17 Novembro 2016
“A voz de Francisco se levanta isolada entre os poderosos da Terra, entre os quais o papa não busca nenhuma margem. Para procurar companheiros de caminho, o seu olhar está dirigido para outros lugares.”
O comentário é do médico italiano Vittorio Agnoletto, professor da Università degli Studi di Milano, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 15-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De 2 a 5 de novembro, eu participei do 3º Encontro dos Movimentos organizado no Vaticano pelo Papa Francisco: 180 ativistas sociais provenientes de todo o mundo, chamados a discutir, durante quatro dias, sobre os temas do trabalho, da casa e da Terra.
O clima era o dos Fóruns Sociais Mundiais, os manifestos e as bandeiras penduradas nas paredes, no palco os cartoneros de Buenos Aires, os povos indígenas australianos para reivindicar os seus direitos ao lado de João Pedro Stédile, líder dos Sem-Terra, de Vandana Shiva, de Ignacio Ramonet, fundador do Le Monde Diplomatique, de "Pepe" Mujica, ex-presidente do Uruguai; todos sentados ao lado do cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, e do Pe. Luigi Ciotti, presidente da associação Libera.
O que eu vivi naqueles quatro dias era completamente impensável (e não só para mim): não acreditei nisso até que eu vi e ouvi com meus próprios olhos e os meus ouvidos. Primeiro, os representantes dos movimentos de todo o mundo ilustraram os objetivos que surgiram nos dias anteriores; um grupo musical tocou, dentre outras, uma canção dedicada aos partidários curdos, e um filme mostrava os agricultores que trabalhavam nos campos, enquanto, ao fundo, o papa condenava aqueles que exploram o seu trabalho, e na tela apareciam as imagens de Wall Street.
Um discurso, preciso, claro, o de Francisco, que não dá lugar a interpretações diferentes. Não existem religiões ou povos terroristas, em vez disso, existem grupos individuais que praticam o terrorismo; depois, existe o terrorismo de Estado, que semeia o medo com o objetivo de reduzir os direitos humanos. Devemos rejeitar todos os muros, praticar a acolhida, sabendo que há causas estruturais que produzem emigrações, e não faz sentido distinguir entre migrantes econômicos e aqueles que fogem da guerra.
É inaceitável que, quando um banco entra em falência, logo se encontre o dinheiro para salvá-lo e que, para socorrer e acolher os migrantes, sempre falte dinheiro. Devemos combater a especulação financeira e o deus dinheiro que, para muitos, tornou-se o único motivo de vida. Não basta fazer assistência, é o sistema que deve ser mudado; caso contrário, às vezes, acaba-se garantindo uma espécie de credibilidade a um sistema podre.
Um discurso que vai bem além da doutrina social da Igreja, fortemente em sintonia com a teologia da libertação e com aquilo que os movimentos altermundistas defendem há 15 anos. Francisco não é um líder político, muito menos tornou-se o líder dos movimentos sociais, mas certamente, sobre os temas sociais, da justiça e da igualdade (sobre outros assuntos, obviamente, permanecem diferenças até mesmo significativas) ele se tornou uma referência ética imprescindível.
Francisco escolheu se encarregar dos destinos de todos, não só da Igreja. Ele parece consciente de que o destino da humanidade, em particular o dos bilhões de pobres, está cada vez mais em risco pelo atual modelo de desenvolvimento, a própria Mãe Terra está em risco por causa das mudanças climáticas e da devastação do território.
Francisco, com as suas palavras e com as suas ações, parece afirmar que não há futuro para a Igreja senão dentro de um caminho compartilhado com todos os homens e as mulheres de boa vontade, independentemente do credo religioso de cada um.
Há mais de 50 anos, João XXIII se inseria em uma fase da história que preparava um grande despertar democrático. Era a época de Kennedy, agora há Trump, e a voz de Francisco se levanta isolada entre os poderosos da Terra, entre os quais o papa não busca nenhum espaço. Para procurar companheiros de caminho, o seu olhar está dirigido para outros lugares.
Não é por acaso que ele não seja muito amado nas salas do Vaticano e nos palácios romanos; não é por acaso que a mídia italiana ignorou o encontro; também nem é por acaso que as grandes associações católicas optaram por desertar a audiência do dia 5 de novembro: elas, evidentemente, consideraram que as palavras do apelo de Francisco não eram para elas.
"Este sistema atrofiado pode oferecer certos implantes cosméticos que não são um verdadeiro desenvolvimento [...] enquanto não forem resolvidos radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e, definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais."
Não é difícil imaginar como é desagradável o som dessas palavras aos ouvidos daqueles que se obstinam em defender, com a força ou com a preguiça, o atual sistema.
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Papa Francisco e o encontro (censurado) com os movimentos sociais mundiais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU