29 Setembro 2015
"Depois de uma série de arrastões, parte dos moradores do Rio passou a defender que se limite a ida à praia de quem vive nos bairros mais pobres. Frequentadores de academias chegaram a organizar inspeções em ônibus que iam a Copacabana", escreve Bruno Guedes, jornalista, em artigo publicado por CartaCapital, 25-09-2015.
Eis o artigo.
O Rio de Janeiro viveu um fim de semana conturbado, uma espécie de convulsão social. A praia é o centro de um confronto que evidencia um forte desejo de boa parte da elite carioca por uma espécie de apartheid, pelo confinamento da periferia. Para o torcedor de futebol, nenhuma surpresa. Na prática, a segregação já existe nos estádios de futebol. Um espaço que por décadas foi quase tão democrático quanto as areias de Copacabana, Ipanema e Leblon. E não é mais.
Depois de uma série de arrastões, parte dos moradores do Rio passou a defender que se limite a ida à praia de quem vive nos bairros mais pobres. Frequentadores de academias chegaram a organizar inspeções em ônibus que iam a Copacabana. Quem estava de chinelo e não tinha dinheiro para a volta corria o risco de ser impedido de chegar à praia. Nos estádios que recebem partidas dos quatro grandes clubes da cidade, não foi preciso nenhum discurso, tudo foi conduzido em processo lento.
O fim da Geral do Maracanã, em 2005, foi o primeiro golpe, duríssimo. Quem frequentava o setor mal via o jogo, é verdade, não havia como sentar, mas existia garantia de se ocupar um espaço de baixo custo. Claro que as condições não eram adequadas, como afirmam os defensores de seu fim, mas se essa fosse a justificativa real, uma repaginada no local serviria, ou a transferência do setor para outro lugar, com preço ainda acessível.
Desde a primeira de uma série de reformas, para o Mundial de Clubes de 2000, o valor do ingresso do Maracanã passou a subir violentamente. O Flamengo se dedicou a montar um plano de sócio-torcedor, que garante dinheiro ao clube, mas que é excludente, já que não são poucas as pessoas que estão impossibilitadas de empenhar um valor mensal, ainda mais com filhos. Com prioridade na compra, os torcedores de “primeira linha”, muitas vezes nem dão chance para que outros possam ir ao estádio.
Os pobres sumiram do maior símbolo do futebol brasileiro, ficaram restritos a jogos esporádicos, de preferência aqueles em que a equipe está em má fase e as diretorias apelam ao “comprometimento do torcedor”. Os ingressos também ficaram mais caros em jogos de Botafogo e Vasco, no Engenhão e em São Januário, na zona norte da cidade. A exclusão vale até para jogos de equipes menores. Para acompanhar o recém-rebaixado Madureira na Série C do Campeonato Brasileiro, o torcedor tinha de desembolsar R$ 20 pela entrada inteira. Um valor surreal.
A justificativa oficial é econômica. Os dirigentes buscam é o torcedor que pode pagar R$ 20 por um hambúrguer, R$ 10 por um refrigerante, não o que compra amendoim no trem e guarda no bolso para comer durante o jogo. Evitar a violência também é um argumento muito usado, como se todo pobre fosse bandido, como pensam os defensores do fechamento das praias. E se esquecem do jovem da zona sul, “de berço”, que se envolve com torcida organizada, que marca briga em dia de jogo.
A exclusão na arquibancada é menos grave do que a ideia de tirar parte da população pobre da praia. O que acontece como reação à onda de assaltos nos arredores das praias não se compara com a mudança no perfil de quem frequenta os jogos. Mostra, no entanto, que a cidade mais famosa do Brasil está cada vez mais dividida.
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Apartheid carioca: nos estádios, os pobres perderam espaço faz tempo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU