19 Mai 2011
Há histórias que são consideradas gastas. Por overdose de palavras e de imagens, por saturação de memórias, por coação à repetição de lugares-comuns. E, na verdade, os dias do G8 de Gênova são uma dessas histórias.
A reportagem é de Carlo Bonini, publicada no jornal La Repubblica, 18-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Torna-se então surpreendente descobrir quanta matéria viva essa passagem da nossa história política recente ainda mantém. Como o tempo – dez anos em julho – por uma vez ajuda a retornar àqueles lugares com olhos e curiosidades diferentes. No esforço de reunir o que era e o que foi de uma geração do Movimento, do antagonismo italiano. A sua parábola, a sua implosão.
É a viagem não celebrativa em que Marco Imarisio embarcou, colunista do Corriere della Sera, testemunha inteligente e apaixonada daqueles dias de julho de 2001 e do que se seguiu, no seu La ferita: Il sogno infranto dei No Global italiani [A ferida: O sonho frustrado dos no global italianos] (Ed. Feltrinelli, 190 páginas).
Escrito com a força e o gosto de uma crônica, com o eufemismo de quem não tem respostas a dar, mas só muitas questões ainda a serem feitas, com o gosto pela busca do detalhe inédito que se torna metáfora de toda uma história (como a descoberta de um pacote de Rothmans [tabaco], que, fechado na gaveta de um professor do Piemonte, abriga um punhado de serragem encharcada com o sangue de Carlo Giuliani), La ferita é o relato de uma oportunidade perdida.
"Uma história muito italiana", escreve Imarisio. "Uma estranha mistura de personalismos, nobres gestos e ressentimentos. Um cupio dissolvi geral que não levou em conta as potencialidades expressas por aquele movimento. Como se os primeiros a não acreditar até o fim na sua capacidade fossem os proprietários da empresa". Que, evidentemente, têm um nome e sobrenome.
Vittorio Agnoletto, Luca Casarini, Francesco Caruso, Piero Bernocchi e o conjunto de líderes menos conhecidos, que com eles marcaram Gênova e contribuíram para administrar a sua herança, tornam-se, no relato de Imarisio, figuras melancólicas. Desde o início e desarmadas de repente, no dia seguinte ao 11 de setembro de 2001, por uma nova geopolítica que ninguém poderia prever. Quase sempre inadequadas ao desafio que o Movimento se tinha prefixado. Regularmente esmagadas entre a força de uma intuição política e social precoce (a catastroficidade financeira de uma economia financeira e especulativa; o desafio sobre os produtos agrícolas; a defesa da água contra a privatização; a questão climática) e o lastro, os tiques, o sectarismo, próprios de categorias políticas da esquerda movimentista dos anos 1970-1980.
E, no entanto, para matar "o sonho" contribuíram muitas mãos. Não só os "proprietários da empresa". Imarisio ilumina no tempo o cinismo da esquerda de governo e o fracasso estrondoso de Fausto Bertinotti e de Sergio Cofferati diante da urgência do Movimento de encontrar novas formas de representação política, de saída para a sua elaboração. A utopia narcisista do primeiro. A "traição" do segundo. Assim como documenta o reflexo de ordem e de pertença, os silêncios, que, nesses dez anos, orientaram as medidas dos dirigentes da Polícia de Estado e dos Carabinieri na temporada judiciária (além disso, ainda não concluída), que devia dar responsabilizações certas às violências de Gênova.
Uma escolha infortunada que impediu, junto com a verificação de uma verdade indiscutível e completa, a composição de uma memória compartilhada e, portanto, a cicatrização da ferida. Que multiplicou os rancores. Que progressivamente eliminaram os fatos, até anestesiar sua recordação (exemplar é a remoção que o país fez da a vergonha de "Bolzaneto").
Os no Global já não pertencem mais ao panorama político do país. Ainda existe o espaço do centro social Rivolta, onde, às vésperas do G8, os tute bianche [macacões brancos] fizeram as provas gerais das suas catapultas para atacar a zona vermelha.
"Agora – escreve Imarisio – é uma sala hipertecnológica para 2 mil lugares onde a Federação dos Empregados Operários Metalúrgicos - FIOM, os estudantes, os trabalhadores precários da escola tentam delinear um novo percurso comum, `Unidos contra a crise` (...) Estão tentando isso novamente, com um horizonte mais estreito, menos ilusões. Tentando levar consigo pelo menos a recordação daquela aventura".
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Gênova e os "no global": os dez anos perdidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU