11 Dezembro 2013
"Houve um momento em que Rebecca, a nossa filha mais velha, estava desesperada para ter um animal de estimação", disse-me David Clough quando nos encontramos na conferência da Academia Norte-Americana de Religião, realizada em Baltimore antes do feriado de Ação de Graças. "E ela estava na posição infeliz de ter um pai que tinha refletido eticamente sobre a questão durante algum tempo" – um pai com dúvidas sobre o uso humano de animais, até mesmo para a companhia.
A reportagem é de Mark Oppenheimer, publicada no jornal The New York Times, 06-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O professor Clough tinha vindo da Universidade de Chester, da sua Inglaterra natal, para falar sobre On Animals: Volume 1, metade de um projeto de dois livros que situam os animais no pensamento cristão. Resumindo seu argumento, ele disse que os animais humanos e outros não humanos "são criados por Deus, reconciliados com Deus em Jesus Cristo e serão redimidos por Deus na nova criação" – e devem ser tratados como tal. Essa crença tem ramificações em tudo, de comer carne (especialmente não da pecuária intensiva) a manter animais de estimação (talvez).
"A boa teologia deve reconhecer uma separação fundamental", disse o professor Clough, "entre Deus e tudo o que Deus criou. Nós pertencemos ao mesmo grupo dos cães, gatos, porcos-espinhos, árvores e pedras."
Seu projeto, uma perspectiva cristã sobre o tratamento de animais, não é único. O bem-estar animal é um tema intenso entre os cristãos dos Estados Unidos e da Inglaterra, incluindo – surpreendentemente – alguns conservadores políticos ou teológicos. E enquanto os cristãos se perguntam como a sua fé exige que eles tratem os animais, eles podem forçar os ativistas dos direitos dos animais, uma porção em sua maior parte secular, a reconsiderar seus pontos de vista sobre os cristãos.
O livro do professor Clough, que foi publicado em 2012, é um dos dois últimos grandes tratados cristãos sobre os direitos dos animais. O outro, publicado este ano, é For Love of Animals: Christian Ethics, Consistent Action, de Charles Camosy, professor da Fordham e um católico que desistiu de comer carne – embora ainda coma peixe, “em parte porque Jesus Cristo comeu peixe, e em parte porque eu sou fraco demais para abir mão do espaguete com molho de atum da minha avó", disse.
Em For Love of Animals, Camosy liga sua preocupação com os animais às suas crenças sobre o aborto, argumentando que a ética católica de respeito à vida e os cuidados para com os mais vulneráveis deve nos fazer repensar a forma como tratamos os animais. O catecismo católico permite comer carne, disse, "mas com duas qualificações: os animais merecem bondade, e é errado fazê-los sofrer desnecessariamente". A implicação clara, segundo ele, é que, exceto para os pobres que não podem obter alimentos de outras maneiras, todo mundo tem o dever, pelo menos, de evitar comer animais da pecuária intensiva.
Mary Eberstadt, uma política conservadora e católica, escreveu a introdução para o livro de Camosy e elogiou-o no National Review. Depois de estar "dentro e fora do vegetarianismo por décadas", como ela disse em um e-mail esta semana, agora ela come peixe. Suas escolhas foram influenciadas, afirmou, pelo ensaio do vegetariano Liev Tolstói, de 1909, sobre um matadouro, e por Dominion: The Power of Man, the Suffering of Animals, and the Call to Mercy, o livro de Matthew Scully, de 2002, um conservador que teve formação católica e escreveu discursos para o presidente George W. Bush.
Embora exista uma pequena velha tradição de vegetarianismo cristão, o moderno campo dos direitos cristãos dos animais pode ser datado de 1976, quando Andrew Linzey, um estudante de teologia do King’s Collge, em Londres, olhou para seus companheiros cristãos e ficou impressionado com o quão pouco eles se preocupavam com a crueldade aos animais. "Eu estava intrigado com a indiferença dos meus professores para a questão e o descuido geral dos cristãos", disse o professor Linzey, que agora leciona na Universidade de Oxford. Assim, ele escreveu Animal Rights: A Christian Assessment, que foi publicado em 1976, quando ele ainda era estudante.
Embora o livro do professor Linzey tenha causado frisson nos círculos cristãos, o bem-estar animal tornou-se principalmente uma causa secular. Os cristãos focaram-se em outras batalhas – a direita, contra o aborto; a esquerda, contra a guerra e a pobreza –, enquanto alguns ativistas seculares dos direitos dos animais não viam o cristianismo com bons olhos, concordando com a afirmação de Peter Singer em seu clássico de 1975 Animal Liberation de que os ensinamentos cristãos sobre o domínio do homem tinham sido um impedimento para os direitos dos animais.
Durante vários anos, o professor Singer e Camosy têm estado em comunicação frequente, e no ano passado Camosy escreveu um livro sobre seu companheiro especialista em ética, Peter Singer and Christian Ethics: Beyond Polarization. No mês passado, os dois falaram juntos em Maryland, na sede nacional da Humane Society of the United States. Como resultado de suas conversas, Singer diz ter se tornado um pouco mais caridoso para com o cristianismo.
"Eu acho que Charlie me ajudou a ver que ela é extremamente negativa", disse o professor Singer, referindo-se à sua representação do cristianismo em Animal Liberation. "Não é que as declarações negativas" – dar aos humanos permissão para usar e abusar dos animais – "não estejam lá, porque elas estão, e foram feitas por grandes figuras, desde Agostinho a Tomás de Aquino e assim por diante. Mas há um outro lado disso, e outros cristãos têm diferentes interpretações sobre o domínio do homem".
Esse "outro lado disso" inclui uma sombra de história de apoio cristão aos direitos dos animais. Christine Gutleben, que dirige a assistência religiosa para a Humane Society, observou que os reformadores cristãos, incluindo o ativista abolicionista William Wilberforce, ajudou a fundar o que se tornou a Sociedade Real para a Prevenção da Crueldade contra os Animais em 1824.
"Qualquer olhar sério sobre a história vai descobrir exemplos de preocupação cristã com os animais", disse Gutleben. "Com certeza, o cristianismo faz parte da solução."
É claro que essas opiniões não são as da maioria. Para cada Rod Dreher, cristão ortodoxo, blogueiro e comedor de carne que recentemente escreveu um respeitoso post sobre Camosy e outros, ou Andrew Sullivan, blogueiro católico que também elogiou Camosy, pode haver um Austin Ruse. Escrevendo na Crisis, uma revista católica, em outubro, ele chamou as visões de Camosy de "profundamente ofensivas".
"É sempre ofensivo levar os fiéis ao erro", disse Ruse, quando liguei para perguntar sobre a sua escolha de palavras.
Mas voltando à pergunta importante: será que Rebecca, filha do professor Clough, ganhou seu animal de estimação?
Ela ganhou. Rebecca, agora com 15 anos, pode agradecer a Mary Midgley, filósofa inglesa que escreveu Animals and Why They Matter. Em uma viagem de trem com o professor Clough, ela sugeriu que ele levasse em consideração um gato. “Ela disse: 'Certamente, ter um gato está bem'", lembrou o professor Clough. "Se você os deixar ir para fora, eles podem entrar e sair quando bem entenderem. Se eles odiarem isso, eles podem escolher outro dono, ou viverem selvagemente".
Claro, era de se admirar com um gato tolo o suficiente para abandonar os Clough. É improvável que ela – a gata foi chamada de Mitsy – encontre um tratamento mais atencioso.
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Estudiosos exploram perspectivas cristãs sobre os direitos dos animais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU