14 Março 2016
A simples túnica branca com que se aproxima do balcão de São Pedro. A saudação - 'buonasera' - à multidão reunida na praça. A escolha do nome. A renúncia ao apartamento no Palácio Apostólico. Em poucas horas, há três anos, Francisco 'sacudiu' o mundo com gestos que apareceram como revolucionários. Muitos saúdam a nova rota como um feliz encontro entre a Igreja e a modernidade, seguindo a trilha aberta pelo Concílio.
Três anos depois, o que resta daquelas expectativas?
Vito Mancuso - teólogo próximo das posições expressas no catolicismo pelo cardeal Carlo Maria Martini - pensa, em silêncio, alguns instantes, antes de responder à pergunta. "Não acho que a modernidade é a chave para interpretar o pontificado", disse meneando a cabeça. "Paulo VI, provavelmente, era mais moderno, com a sua propensão à inquietude, a capacidade de distinções, as dúvidas típicas da modernidade. Francisco, ao contrário, é muito mais atento à dimensão cristã, no sentido profético e radical do termo".
A entrevista é de Tiziana Testa, publicada por La Repubblica, 11-03-2016. A tradução é de IHU On-Line.
Eis a entrevista.
Os gestos do papa Bergoglio são revolucionários?
Talvez, sim, na medida em que é revolucionário o Evangelho. Estes gestos nos impressionaram por são genuínos, pela energia interior, porque têm um sabor de pão feito em casa. Mas o problema deste pontificado é que à radicalidade dos gestos não corresponde a do governo. O Papa não é chamado necessariamente a ser profeta mas ele é aquele que deve governar a Igreja católica, o seu primeiro legislador. E a fortíssima popularidade de Francisco, particularmente no primeiro período, poderia tê-lo a opções mais corajosas.
Falemos dos dois Sínodos sobre a Família. Foram um desastre?
Falar de desastre é impossível porque foram celebrados, produziram documentos. Mas não os considero um sucesso, porque ainda estamos esperando a exortação apostólica que o Papa deve escrever para entender como resolverá o principal nó: o dos sacramentos aos divorciados que novmaente casaram.
A solução apontada no último sínodo, que confia tudo à decisão do confessor, lhe parece inadequada?
O orientamento do pontificado deve ter uma direção precisa, mesmo respeitando o discernimento de cada pastor. Vamos privilegiar o cuidado pastoral de cada pessoa ou a tradição? Isto, no momento, não está claro.
O Papa devia proceder com uma reforma 'motu proprio'?
Acho que sim. Mas são tantos os campos em que poderia fazer opções de governo mais claras. Quando foi eleito, se pensava que faria um boa limpeza na estrutura mas, pelo contrário, ainda vemos escândalos, como revelaram os livros de Nuzzi e Fittipaldi. Houve erros na seleção de colaboradores, como Balda e Chaouqui. E mais, não basta fazer a opção de Santa Marta enquanto há cardeais vivendo ricamente no luxo. Também na questão da pedofilia, as grandes palavras - tolerância zero, proximidade das vítimas - não tiveram consequências canônicas. Por exemplo, não levaram à demissão de prelados poderosos e paparicados.
O cardeal Pell deveria ser obrigado a pedir demissão?
Lembro as palavras de Francisco: um bispo que encobriu, ainda que parcialmente, padres culpados destes crimes horríveis não pode ficar no posto. Isto ele disse mais de uma vez. Há a questão não resolvida das mulheres na Igreja. Todos os Papas exaltam o gênio feminino. Mas no mundo protestante há mulheres que são bispas, ou ao menos, pastoras. Entre nós não se chega nem a falar do diaconato".
Quais são, no entanto, até agora, as 'pérolas' deste pontificado?
A atenção aos pobres, à justiça social, à ecologia, a esplêndida encíclica Laudato si'. Francisco é um dos poucos líderes mundiais com uma coerência pessoal: vive em primeira pessoa o que diz, a sua mensagem é límpida. Vai até o México, na fronteira, e enraivece alguns políticos americanos, fala da saúde do planeta e se posiciona contra as multinacionais. Faz muito bem o profeta e isto o ajuda a obter os grandes sucessos da diplomacia pontifícia. Refiro-me às relações com as outras religiões, à intervenção na Síria, no primeiro ano, à operação Cuba.
E a Itália. Para a Conferência Episcopal Italiana - CEI - as uniões civis foram uma prova importante. Qual foi o papel do Papa?
Em parte, houve a influência de Francisco. O empenho do mundo católico no tal Family day pareceu-me menos totalizante do que no passado. Mas também aqui há uma certa ambiguidade: refiro-me à intervenção de Bagnasco a favor do voto secreto no Senado, que foi uma recaída nas tendêncas ruininas (Cardeal Ruini, ex-vigário da diocese de Roma) de intereferência. Por que o presidente da CEI não foi substituído? Quer-se dar a imagem de uma Igreja perenemente unida e concorde cerrando fileira atrás do Papa. Mas isto é somente retórica eclesiástica. Há uma foto, que tuitei. Para mim ela é um emblema do isolamento do Papa.
'O que esta imagem sugere? Poder-se-ia imaginar João Paulo II ou Bento XVI nesta situação?' é o tweet de Vito Mancuso.
E as nomeações de novos bispos?
Este é um dos aspectos positivos do pontificado, ao menos para quem, como eu, que partilha a visão de Martini, que falou de uma Igreja católica duzentos anos atrasada. O critério não é mais o vertical. São pescados, de baixo, pastores que demonstraram grande proximidade do povo de Deus. Assim foi a nomeação de Palermo, Pádua, Trento e aqui em Bolonha, onde Zuppi, apoia a construção de uma mesquita, e chega depois de Biffi que, mais que outros, esbravejava contra os muçulmanos.
Este Papa será capaz, no futuro, de ainda nos surpreender?
Otimismo da vontade, pessimismo da razão. Eu temo o efeito boomerang. Nos apareceu como um Papa que mudaria tudo e, no entanto, quase tudo está parado. Houve uma clara caída do número de fieis nas audiências de 2015 comparadas com as de 2014. E também o Jubileu não está andando como previsto.
Na Igreja católica estão aumentando de intensidade duas forças diametralmente opostas: os inovadores, onde me incluo, e os que, ao contrário, pedem para voltar à "sadia tradição". Uma característica difusa, sobretudo entre os padres jovens. O Papa está no centro. Se não decide, ele se arrisca de passar como um belo meteoro luminoso.
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"Francisco, um grande profeta. Mas pouca coragem no governo da Igreja". Entrevista com Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU