13 Dezembro 2011
"Os jesuítas pedem a proteção da criação", "A reviravolta verde dos jesuítas": esses são apenas alguns dos títulos com os quais, com a costumeira maior atenção dada ao meio ambiente que se registra em outros lugares, foi saudado favoravelmente o Relatório sobre a ecologia, publicado no outono [europeu] pela Cúria Generalícia dos Jesuítas, cujo prepósito, Pe. Adolfo Nicolás, enviou, ao mesmo tempo, uma carta a toda a Companhia de Jesus, espalhada pelos cinco continentes.
[O relatório foi publicado na última edição dos Cadernos IHU, nº. 37, intitulado Curar um mundo ferido. Relatório especial sobre ecologia. A versão online estará disponível no dia 09-01-2012]. (1)
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada na revista Settimana, nº. 43, 27-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O conteúdo da missiva se configurava como um caloroso encorajamento "a se comprometer com a sustentabilidade do planeta, um convite a uma revisão da vida pessoa, do estilo de vida comunitário e das práticas institucionais alinhada à missão de reconciliação com a Criação".
Um sentimento não só de hoje
O documento – publicado no dia 16 de setembro (cf. revista Promotio Iustitiae, nº. 106, 2011/2) – intitula-se Relatório sobre a ecologia. Recompor um mundo despedaçado e é obra da Força-Tarefa sobre a Ecologia (que faz parte do Secretariado para a Justiça Social e a Ecologia), órgão instituído expressamente para contribuir com uma reflexão sobre a relação existente entre a "reconciliação com a criação", a fé, a justiça, o diálogo inter-religioso e intercultural.
A força-tarefa – que conta, entre os seus membros, com religiosos e leigos membros e é liderada por Patxi Álvarez, SJ, diretor do Secretariado – aparece como a ponta de um iceberg que representa a atenção dos jesuítas nos últimos anos com relação à proteção do ambiente, uma sensibilidade que não começa hoje.
Era 1983 quando a 33ª Congregação Geral expressou com autoridade, pela primeira vez na história da Companhia de Jesus, a preocupação pelo meio ambiente, e já se passaram mais de 10 anos desde a publicação de Vivemos em um mundo despedaçado (abril de 1999), assinado pelo então geral, Peter-Hans Kolvenbach, e elaborado em resposta à solicitação feita pelo Decreto 20 da 34ª Congregação Geral. Um convite "a dar prova de solidariedade ecológica com eficácia crescente, na nossa vida espiritual, comunitária e apostólica", assumido também pela última Congregação Geral, em 2008.
O texto atual – fruto de uma feliz colaboração entre cientistas e teólogos, religiosos e leigos, homens e mulheres – convida os jesuítas a se deparar com sua resistência interior e "lançar um olhar de gratidão sobre a criação, deixando que o nosso coração seja tocado pela sua realidade dilacerada e solicitando um forte compromisso pessoal e comunitário pela sua recuperação".
O relatório pede ao leitor uma reflexão de natureza bíblica e espiritual sobre o dom da criação e solicita a aquisição da consciência de que a proteção ambiental nada mais é do que uma questão de justiça, já que é o pobre quem sofre primeiro e mais gravemente por causa da destruição do ambiente.
A primeira parte do documento fornece uma ampla visão panorâmica da situação atual em nível global do planeta Terra, que lida com as mudanças climáticas que estão mudando rapidamente suas conotações. "A criação, que dá a vida, dom de Deus, já é considerada como um material extraível e vendável". Nos capítulos seguintes, são lembradas as razões de um compromisso no que se refere à proteção ambiental – das raízes bíblicas à doutrina social da Igreja e a espiritualidade inaciana –, unido a uma corajosa resposta ao pedido de colaboração que se levanta dos movimentos ativos na sociedade e dentro da Igreja, pelo menos os mais sensíveis à questão.
Uma terra profundamente ferida
O uso excessivo de combustíveis fósseis e a produção de gases de efeito estufa, o desperdício e a poluição das águas, o desmatamento, a poluição do solo com substâncias químicas e a crescente pressão sobre o ambiente causada pelo aumento da população são questões que devem ser abordadas a partir de uma posição de fé, de responsabilidade pessoal e da ciência. "É o próprio sonho de Deus criador que está ameaçado. É o mundo inteiro, aquele que Deus pôs nas mãos da humanidade para que o cuidasse e o preservasse, que concretamente corre o risco da destruição".
"Somos todos responsáveis, alguns mais do que os outros. Todos sofremos os seus efeitos, alguns mais do que os outros. Justificados por uma tecnologia cada vez mais ousada e consumidos pela avidez, muitos seres humanos continuam dominando e violentando a natureza em uma corrida ao progresso. Muito poucos levam em conta as consequências das suas próprias ações".
Especialmente depois do fracasso da cúpula de Copenhague em 2009 e com as escassas perspectivas da próxima cúpula em Durban, em dezembro (COP 17), devido às enormes pressões que vêm dos interesses econômicos em jogo, é raro encontrar um documento que mostre com coragem como a situação está se tornando insustentável. "O mundo em que vivemos não é o paraíso que sonhamos", mas é, entretanto, o único que temos e não nos resta muito tempo para recompor as feridas que lhe infligimos: essa é a tese que transparece nas entrelinhas.
"Pressão constante sobre os recursos naturais; progressiva degradação ambiental determinada por sistemas inapropriados de produção agrícola e exploração insustentável dos recursos naturais; enorme disparidade de renda entre pobres e ricos; falta de acesso aos serviços básicos como a educação, os serviços de saúde etc.; rápida urbanização associada a um crescente número de pobres urbanos e de famílias sem-teto; crescente consumismo dentro de um paradigma econômico que não se encarrega dos custos ecológicos; interesses corporativos que muitas vezes, ao influenciar as políticas ambientais nacionais, não levam em conta o interesse público; escalada dos conflitos inter-religiosos e interétnicos, muitas vezes induzida pelo contexto socioeconômico": a lista poderia continuar, explicam os jesuítas, mas o que é ainda mais preocupante para aqueles que se consideram todos irmãos, por serem filhos do mesmo Pai, é que, embora na ausência de uma resposta política compartilhada em nível internacional, percebe-se como "o sofrimento de milhões de pessoas não admite dilações, nem podem ser reduzidas as possibilidades para as gerações futuras".
Mas a primeira vítima é a própria Terra e a sua biodiversidade em risco e, com ela, todos os pobres do mundo, os mais atingidos pela crise ecológica, porque "é evidente – lê-se no documento – o nexo entre ambiente e pobreza", como demonstra a detalhada e rigorosa análise da situação social e econômica das regiões do mundo. Os países ricos do Norte, sobre os quais incumbe a responsabilidade pelas emissões de gases de efeito estufa, estão hoje enfrentando o problema dos resíduos; por outro lado, temos o resto do mundo, menos afortunado, é verdade, até do ponto de vista geográfico e climático, reduzido ao extremo também por causa de uma demolição do seu potencial produtivo, que é novamente colonizado pelo Norte.
Um imperativo moral
Se é amplo o espectro dos âmbitos envolvidos na análise e nas propostas – teológico, espiritual, pastoral, ecumênico, social, educativo, científico, cultural, político – é prevalente o imperativo moral para agir com responsabilidade ("não podemos mais fazer apenas os temas de casa"). Sobre a mesa estão algumas questões-chave como a implementação da justiça (restaurativa e retributiva), o conceito de nova pobreza atribuível à criação ("que grita para que prestemos atenção a ela"), a interdependência entre pobreza e mudança climática, o papel das mulheres nas economias marginalizadas. Quase implacável é a descrição dos "atores" da crise, na qual os ricos, e especialmente os novos ricos, mostram as características de insaciabilidade crônica, fenômeno encontrado também em países em desenvolvimento. "A luta para obter um nível de vida digno se desenrola sobre uma enorme disparidade econômica e social, isto é, por situações de miséria absoluta até situações de consumismo ultrajante". Uma disparidade que registra deslocados e migrantes, afetados pela marginalização crônica, em busca de áreas com menos pobreza e níveis mínimos de subsistência ao lado de milhões de pessoas que sofrem o "fascínio do consumismo" e que, ao mesmo tempo, se enclausuram na defesa dos seus privilégios, como se a criação não pertencesse a todos.
Também se acena para o papel da ciência e para as implicações éticas de algumas tecnologias que envolvem custos elevados no plano ambiental e/ou da saúde humana, da difusão das culturas geneticamente modificadas ao uso de hormônios na produção da carne ou o esgotamento definitivo de recursos naturais a curto prazo.
Em contraste, reconhece-se à pesquisa científica a possibilidade de organizar, para o futuro, um processo econômico mais sustentável.
Novo estilo de vida religiosa
"Um excesso de racionalidade exclui da nossa experiência a profundidade espiritual da comunhão com a natureza, atenuando a nossa sensibilidade pelo mistério, pela diversidade e pela vastidão da vida e do universo". A retomada de um relação justa com Deus, com a criação e com as pessoas não é simplesmente uma questão de oração pessoal, mas exige, sim, uma mudança real dos estilos de vida.
As comunidades religiosas certamente não podem possuir o know-how técnico e os recursos para reverter a poluição, mas testemunham aqueles valores que são necessários para promover novas relações com a criação e com os pobres. "Somos chamados a estudar novos sistemas de vida e ser testemunhas ativas deles".
Operacionalmente, o documento pede que os jesuítas – mas as propostas podem ser estendidas a todos – avaliem o consumo de energia, alavancando o voto de pobreza para reduzir o impacto negativo sobre o ambiente; considerem o enorme impacto que a crise ambiental está tendo sobre os pobres e se comprometam em favor dos pobres; promovam práticas de agricultura sustentável; implementem novas práticas de gestão ("que as províncias invistam em finanças justas e solidárias"); encontrem um modo de explicar as motivações espirituais e práticas de preocupação ambiental (que o uso das diversas mídias e redes se torne uma modalidade cotidiana para informar e responsabilizar).
Para chegar a uma "cura" do planeta, pede-se que as instituições dos jesuítas – escolas (assim como está fazendo o Instituto Massimo, em Roma), universidades, faculdades de teologia e institutos de pesquisa – imerjam os estudantes em "problemáticas ambientais do mundo real", promovam uma "ética ambiental" apoiando a reciclagem ("fazer compostagem com o lixo da cozinha") e a economia energética; abram cursos dirigidos ao mundo dos negócios, da ciência, da teologia, que incluam a reflexão sobre a responsabilidade ambiental. O documento sugere aos jesuítas que vivem em áreas ambientalmente vulneráveis que desenvolvam projetos que unam trabalho social e pastoral para ajudar as populações locais.
"O nosso carisma e a nossa vocação nos pedem que renovemos as nossas relações, que ponhamos em prova o nosso compromisso formação intelectual e espiritual, assim como a nossa formação contemporânea, para professar um profundo compromisso com relação à criação e para aprender com o Livro da Natureza a sermos cocriadores enquanto partícipes da plenitude da vida".
As últimas três Congregações definiram a missão jesuíta como "serviço da fé e promoção da justiça". Esse relatório, conjugando a relação entre a crise ecológica e a justiça, coloca o cuidado pela criação no desenvolvimento de uma nova dimensão missionária.
Nota: Os Cadernos IHU podem ser adquiridos na Livraria Cultural e/ou Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
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Os jesuítas e a ecologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU