22º domingo do tempo Comum - Ano B - Moldar o coração segundo a vontade Deus

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27 Agosto 2021

 

"No Evangelho de Marcos (Mc 7,1-8.14-15.21-23), a cena que nos é proposta neste domingo mostra a reação dos fariseus e dos doutores da Lei à ação de Jesus. No contexto judaico, quem infringia - mesmo involuntariamente - essas regras colocavam-se numa situação de marginalidade e de indignidade que o impedia de se aproximar do mundo divino e de integrar a comunidade."

"Enfim, a mensagem que nos provoca a partir destes textos litúrgicos é a de que a religião não passa pelo cumprimento de regras externas, mas sim pela metanoia de nosso ser, que pode nos levar a uma mudança de vida, uma vida assumida na fé cristã, a serviço dos valores do Reino."

 

A reflexão é de Valdete Guimarães, religiosa da Congregação das Servas de Maria Reparadoras. Ela possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC (2001); especialização em Psicopedagogia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC (2008); graduação (2006), mestrado (2007) e doutorado (2018) em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Teologia na Faculdade Diocesana São José – FADISI, em Rio Branco, Acre e Orientadora do Setor de Pastoral e Ensino Religioso do Colégio Nossa Senhora do Rosário - RJ.

 

 

 

Leituras do dia


1ª Leitura - Dt 4,1-2.6-8
Salmo - Sl 14,2-3ab.3cd-4ab.5 (R. 1a)
2ª Leitura - Tg 1,17-18.21b-22.27
Evangelho - Mc 7,1-8.14-15.21-23.

 


A liturgia do 22º domingo do tempo comum nos propõe uma reflexão sobre a “Lei”.


A primeira Leitura (Dt 4,1-2.6-8) é tirada do 4º capítulo do Livro do Deuteronômio. Este capítulo é um texto redigido na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilônia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, este povo corria o risco de trocar Yahveh pelos deuses babilónicos. Este texto, então, convida o povo a olhar para a sua história e redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Yahveh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.


Esse Deus que, no passado, interveio na história para libertar Israel é o mesmo Deus que agora oferece ao seu povo leis e preceitos. E o povo deve acolher as leis divinas como forma de gratidão, dando uma resposta ao Deus libertador, que mil vezes agiu no passado para salvá-lo. Na verdade, as leis e preceitos do Senhor são um caminho que conduz o povo pela estrada da felicidade e da liberdade.


Israel deve, contudo, ter cuidado para não adulterar as leis e preceitos que Deus lhe propõe. Na verdade, há sempre o perigo de adaptarmos a Palavra de Deus, de forma a que ela sirva aos nossos interesses.


A segunda Leitura (Tg 1,17-18.21b-22.27), da Carta de Tiago, elenca vários aspectos relacionados com a forma como os cristãos devem ver e acolher a Palavra de Deus.

1. A Palavra de Deus é um dom que Deus oferece ao ser humano.

2. A escuta e o acolhimento da Palavra devem conduzir à ação, à conversão, ao abandono da vida velha do egoísmo e do pecado, a fim de se abraçar uma vida segundo Deus.

3. A escuta da Palavra de Deus nos leva a passar de uma religião ritual, legalista, externa, superficial, para uma religião de efetivo compromisso com a realização do projeto de Deus e com o amor dos irmãos.

 

"No Evangelho de Marcos (Mc 7,1-8.14-15.21-23), a cena que nos é proposta neste domingo mostra a reação dos fariseus e dos doutores da Lei à ação de Jesus. No contexto judaico, quem infringia - mesmo involuntariamente - essas regras colocavam-se numa situação de marginalidade e de indignidade que o impedia de se aproximar do mundo divino e de integrar a comunidade."

 

A mentalidade era que a pessoa ficava impura e para voltar ao estado da pureza, necessitava realizar um rito de purificação, cuidadosamente estipulado pela “Lei”. Na época de Jesus, as regras da pureza tinham sido absurdamente ampliadas pelos doutores da Lei. Daí a obsessão com os rituais de purificação, que deveriam ser cumpridos a cada passo da vida diária. Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das refeições.

 

É interessante acentuarmos que neste tempo de pandemia, a lavagem das mãos torna-se uma prática de medida sanitária que é orientada para evitar o contágio do coronavírus. E devemos, sim, lavar nossas mãos com água e sabão e higienizá-las com álcool, várias vezes ao dia, quantas vezes foram necessárias. Esta é uma das medidas cuidadosas na prevenção do contágio e da propagação do vírus. Mas esta ideia da lavagem das mãos como medida sanitária, não condiz com a ideia dos fariseus e doutores da lei do tempo de Jesus. Para eles, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa.


Os fariseus testemunhando como os discípulos comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos ficaram escandalizados e referiram o caso a Jesus. Jesus então, partindo da Escritura e da análise da práxis dos próprios judeus, denuncia essa vivência religiosa que aposta apenas na repetição de práticas externas e formalistas, que não se preocupa com a vontade de Deus: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (v. 6); “É vão o culto que me prestam”; “As doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos” (v. 7).

 

Dirigindo-se à multidão formula o princípio decisivo da autêntica moralidade: “Não há nada fora do ser humano que ao entrar nele o possa tornar impuro; o que sai dele é que o torna impuro” (v. 15).


Os alimentos que entram no estômago não são fonte de impureza; os pensamentos e as ações más que saem do coração do ser humano é que são fonte de impureza: afastam o ser humano de Deus e da comunidade. É importante acentuar que, na antropologia judaica, o coração é o interior do ser humano em sentido amplo; é aí que está a sede dos sentimentos e das decisões do ser humano. Precisamos nos voltar a este centro vital e, a partir deste “lugar” deixar fluir nossos pensamentos e ações.


Enfim, a mensagem que nos provoca a partir destes textos litúrgicos é a de que a religião não passa pelo cumprimento de regras externas, mas sim pela metanoia de nosso ser, que pode nos levar a uma mudança de vida, uma vida assumida na fé cristã, a serviço dos valores do Reino.

 

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