Por: Jonas | 24 Outubro 2013
Objetos privilegiados da astrofísica, as supernovas são fundamentais no estudo do Big Bang e das galáxias. Além disso, as supernovas termonucleares são os melhores objetos para medir distâncias cosmológicas e a aceleração da expansão do Universo. Uma conversa com a astrônoma Melina Bersten (foto).
Fonte: http://goo.gl/V0Uh2h |
A entrevista é de Marcelo Moledo, publicada no jornal Página/12, 23-10-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você pode se apresentar?
Sou astrônoma, estudei na Faculdade de Ciências Astronômicas e Geofísicas da Universidade Nacional de La Plata. Minha tese de licenciatura enfocou a física teórica, em temas relacionados com a teoria das cordas e a física de partículas. Fiz o doutorado em Astronomia na Universidade do Chile. E hoje sou pesquisadora do pós-doutorado no Instituto Kavli de Física e Matemática do Universo, da Universidade de Tóquio, no Japão.
E está pensando em retornar ao país...
Sim. Em junho, apresentei-me à carreira de pesquisadora do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas) a partir do exterior. Saberei da resposta no final do ano. Penso que, neste momento, temos excelentes condições para desenvolver a ciência na Argentina, com organismos ativos como o Conicet, com um enorme potencial em recursos humanos, que não é fácil de conseguir em outras partes do mundo, e que incorpora cientistas jovens e repatria aos que se foram do país para realizar pesquisas de alto nível.
Você se dedica à astrofísica das supernovas. Por que as supernovas nos interessam?
Acredito que toda pessoa alguma vez levantou a cabeça e quis saber por que está aqui e o que há no céu. Em seguida, vem o interesse pelas supernovas. As condições físicas que se produzem ali são únicas. São os únicos objetos astronômicos que produzem essas condições, porque, por exemplo, os buracos negros também produzem condições físicas interessantes, mas não podemos observá-los diretamente. As supernovas estão totalmente relacionadas com a evolução química e energética das galáxias, porque ao explodirem injetam uma quantidade enorme de energia na galáxia e se presume, embora não esteja totalmente confirmado, que isso pode disparar a formação estelar. Além disso, produz os elementos químicos mais pesados e os propagam no meio interestelar. Sem as supernovas não se poderia entender a composição atual do meio interestelar.
O hidrogênio, o hélio e o lítio são os três elementos que foram gerados no Big Bang...
E todo o resto dos elementos foi gerado no núcleo das estrelas, e as supernovas são as encarregadas de espalhá-los. Caso se queira saber como evoluíram quimicamente uma galáxia e o universo, é necessário entender como funciona uma supernova. As supernovas em si mesmas são objetos muito interessantes.
Por quê?
Porque é possível aplicar muitíssimas leis da física fundamental. As condições que uma supernova possui são muito semelhantes, por exemplo, no que tem a ver com a pressão e a temperatura em que se geraram durante o Big Bang. As supernovas são fundamentais para entender a nucleossíntese do universo. Além disso, estão estreitamente relacionadas com outros objetos de grande interesse astrofísico: os pulsares, as estrelas de nêutrons e os buracos negros de massa estelar, não os supermassivos que existem no núcleo das galáxias, já que estes são o remanente de uma explosão de supernova.
Esclareçamos que as supernovas são o estouro de uma estrela massiva.
Na realidade, existem diferentes tipos de supernovas. Em grandes linhas, é possível dividi-las em duas: as que provêm da explosão de estrelas massivas, que chamamos “supernovas de colapso gravitatório”, e as que provêm de estrelas de menor massa, mas que fazem parte de um sistema binário onde uma das estrelas é uma anã branca, que recebe matéria de sua estrela companheira, e explode por outro mecanismo. E estas se denominam “supernovas termonucleares” ou de tipo Ia. As supernovas que eu estudo são as de colapso gravitatório, ou seja, as que representam o final da evolução de estrelas massivas, que contam com uma massa maior do que umas oito vezes a do Sol. Estrelas que são de menor massa não vão explodir, supõe-se que irão morrer como anãs brancas. Contudo, das estrelas que tem mais massa se espera que explodam, ainda que não façam parte de um sistema binário. E, nesse momento, são observadas no céu como um objeto muitíssimo mais brilhante do que uma estrela, que pode brilhar por um mês com um brilho semelhante ao de uma galáxia.
Por que são interessantes para estudá-las?
Além de serem importantes para entender a nucleossíntese do universo, são objetos ideais para as medições de distâncias cosmológicas. A medição de distâncias no universo é um dos problemas mais difíceis da astronomia e as supernovas de tipo Ia são os melhores padrões luminosos que existem a grandes distâncias. Isto se dá assim por duas razões: porque são muito brilhantes e é possível observá-las a grandes distâncias e porque é possível estandardizar o brilho intrínseco do objeto. Ou seja, conhecemos a energia que emite o objeto pela unidade de tempo. Logo, se o vemos mais fraco é porque está mais distante. A característica temporal destes objetos é também uma vantagem, já que são objetos que podem ser vistos por um tempo e estabelecer um evento temporal. Aparecem e desaparecem depois de meses. A partir das condições que se dão, em seu interior, vão se produzindo os diferentes elementos químicos dos quais nós somos feitos. As estrelas, em princípio, brilham porque se está produzindo fusão e liberam energia, mas a quantidade de fusão de diferentes elementos que se pode fazer, dependerá da massa inicial que a estrela tiver.
Por exemplo?
Uma estrela como o sol, numa determinada fase, não pode continuar queimando determinados elementos, mas quanto mais massiva for, mais pressão e temperatura existirão e mais possibilidades têm de continuar criando os elementos químicos da tabela periódica, até o ferro. Aí, quando o ferro já não pode continuar produzindo energia por este processo, o objeto tende a colapsar, torna-se muito denso e chega a condições extremas, muito extremas, de física extrema, de física que se estuda no Big Bang.
Quantas supernovas por ano explodem numa galáxia comum?
Isto depende do tipo de galáxia. Espera-se mais ou menos uma supernova por século numa dada galáxia. No entanto, como os astrônomos observam muitas galáxias cotidianamente, num ano são descobertas centenas de supernovas, em centenas de galáxias diferentes.
Porém, por que não se observa uma supernova por século em nossa galáxia?
A última supernova galáctica que foi observada é a que ocorreu em 1604, conhecida como a supernova de Kepler, observada por Kepler e Galileu, entre outros. Costuma-se atribuir a não observação frequente de supernovas galácticas ao fato de nos encontramos imersos no disco denso da própria galáxia e, por isso, pode ocorrer que não vejamos as supernovas que explodem “do outro lado”, para além do núcleo galáctico, que ficariam ocultas. A estrela mais próxima que se conjectura que irá explodir é Betelgeuse, que é a mais brilhante da constelação de Orion (onde estão também As Três Marias) e acredito que é o ombro direito de Orion. É uma estrela bastante vermelha que pode ser vista a olho nu. A partir das propriedades que Betelgeuse possui hoje, nós fizemos alguns cálculos de como se observaria sua explosão a partir da Terra e do possível efeito nocivo sobre o planeta e os seres vivos. Segundo estes cálculos, a supernova poderia ser vista durante o dia, por aproximadamente um ano, e chegaria ao seu máximo esplendor tendo um brilho comparável ao da Lua cheia.
Há vários tipos de supernovas. Uma é a supernova de uma estrela, que colapsa e por alguma razão explode...
Sim. Uma é a explosão de uma estrela massiva isolada, que provém do colapso de seu núcleo quando já não pode mais produzir energia. A segunda possibilidade é a supernova que provém de uma estrela de baixa massa, que faz parte de um sistema binário. Neste último caso, trata-se de uma estrela anã branca que, caso tenha uma companheira que lhe transfere matéria, então se torna instável e ocorre uma explosão termonuclear. Essas supernovas, conhecidas como supernovas de tipo Ia, são consideradas as mais importantes para a cosmologia, porque compõem sistemas muito homogêneos. Ou seja, de uma anã branca sabemos que massa possui, que raio possui e isso faz com que a forma de explodir, sua emissão de luz em função do tempo, seja muito padrão. É uma standard candle ou padrão luminoso. Sabemos o brilho intrínseco que tem que ter essas supernovas, então, ao saber isso, se a vemos mais frágil é porque deve estar mais longe, o que permite calcular distâncias. São, de fato, os melhores objetos conhecidos para medir distâncias em escalas cosmológicas. E justamente com elas é que se descobriu a aceleração da expansão do universo, o que levou à proposta de uma nova forma desconhecida de energia, a “energia escura”. Tudo isto conduz a uma revolução em nossa cosmovisão e possivelmente na física fundamental.
A descoberta da aceleração do universo foi Prêmio Nobel em Física há alguns anos...
Sim, em 2011. Foi dado para três cientistas, dois estadunidenses e um australiano. A revolução que significou conhecer a aceleração do universo foi descoberta com supernovas. Ao ser estes padrões luminosos ideais, perceberam que a lei que seguiam não era a lei esperada para algo que estivesse se expandindo de maneira constante, e descobriram que estava se acelerando.
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Supernovas, os elementos e as distâncias do Universo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU