Por: Jonas | 30 Janeiro 2013
Não é cardeal (ainda), mas dirige a mais importante congregação vaticana. O prefeito da Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, celebrou a solene festa de São Tomás na Universidade São Dâmaso de Madri com brilhante conferência sobre “a liturgia no pensamento teológico de Joseph Ratzinger”. E deixou claro que, neste como em muitos outros âmbitos, a Igreja aposta na continuidade. Porque “a contraposição da liturgia do antes e do pós-conciliar é um instrumento ideológico”.
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 28-01-2013. A tradução é do Cepat.
Expectativa na sala de atos do seminário conciliar de Madri, repleto de professores, seminaristas e alunos leigos. Todos querem ver e escutar o “guardião da ortodoxia”, o arcebispo alemão que é capaz de conjugar sua amizade com Gustavo Gutiérrez, o pai da Teologia da Libertação, e a defesa da sã doutrina.
De fato, o prelado alemão começou sua intervenção saudando os “amigos da verdade e da sã doutrina”. E estava rodeado de amigos. Na mesa presidencial, o reitor da Universidade, Javier Prades, e o cardeal de Madri, Rouco Varela. Na primeira fila, os bispos auxiliares Herráez, Franco e Camino, juntamente com vigários, professores e seminaristas de uma Universidade, na qual o próprio Müller deu aulas, como professor convidado, há alguns anos.
Por isso, o cardeal de Madri deu as boas-vindas ao “muito conhecido e muito querido prefeito da Doutrina da Fé, na casa em que foi professor convidado”. Na continuação, Javier Prades fez um breve esboço da trajetória biográfica e teológica do arcebispo curial e destacou que, como dizia São Tomás, “a Igreja precisa continuar tendo mestres”.
Um Prefeito da Fé coroinha
Müller é um prestigiado teólogo, mas, ao escutá-lo, entende-se tudo o que diz. Assim como o papa Ratzinger, possui essa qualidade dos grandes teólogos alemães (ao menos de alguns) de tornar acessível e simples o teologicamente complicado. Daí que, para explicar sua aproximação da liturgia em Bento XVI, começa pela teologia do coroinha e de sua experiência vital em “servir ao altar” e em ter “a Igreja como pátria espiritual”.
Recordou que “o ressurgimento e renovação da liturgia” coincidiram com sua juventude, numa região alemã, como a de Maguncia, berço de Romano Guardini, “o mestre da renovação litúrgica ou da renovação da Igreja por meio da liturgia”. E como se isso fosse pouco, Müller também nasceu à sombra de outro grande personagem, o bispo Von Ketteler, “um lutador corajoso e competente, comprometido com a justiça social”. Daí a sua síntese vital e doutrinal em relação à liturgia. “A liturgia não é um jogo com os sentimentos religiosos de costas para o mundo, mas preparação para o serviço ao mundo, na unidade interna de amor a Deus e amor ao próximo”.
Uma reforma da liturgia entendida, assim, como continuidade. Porque “a contraposição da teologia e liturgia pré-conciliares e pós-conciliares é contrária à experiência pessoal na vida da Igreja, e demonstra ser cada vez mais um instrumento ideológico, com o qual se pretende romper a unidade da Igreja, na continuidade de sua tradição e mediação histórica da revelação”.
O fato de enlaçar o sacrifício com o banquete, na eucaristia, também não oferece problemas ao prefeito da Doutrina da Fé. “O caráter sacrificial da eucaristia não depende da orientação da celebração, nem se opõe à sua concepção como banquete”.
Porque, resumidamente, “frente aos conservadores e progressistas, necessitamos de uma interpretação integral e autêntica da renovação litúrgica”. Porque a “renovação de nossa capacidade litúrgica depende da renovação de nossa capacidade de dar razão, aos homens e mulheres de hoje, do Logos da esperança que habita em nós”, concluiu dom Müller.
Declarações para a COPE
O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – que tem como missão não apenas defender a fé, mas promovê-la -, dom Gerhard Ludwig Müller, pediu “coragem” aos católicos espanhóis, diante da secularização, e assegurou que a Igreja sabe “muito melhor” do que os políticos, “da linha do laicismo”, sobre o que os homens necessitam.
“Não podemos perder a coragem de anunciar o Evangelho hoje, pois sabemos muito melhor que todos estes políticos da linha do laicismo, desta ideologia ateísta, nós sabemos muito melhor o necessário para todos os homens”, afirmou numa entrevista para a COPE, recolhida pela Europa Press.
Neste sentido, sublinhou que a mentalidade “secularizada” não pode dar uma resposta adequada aos sofrimentos dos homens, para seus problemas existenciais, sobre o que há depois da morte, nem sobre a forma como construir uma sociedade baseada nos valores da “justiça social e da dignidade humana”.
Além disso, dom Müller apontou que as polêmicas sobre a Igreja são “inúteis” e que é preciso se concentrar não no “superficial”, mas “nas grandes perguntas existenciais dos homens que vivem hoje no mundo”. Destacou que é necessário “um anúncio de esperança” e que a Igreja dá esperança a todos os homens. Porque a fé católica “não é um irracionalismo”, pois “existe uma conexão entre razão e fé”.
Assim, explicou que “para apresentar o Evangelho como força que dá vida, é preciso sublinhar a intelectualidade, a racionalidade da fé”, mas também “expressar a direção da razão dos homens para a fé, até o encontro com Deus”.
No marco desta “intelectualidade”, dom Müller destacou que as universidades são “absolutamente importantes” e recordou que são “fundações da Igreja” na história do cristianismo europeu. Além disso, sublinhou que, mesmo que sejam universidades do Estado ou da Igreja, sempre se trata da “mesma essência”.
Neste sentido, se referiu ao “elevado intelectual” que é o papa Bento XVI, definindo-o também como “uma pessoa muito humilde, muito simples e muito cultivada” que, além disso, encontra-se “muito bem de saúde”. “O Papa tem a capacidade de dirigir a Igreja no bom caminho, para uma nova cultura da humanidade, porque a humanização e a evangelização são quase duas mãos com um só corpo”, esclareceu.
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“A contraposição da liturgia do antes e do pós-conciliar é um instrumento ideológico”, destaca Gerhard Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU