11 Junho 2015
"Já existe uma grande quantidade de contato entre os mundos cristão e muçulmano, por exemplo, mas a nossa compreensão do Islã fica perigosamente para trás. Em vez disso, passamos a olhar para o mundo inteiro com um olho invejoso", escreve Joan Chittister, irmã beneditina, ex-presidente da LCWR, em artigo publicado pela National Catholic Reporter, 09-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
A NASA faz silêncio sobre o assunto, mas o fato permanece: os seus cientistas estão à procura de alienígenas no espaço sideral. E mais, hoje nós meio que esperamos vê-los nessa vida ainda. Eles estão lá fora em algum lugar, imaginamos. E se não nos encontrarem primeiro, nós os encontraremos com certeza. Talvez sob uma rocha em Marte; talvez na água debaixo da crosta de Ceres. Mas certamente em algum lugar.
Afinal de contas, é o que dizem as probabilidades. De 200 bilhões a 300 bilhões de estrelas em nossa Via Láctea e das 100 bilhões às 200 bilhões de galáxias no universo, quem realmente acreditará que estamos sozinhos neste espaço todo?
O problema que estamos ignorando é que eles já estão aqui. Nós os chamamos de “robôs”. Eles, também, são estranhos à nossa sociedade, porém estão se movendo rapidamente. Na verdade, hoje dificilmente nós os notamos.
Não estou pensando exatamente nos robôs que varrem pisos, por exemplo. Vejo e sorrio para os que correm, para cima e para baixo, nos corredores dos hospitais, entregando roupas de cama e descartando materiais médicos. Há aí uma grande programação, penso eu. Mas fora do comum? Na verdade, não. Eu tinha um tio cujos trens elétricos carregavam doces de Natal de um lado da sala para o outro por muito tempo depois que as decorações de Natal haviam sido jogados fora. O que são os robôs, pensei, se não um trem de brinquedo num nível superior?
Mudei de ideia, no entanto, e repensei toda esta questão recentemente, quando me deparei numa notícia sobre médicos que estão trabalhando em uma impressão 3-D de um coração humano substituível e em um vídeo de um homem cujo “robô” tocava violino. Músicas folclóricas irlandesas e Mozart, na verdade. Assistia o arco atravessar as cordas, enquanto o corpo do violino inclinava-se para trás e para a frente e os “dedos” tocavam as notas. Quanto tempo levará, me perguntei, até que as pessoas estejam vivendo com corações produzidos por uma impressora 3-D e este robô violinista comece a escrever os seus próprios arranjos?
Nesse meio tempo, ele continuou tocando. De novo e de novo. Talvez não tenha mostrado nenhuma melhora na execução, mas também não cometeu erro algum. Incrível, pensei. Incrível.
Mas é mesmo? Realmente?
Como um modelo de parceria entre computadores e seres humanos, eles são um enorme sucesso. Um grande exemplo. Mas também, dizem muitas outras coisas sobre o que vai ser preciso para se permanecer humano em um mundo tecnológico.
Como um povo, talvez por instinto, ficamos animados com toda essa informatização da vida por tanto tempo. Mas só agora estamos começando a articular as preocupações que estas tecnologias nos trazem, bem como os serviços que prestam tanto nas artes quanto nas ciências.
A ironia é que nós unimos o mundo tecnologicamente e, ao mesmo tempo, o tornamos mais difícil do que nunca para que nos unamos politicamente. A não ser que queiramos realmente mudar; a não a não que decidamos trabalhar tão duro na compreensão quanto fazemos em tecnologia, assim será.
Em um mundo que fala mais de 7 mil línguas, mas que tem formas escritas para apenas cerca da metade delas, como a tecnologia irá prover à humanidade que precisamos governar um mundo tal como esse? Temos um sério problema de comunicação. Enquanto o mundo humano e os seus robôs tornam cada vez mais difícil distinguir as operações humanas das robóticas, o que acontece com a humanidade, tanto a nossa quanto a do resto da raça humana, que ainda não pode escrever uma carta a um parente de quem sente saudades? O que acontece com o entendimento humano então? Na verdade, precisamos parar para penetrar a alma do outro antes de seguirmos em frente. Caso contrário, nenhuma quantidade de violinistas robóticos ou corações artificiais será capaz de resolver os problemas que a nossa tecnologia deixa para trás.
Pelo que parece, quanto mais nos conectamos com o resto do mundo, menos entendemos como lidar com ele. Pensemos no Afeganistão, onde os nossos drones estão matando civis. Pensemos em Baltimore, onde todo o nosso equipamento computadorizado consegue manter as pessoas sob controle, mas não faz nada para realmente fazê-las se sentirem mais seguras, mais humanas, mais valorizadas.
Já existe uma grande quantidade de contato entre os mundos cristão e muçulmano, por exemplo, mas a nossa compreensão do Islã fica perigosamente para trás. Em vez disso, passamos a olhar para o mundo inteiro com um olho invejoso. Armas tornaram-se o nosso principal produto de exportação, e a espionagem universal se tornou o nosso esporte favorito. Em seguida, no caso de a inteligência falhar, inventamos rifles de precisão que são mortalmente precisos a três campos de futebol de distância.
Em todos os níveis da humanidade, parece que preferimos a tecnologia a relacionamentos. Não queremos a diplomacia, mas o nosso próprio Congresso enfraquece um presidente que está tentando alcançar alguma coisa nesse sentido. O agronegócio está se dedicando a transformar sementes naturais em sementes não reprodutíveis de forma que possamos transformar, também, o alimento em uma arma internacional. Afinal, o que não pode ser reproduzido precisará ser comprado de nós, certo? Se estivermos dispostos a vendê-lo às pessoas, é claro.
E, no meio de tudo isso, a ironia das ironias: estamos escrevendo artigos sobre os perigos da inteligência artificial em robôs!
Até que nos tornemos humano o suficiente para fomentar a humanidade em nós e à nossa volta, não estaremos em condição de lidar com robôs.
Isto é certo: os robôs não são o problema. É a inteligência artificial em nós mesmos que é o problema.
Até agora, abraçamos a tortura, abandonamos o princípio do habeas corpus, ignoramos os direitos de privacidade e abrimos os espectros do livro “Arquipélago Gulag”, de Solzhenitsyn, onde todos são marcados e filmados, seguidos e ouvidos até que a antiga noção de direitos humanos e os princípios do Iluminismo sejam apenas vestígios turvos de um passado democrático. Os nossos produtos eletrônicos rodearam o nosso mundo com uma cerca eletrônica, da mesma maneira que nós mantemos os nossos cães nos pátios fechados que parecem abertos.
Na verdade, Pogo nos alertou: “Nós encontramos o inimigo e ele somos nós”.
Na medida em que as eleições nacionais começam a depender de quem quer comprar quem e que toda a riqueza aumenta no topo em todo o mundo, vemos que precisamos parar um minuto. Precisamos nos perguntar quem realmente queremos ser e em que nos tornamos. E então, como um povo, devemos exigir melhor.
De onde estou, parece-me que, até então, todos as bugigangas em nossas vidas podem nos envolver, toda a conversa sobre alienígenas pode nos fascinar, todo o nosso medo de robôs pode nos absorver. Mas, no final, será a alienação de nós mesmos para com os nossos melhores ideais que mais ameaçarão o nosso modo de vida e este país.
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Que inteligência artificial deveria nos preocupar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU