06 Novembro 2016
“Não queremos outro dezembro negro!” Um desejo e uma vontade. A Argentina está atravessando tempos difíceis em matéria econômica e social. Os pobres são os mais prejudicados. Já começam a se agitar as águas da revolta, como acontece a cada ano quando dezembro se aproxima. Uma reação psicológica à recordação do ano 2001, quando, nesse mês, a crise eclodiu. Desses problemas falam também em Roma, onde vários líderes argentinos participam do 3º Encontro Mundial de Movimentos Populares, convocado pelo papa e que acontece no Pontifício Colégio Mater Ecclesiae.
Mas, a atitude de alguns deles está longe de querer o conflito. Pelo contrário, buscam evitá-lo e que a situação melhore. Como Mónica Crespo, na cidade de Rosario e líder do Movimento de Trabalhadores Excluídos. Ela acusou de “falatório” os rumores de iminente tensão em seu país. E pediu, em entrevista ao Vatican Insider, que se escute mais o Francisco, “porque ele não está equivocado”.
A entrevista é de Andrés Beltramo Álvarez e publicada por Vatican Insider, 02-11-2016. A tradução é de André Langer.
O que você falou neste Encontro dos Movimentos Populares?
Vim expor a situação que os companheiros recicladores da nossa Argentina estão passando. Em algumas cidades, como em Buenos Aires, tiveram avanços, obtiveram um salário, um reconhecimento do governo, uniformes de trabalho. Mas ficam muitas cidades nas quais seguir conquistando a dignidade dos companheiros trabalhadores. Parece-me bom poder ouvir a situação dos recicladores de diversos países, a situação da Mãe Terra. Interessa-nos a questão do sistema, do ambiente e da contaminação.
Que acordos vão assumir no final desta reunião?
Já não queremos continuar com a exposição do que acontece nas cidades; queremos tomar uma atitude e que a Igreja nos ajude neste passo. Pedimos, já que o Papa sempre se fixou nos mais humildes e despossuídos, que a Igreja nos ajude e participe em cada lugar.
O que significa esta convocatória do Papa Francisco?
É uma emoção muito grande que o Papa se preocupe com estes temas. Mas isso deveria ser algo normal. Acontece que quando o Papa se ocupa destas questões dizem: é comunista! Não. A Igreja toda deveria preocupar-se como o Papa Francisco se preocupa pelo sentir dos despossuídos, dos que mais sofrem, dos que estão mal, não têm trabalho, terra, teto.
Por que em alguns ambientes da Igreja os movimentos populares foram vistos com desconfiança no passado.
Pode ser, como em todos os lados, que algumas pessoas tenham agido mal, mas não devemos meter todos no mesmo saco. Eu gosto de dizer que represento esta classe de pessoas como eu, gosto de dizer isso e de senti-lo. Gosto de caminhar nas favelas, ter os pés no barro, machucar a minha mão e sentir a dor dos meus irmãos.
Que expectativas existem sobre o discurso do Papa deste sábado ao final do encontro?
Espero que comova o coração dos dirigentes que temos em cada país. Que chegue ao coração de cada presidente, porque creio que o Papa não está equivocado, este Papa argentino chegou no momento certo. Desejo que o ouçam, que deixem de pensar que está equivocado. Na Argentina, peço mais que seja ouvido, isto não é uma questão de política partidarista. Nós somos trabalhadores, nada mais. Queremos continuar na democracia, que este presidente ou o que vier depois do fim do seu mandato, que haja eleições, se eleja outro e estejamos unidos. Porque, ou estamos juntos para tirar o país desta situação ou não vamos conseguir.
É muito difícil. Nas cidades se queixam de que o governo não os escuta. Pedimos sobretudo isso, que comecemos a nos ouvir e que os nossos corações se abrandem.
Cada ano, quando se aproxima o mês de dezembro, na Argentina, fala-se de tensão social. Pode haver exageros nestas festas? Estão preocupados?
Não devemos dar crédito a este palavrório. Devemos estar em nossos bairros e conter as pessoas. Não queremos mais “dezembros negros”, não queremos mais mortos em nosso país. Comecemos a fazer bem as coisas, dos dois lados: do lado do presidente e do nosso lado, que vivemos no país. Comecemos a ser um país melhor.
Você acredita que existe vontade para isso?
Em alguns setores falta vontade, mas se continuamos a lutar com a palavra e levando isto a todos os ouvidos a Argentina será capaz. O nosso país é forte, temos pessoas de bem, pessoas que querem trabalhar. Caso contrário, como explica que nós, sendo recicladores, no limite da pobreza, não escolhemos o roubo ou a loucura? Decidimos criar as nossas fontes de trabalho, somos recicladores e queremos que nos reconheçam como tais.
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Tensão social na Argentina? “Não queremos outro dezembro negro” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU