13 Setembro 2016
“Consumada a cassação de Eduardo Cunha, a maior probabilidade é de que em poucos dias ele seja conduzido preso à Curitiba e submetido a uma delação conduzida por Moro. Isso ocorrendo, sairia das asas de Janot e se abriria alguma possibilidade de rompimento da blindagem sobre Aécio Neves e de ameaças concretas contra o governo Temer”, avalia Luís Nassif, jornalista, em artigo publicado por Jornal GGN, 12-09-2016.
“Há uma probabilidade - pequena, por enquanto -, conclui o jornalista - de crescimento do "diretas já" e de abreviação do governo Temer”.
Eis o artigo.
Há um conjunto de peças soltas no golpe que, quando devidamente organizadas, permitem entender de modo muito mais claro um dos aspectos mais relevantes: a influência externa.
São elas:
1. A campanha sistemática da mídia de destruição da autoestima nacional.
2. Recém instalado o golpe, a corrida do ouro entre Eduardo Cunha e José Serra, para ver quem se antecipava na aprovação da nova legislação do petróleo.
3. A ida repentina do senador Aloysio Nunes aos Estados Unidos, para conversar com membros do Senado.
4. Antes dele, a ida do Procurador Geral da República aos Estados Unidos, para reuniões com o Departamento de Justiça e outros setores sensíveis.
5. A bandeira mágica que acompanha o golpe, de colocar a salvação do Brasil no trinômia reforma da Previdência-livre fluxo de capital-desregulação/privatização.
Para juntar as peças acima, vale a pena um mergulho no livro “Teoria do Choque” da norte-americana Naomi Klein.
A base do livro é a descrição de estudos psicológicos nos Estados Unidos, que teriam contribuído igualmente para o aprimoramento dos métodos de tortura da CIA e das intervenções político-econômicos em países conflagrados. Tratam-se dos estudos de 1963 de Ewen Cameron e Donald Hebb, sistematizando os princípios do que veio a ser vulgarmente conhecido como lavagem cerebral através do uso de eletrochoques. A conclusão principal era a de que “a privação de estímulos (através da tortura) induz à regressão, despojando a mente do indivíduo do contato com o mundo exterior e forçando à regressão”.
Quando o prisioneiro mergulha em um estado de “choque psicológico”, ou “vivacidade interrompida”, é sinal de que está mais aberto a sugestões, mais disposto a ceder. Em situações mais brandas, mas nem por isso menos drásticas, mantem-se o réu detido, sem contato com o mundo exterior, com família, sem acesso a notícias, até que entre no estado da “vivacidade interrompida”. Se o trabalho for bem feito, delata até o casamento da princesa Leopoldina em Diamantina, onde nasceu JK (apud “Samba do crioulo doido”).
Para haver cura, seria preciso eliminar tudo o que existia antes. “Cameron estava seguro de que se varresse para bem longe os hábitos, modelos e lembranças dos seus pacientes, chegaria àquele espaço vazio primitivo”, diz Naomi. Em geral, os resultados alcançados foram os de deixar os pacientes com suas memórias fraturadas e sua confiança traída, constata ela. Mas abrindo o bico, que é o que interessava.
Cameron transpôs suas teses para o campo das ciências sociais, através de um livro onde pontificava sobre como preparar a reconstrução da Alemanha no pós-guerra. Propôs-se a desenvolver uma nova ciência social e comportamental, na qual os cientistas do comportamento passariam a agir como planejadores sociais. Nessa nova utopia não haveria lugar para os doentes e os fracos, que deveriam ser removidos para não influenciar as novas gerações.
Segundo Naomi, essa mesma tese da destruição-reconstrução foi desenvolvida pelo chamado capitalismo de desastre, a partir dos estudos e da pregação de Milton Friedman, da Escola de Chicago, inspirada nas teses de Cameron.
Em um de seus ensaios fundamentais, Friedman desenvolveu a estratégia de como se prevalecer de situações de crise – “crise real ou pressentida” enfatizou. Quando a crise acontece, dizia ele, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. “Esta, eu acredito, é a nossa função primordial: desenvolver ideias alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne politicamente viável”.
Tão logo uma crise se instale, defendia Friedman, é essencial agir rapidamente, “impondo mudanças súbitas e irreversíveis, antes que a sociedade abalada pela crise possa voltar à tirania do status quo”. Nas suas contas, uma administração teria de seis a nove meses para realizar as principais mudanças. “Caso não agarre a oportunidade de agir de modo decisivo durante esse período, não terá outra chance igual”.
A fórmula salvadora consistia em medidas irreversíveis que atendam ao trinômio liberdade total para o capital-privatização/desregulação-cortes nos serviços e benefícios sociais. Alguma semelhança com o caso brasileiro?
Há inúmeros episódios em que se aplicou a teoria do choque, desde o golpe contra Allende, no Chile, ao enorme fracasso da ocupação do Iraque e ao desmonte total do sistema de educação pública de Nova Orleans, após o terremoto Katrina.
Foi o que Naomi testemunhou na guerra do Iraque. “Os arquitetos da invasão norte-americana e britânica imaginaram que o seu uso da força seria tão chocante, tão esmagador, que os iraquianos mergulhariam em um estado de vivacidade interrompida, muito parecida com aquele descrita no manual Kubark (da CIA)”.
O certo é que parte dos grandes empresários norte-americanos, evangelizados por Friedman, se imbuíram do chamado “destino manifesto”, de levar o capitalismo em estado puro para os povos primitivos. Personagens contemporâneos, como os irmãos Kock repetem os W.R.Grace, católicos de origem irlandesa que, nos anos 60, bancavam o padre Peyton e sua cruzada pelo “rearmamento moral”.
Desde Adlai Stevenson, a CIA tornou-se a parceria fundamental nessa cruzada capitalista, em que se misturam interesses empresariais, a pregação evangélica, a síndrome do “destino manifesto” e a geopolítica do Departamento de Estado. A última tentativa (fracassada) foi quando Otto Reich, do Departamento de Estado, articulou com os grupos de mídia venezuelanos a deposição do presidente Hugo Chávez.
Em algum lugar do passado recente, o Brasil era uma nação prestes a entrar para o primeiro time. Indústria naval, cadeia produtiva do pré-sal, grandes empreiteiras, montagem de uma forte indústria nacional de medicamentos, multinacionais brasileiras começando a conquistar o mundo, a diplomacia brasileira se impondo nos principais fóruns globais.
Em pouco tempo o país entrou na fase da “vivacidade interrompida”, a sensação da crise terminal, da falta de saídas, o pessimismo repetido 24 horas por dia, o fim do mundo ao alcance da próxima manchete. Instaurou-se a tal crise pressentida.
O que aconteceu?
A partir da AP 470, a imprensa explorou duas estratégias paralelas. Uma, a da luta contra a corrupção, personificada no PT e em Lula. Outra, a luta de classes, levantando diuturnamente as ameaças chavistas, estigmatizando as políticas sociais, enfatizando a falta de cultura e de verniz dos adversários. É por aí que tem início a cooptação das classes médias, da elite das corporações públicas e do próprio Ministério Público Federal, o reino dos PhDs contra o primarismo dos chavistas.
O brilhante desempenho de Lula e Dilma de 2008 a 2012 anulou a estratégia. Mas a imprensa não interrompeu sua campanha massacrante, sistemática, de desconstrução do que estava sendo feito. Valeram-se de diversos subterfúgios. Se se levantavam grandes obras, com 90% concluídas, enfatizavam os 10% que faltavam. Em um programa social com 15 milhões de famílias assistidas, a manchete era a pequena corrupção identificada em um ponto qualquer do país. Na Copa do Mundo, enquanto os estádios e aeroportos eram construídos, destacava-se o fato de não estarem prontos. Entregues, o destaque era para a falta de sabonete nos banheiros.
Com os sinais de bonança revertendo, as manifestações de junho de 2013 foram o primeiro alerta de que que o pêndulo da opinião pública começava a inverter.
Instalada a crise, a “teoria do choque” pode colocar a cabeça de fora. Parlamentares como Aécio Neves, no Senado, e Eduardo Cunha, na Câmara, trataram de bloquear toda a atividade parlamentar, negando ao governo Dilma as ferramentas mínimas para consertar os erros. Aécio, José Serra e Fernando Henrique Cardoso tornaram-se os porta-vozes do caos estimulando o movimento golpista nas ruas e nos jornais, enquanto a parceria PGR-Lava Jato-mídia tratava de incendiar a classe média com as denúncias de corrupção focadas exclusivamente no PT e em Lula.
Nesse período, para preparar o bote final o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot foi ao Departamento de Estado pedir a bênção e voltou com malas digitais repletas de informações sobre as contas das empreiteiras no exterior e sobre a corrupção na Eletronuclear. Ali, na cooperação internacional, os Estados Unidos deram a contribuição mais ostensiva para o golpe. Outras contribuições demandarão algum tempo para virem à tona.
O discurso anticorrupção foi o mote que juntou todas as pontas, criando o sentimento da classe e fornecendo o álibi para quem pretendesse pular no barco da conspiração.
Sob esse céu coalhado de bombas, há o fator Dilma Rousseff, é verdade.
Poucas vezes na história teve-se governo mais desastrado e indefeso.
Montou a mais ousada política industrial desde o 2o PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) em torno do pré-sal e da Petrobras. Estaleiros, renascimento da indústria de máquinas e equipamentos, atração de laboratórios de grandes multinacionais ao país, montagem pela Petrobras de programas de compras públicas que dotariam o país de competência interna imbatível para tecnologia de extração de petróleo em águas profundas, internacionalização das empreiteiras. Toda essa responsabilidade nas costas da Petrobras. E, de repente, a Petrobras passa a ser sufocada pelos sub-reajustes de combustíveis, como parte da tática de empurrar a inflação com a barriga.
Dilma se fechou para todos os segmentos, dos movimentos sociais aos empresários, e ainda assistiu inerte a Lava Jato completar a destruição de parte relevante do PIB sem esboçar um gesto de resistência.
O ciclo se fecha com sua teimosia em se candidatar à reeleição e a falta de vontade de Lula de enfrentar a bucha que surgia no horizonte.
Dilma não entendeu o terceiro tempo das eleições, que se iniciou no dia seguinte à abertura das urnas, trancou-se no Palácio, fez dieta e reapareceu em público no dia da posse, com um ministério tirado do colete, sem nenhuma espécie de articulação política e com um pacote econômico desastroso.
Consumou-se o desastre com o plano Joaquim Levy, uma tragédia óbvia e cantada, de que ajuste fiscal com recessão seria um desastre econômico e uma sinuca política. Aliás, mote repetido várias vezes por Dilma em sua apresentação no Senado – mostrando que sempre descobre o caminho certo com alguns anos de atraso.
Dilma foi apenas o desastre que facilitou o golpe, mas que jamais poderia servir de álibi para a implantação do estado de exceção. A economia teria condições de se recuperar, não fosse o cerco do Congresso e da mídia. Estava-se longe do estado de caos retratado na cobertura jornalística, especialmente na pregação massacrante da Globo. Mas, o cavalo de Troia do governo – a PGR – já tinha deflagrado a ofensiva final.
Agora se entra naquele período crítico previsto por Friedman, de seis a nove meses sob a égide do “vazio primitivo” para enfiar goela abaixo do país as reformas previstas. Daí esse braço de guerra, com jornais abrindo manchetes esbaforidas, tipo se a reforma da Previdência não acontecer nos próximos dias, o futuro estará comprometido, e outras baboseiras destinadas à ralé da opinião pública. Ou a pressa de Serra e associados de correr com a lei do petróleo e a privatização acelerada na Petrobras, mesmo com a economia na bacia das almas.
A blitzkrieg esbarra, no entanto, nos seguintes fatores:
O Fora Temer
É o fato novo, que vem em um crescendo, entrando por todos os poros do mercado de opinião, inclusive nas brechas abertas inadvertidamente pela mídia, é o Fora Temer. Há o risco concreto de que o tema ganhe os leitores de jornais. Daí a montagem do sistema de repressão e da tentativa de envolver as Forças Armadas, através dos factoides dos supostos terroristas islâmicos, como têm demonstrado as extraordinárias reportagens de Marcelo Auler.
Há alguma probabilidade de que pegue o discurso das “diretas-já”.
A ilegitimidade das reformas
Nenhum investidor minimamente informado apostará em reformas que dependem de um golpe para serem implementadas. Lula e Dilma avançaram em algumas reformas relevantes, pelo fato de possuírem credibilidade junto aos movimentos sociais e às esquerdas. Temer não tem nem credibilidade institucional nem pessoal. O que acontecerá a partir de 2018?
A construção de Temer
Daí, a uma tentativa bisonha de construir uma imagem pública minimamente defensável para Temer. Repare na foto ao lado. É a cara do governo, Eliseu Padilha, cercado pelos holofotes da mídia. Uma breve pesquisa no Google mostrará uma extensa capivara do Ministro-Chefe da Casa Civil. Como tornar o governo legítimo? É o Eliseu de Canoas, do DNIT, dizendo-se defensor da Lava Jato e das reformas.
A tentativa de isolar Temer, como se fosse uma jovem virginal envolvida por malandros, não cola. Só o eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Mello tenta acreditar nisso. A vida política de Temer está estreitamente ligada às de Eliseu Padilha, Eduardo Cunha, Moreira Franco, José Serra, Geddel Vieira Lima.
Mesmo abstraindo a biografia, Temer não conseguirá compor o figurino do estadista, ou meramente do presidente que paire acima das quizílias do dia-a-dia. É miúdo, vingativo, tem um linguajar antiquado, baixíssimo nível de informação, nenhuma empatia com o público. O jornal O Globo abriu uma enorme oportunidade para mostrar o lado “humano” de Temer e ele jogou fora dando um golpe no rei Arthur e colocando em seu lugar Carlos Magno, que, por sua vez, abriu mão dos Doze Pares de França para comandar os Cavaleiros da Távola Redonda, provavelmente em uma escaramuça lá em Diamantina, onde nasceu JK.
A alternativa encontrada foi focar em uma primeira dama jovem, bonita, discreta e... muda. Foi ridícula a solução encontrada, de tirar conclusões políticas do “look” branco que ela utilizou em uma solenidade qualquer. Ridícula por expor a necessidade dos jornais de arrostar o impossível e o ridículo para atender o governo Temer e fazer jus à bolsa mídia prometida por Eliseu Padilha.
O fator Lava Jato
Na Lava Jato há dois personagens acusados de jogo político, de perseguição ao PT e de proteção ao PSDB: o PGR Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro. Janot não conseguirá desvencilhar-se do estigma simplesmente por não ter nem vontade nem condição política de indiciar Aécio Neves.
No entanto, há alguns sinais no horizonte de que Moro pretenda passar no teste de imparcialidade investindo na delação de Eduardo Cunha.
Consumada a cassação de Eduardo Cunha, a maior probabilidade é de que em poucos dias ele seja conduzido preso à Curitiba e submetido a uma delação conduzida por Moro. Isso ocorrendo, sairia das asas de Janot e se abriria alguma possibilidade de rompimento da blindagem sobre Aécio Neves e de ameaças concretas contra o governo Temer.
Há uma probabilidade - pequena, por enquanto - de crescimento do "diretas já" e de abreviação do governo Temer.
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Xadrez da teoria do choque e do capitalismo de desastre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU