Por: André | 15 Agosto 2013
O debate no Tribunal de La Rioja começará no dia 04 de novembro próximo. A diocese de La Rioja será a querelante. Além da morte do bispo Enrique Angelelli (foto), será analisado o papel da Igreja católica e sua cumplicidade com o terrorismo de Estado.
Fonte: http://bit.ly/17opOaT |
A reportagem é de Alejandra Dandan e publicada no jornal argentino Página/12, 14-08-2013. A tradução é de André Langer.
O Tribunal Oral Federal de La Rioja definiu a data para o debate que deverá julgar os responsáveis penais, ainda vivos, pelo assassinato do bispo Enrique Angelelli, ocorrido em 04 de agosto de 1976. O julgamento pendente há 37 anos começará, finalmente, em 04 de novembro. Há ao menos dois dados significativos sobre o debate. Por um lado, a presença, na figura de “querela”, da diocese de La Rioja, que, ao contrário do que segue sustentando a versão oficial da Igreja, reconhece e impulsiona a acusação por homicídio. Por outro lado, o julgamento falará da falta de cobertura da Igreja e do silenciamento sobre o assassinato. A acusação fiscal foi taxativa nesse aspecto: disse que a cumplicidade não foi apenas pelo silêncio, mas também “ativa”. “O terrorismo de Estado agiu criminosamente sob o amparo da hierarquia da Igreja católica na Argentina”. Ou, com outras palavras: “Que o sistema repressivo operou em coordenação e com o consentimento da Igreja, ou, ao menos, de boa parte da sua hierarquia”.
Pouco depois da morte do ditador Jorge Rafael Videla, acusado neste caso como autor mediato, um grupo de querelantes enviou uma carta ao Tribunal de La Rioja. “Para a comunidade de La Rioja, mas também para todos os argentinos, a realização deste julgamento tem um significado muito profundo, porque é a interpelação do Pastor e profeta, máximo testemunho da fé e do compromisso com o povo, martirizado por sua fidelidade na busca e na luta pela vida e pela dignidade de todos, e especialmente dos mais pobres”, disseram. “Toda a América Latina clama por justiça pelos nossos pastores assassinados, por isso lhes solicitamos que devem assumir a oportunidade histórica de aplicar a justiça e fixar definitivamente a data para o início do julgamento correspondente”. Entre as assinaturas dessa carta está a da sobrinha do bispo, María Elena Conseano, Luis “Vitin” Baronetto, querelante e diretor da revista Tiempo Latinoamericano, e o advogado da Secretaria de Direitos Humanos Guillermo Díaz Martínez.
Entre os acusados estão Luciano Benjamín Menéndez, chefe do Terceiro Corpo do Exército com jurisdição sobre La Rioja; Luis Fernando Estrella, chefe da Base Aérea de Chamical, e Juan Carlos Romero, encarregado do Departamento de Informações (D2) de La Rioja. São acusados por homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado e associação ilícita na qualidade de autores mediatos. Entre os que morreram sem ser julgados, além de Videla, encontram-se o ex-ministro do Interior Albano Harguindeguy, e os ex-tenentes coronéis Osvaldo Pérez Battaglia e Pedro Malagam. Ficou excluído do julgamento, por insanidade, Edilio Cristóbal Di Césare, ex-chefe de polícia.
Baronetto recorda esta lista em uma carta na qual menciona o que ainda está pendente: “Depois de 37 anos, a Justiça terá a oportunidade de selar o que o povo disse no mesmo dia 04 de agosto de 1976, quando se disfarçou de acidente de carro o atentado criminoso nas proximidades de Punta de Los Llanos”, escreveu. “O bispo levava escondido atrás do assento da sua camioneta a pasta com as informações reunidas sobre o assassinato dos dois sacerdotes de Chamical. Uma fotocópia dessa pasta foi vista pelo policial federal Peregrino Fernández no escritório de Albano Harguindeguy, na época ministro do Interior. É o que consta no expediente judicial. Foi o motivo imediato do crime, que na realidade foi preparado bem antes, com o ataque à pastoral diocesana, promotora dos empobrecidos por um sistema feudal de exploração”.
Em termos de prova, o julgamento revisará documentos, atas e, sobretudo, testemunhos que desde o primeiro dia dão conta do atentado, como assinalou o levantamento: “Podemos afirmar com segurança que a colisão automobilística em que dom Enrique Angelelli perdeu a vida foi provocada de forma deliberada por outro veículo que vinha seguindo” a ele e ao sacerdote Arturo Pinto, que salvou sua vida milagrosamente. Mas também, as querelas – com a exceção, provavelmente, da Diocese – avaliarão em duas direções o papel da Igreja. Por um lado, em base a cartas e documentos, trabalharão sobre as provas do desamparo em que a hierarquia deixou o bispo com conhecimento de causa de que estava ameaçado e em perigo. E, por outro lado, se voltará sobre a insistência da Igreja de qualificar este fato desde sempre sob a hipótese de acidente.
Baronetto assinala que uma das últimas provas que conseguiram é uma carta de julho de 1976 escrita pelo padre Jerónimo Podestá, expulso pelo Vaticano. Na carta dirigida ao cardeal Raúl Primatesta adianta que a vida de Angelelli estava em perigo. “Amigos de todo tipo, mas sobretudo altos oficiais bem compenetrados da situação política e militar, me anunciaram um sombrio recrudescimento da repressão irracional, arbitrária e me aconselharam para me cuidar muitíssimo, pois poderiam acontecer coisas desagradáveis (...) Um amigo militar me disse que eu poderia ser um excelente candidato para provocar terror e medo, outros pensariam que (Vicente) Zaspe ou você poderiam ser objeto de algum fato intimidante. Mas outro porta-voz militar disse a amigos que não seria eu – pois me consideravam fora da Igreja –, mas que o candidato era Angelelli e que lhe restavam poucos dias”.
De julho a agosto, efetivamente, passaram-se poucos dias. Podestá já morreu, mas durante o julgamento poderia ser convocada a sua esposa. A ideia do desamparo aparece inclusive nas últimas cartas do bispo. “O sentido que isto traz quanto ao atentado – disse Baronetto – é em relação à sua gravidade, porque não lhe dar cobertura significa entregá-lo aos executores”. Não por acaso, o levantamento analisa o papel de Primatesta, que foi quem “administrou” o “afastamento” de Angelelli da província de Córdoba e disse ao vigário castrense do Exército, Victorio Bonamín: “Oxalá seja levado aos comparsas”.
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Enrique Angelelli. Julgamento, 37 anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU