhoso que o presidente de um país se orgulhe de não ter pago os impostos por quase 20 anos – sugerindo que são mais espertos aqueles que não pagam – ou que uma empresa pague 0,005% de imposto sobre os seus lucros, como fez a Apple. Não é coisa de espertos, é imoral.
A África sozinha perde 14 bilhões de dólares em receita por causa dos paraísos fiscais usados pelos seu super-ricos: a esse respeito, a Oxfam estimou que o número seria suficiente para pagar os custos de saúde para salvar as vidas de quatro milhões de crianças e empregar um número de professores suficientes para mandar para a escola todas as crianças daquele continente.
Há, depois, uma segunda ideia igualmente fácil: tratar os próprios empregados de modo digno. Um empregado que trabalha em tempo integral não deveria ser pobre. Mas é o que acontece: no Reino Unido, por exemplo, vivem na pobreza 31% das famílias em que há um adulto que trabalha. Os mais altos gestores das grandes corporações estadunidenses levam para casa cerca de 300 vezes o salário de um empregado médio. É muito mais do que em outros países ou em qualquer outro período da história, e essa tesoura enorme não pode ser explicada simplesmente pelos diferenciais da produtividade.
Em muitos casos, os administradores embolsam enormes somas apenas porque nada os impede de fazer isso, mesmo que isso signifique prejudicar os outros empregados e, a longo prazo, comprometer o próprio futuro da empresa. Henry Ford tinha entendido a importância de um bom salário, mas os dirigentes de hoje perderam o conhecimento disso.
Por fim, há uma terceira ideia, cada vez mais fácil, mas mais radical: investir no futuro da empresa, nos seus empregados, em tecnologia e no capital. Sem isso, não haverá trabalho, e a desigualdade só vai crescer. Atualmente, ao contrário, uma parcela cada vez mais consistente de lucro acaba com os acionistas ricos. Um exemplo dentre todos vem da Grã-Bretanha, onde, em 1970, iam aos acionistas 10% dos lucros da empresa; hoje, são 70%.
Historicamente, os bancos (e o setor financeiro) desempenharam a importante função de recolher a poupança das famílias para investir no setor empresarial para construir fábricas e criar postos de trabalho. Hoje, nos Estados Unidos, o fluxo líquido de dinheiro faz exatamente o caminho contrário.
No ano passado, Philip Green, magnata britânico do varejo, foi acusado por uma comissão parlamentar de não ter investido o suficiente na sua empresa e por ter buscado o seu próprio ganho pessoal, chegando à falência e a um déficit previdenciário de 200 milhões de libras. Por mais que ele fosse incensado e adulado pelos governos que se sucederam, promovido a cavaleiro do reino e considerado um farol da economia britânica, aquela comissão parlamentar não poderia escolher palavras mais exatas ao defini-lo como “o rosto inaceitável do capitalismo”.
As multinacionais sabem que o seu sucesso não depende apenas das leis da economia, mas também das escolhas de política econômica que cada país faz. É por isso que elas gastam tanto dinheiro para fazer lobby. Nos Estados Unidos, o setor bancário exerceu o seu poder de influência para obter a desregulamentação, atingindo o próprio objetivo. Os contribuintes obrigados a pagar uma conta salgada por aquilo que aconteceu depois sabem algo a respeito.
Ao longo dos últimos 25 anos, em muitos países, as regras da economia liberal foram reescritas, com o resultado de reforçar o poder do mercado e de fazer explodir a crise da desigualdade. Muitas corporações, depois, foram particularmente hábeis – mais do que em qualquer outro campo – em desfrutar de uma renda de posição – ou seja, em conseguir garantir uma fatia maior da riqueza nacional, exercendo um poder monopolista ou obtendo favores dos governos.
Mas, quando os lucros têm essa origem, a própria riqueza de uma nação está destinada a diminuir. O mundo está cheio de empresas lideradas por homens iluminados que entenderam que a única prosperidade sustentável é a prosperidade compartilhada. Portanto, não usam a própria influência para orientar a política a fim de manter uma determinada posição de renda financeira. Eles entenderam que, nos países onde a desigualdade cresce desmedidamente, as regras terão que ser reescritas para favorecer investimentos de longo prazo, um crescimento mais rápido e uma prosperidade compartilhada.
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"A única prosperidade sustentável é a prosperidade compartilhada." Artigo de Joseph Stiglitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU