Por: Carolina Lima e Marilene Maia | 25 Novembro 2016
A construção da realidade tem que partir de diversas perspectivas. A existência social é compartilhada e, por isso, precisa que seja debatida e analisada de forma coletiva. Nesse sentido, um grupo de entidades e agentes tem se encontrado para conversar sobre realidades do viver no município de São Leopoldo. A partir de um debate conjuntural realizado pelo Fórum da Criança e do Adolescente, lideranças, acadêmicos e organizações se sentiram provocados a debater mais sobre a realidade que temos e a realidade que queremos. “Os dados de São Leopoldo precisam ser de alguma maneira analisados. E nós, como Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos/IHU, temos o compromisso de olhar um pouco mais essas realidades e subsidiar a quem se interessar, mas especialmente a sociedade civil, para qualificar a sua intervenção na realidade”, aponta a professora Marilene Maia, coordenadora do ObservaSinos.
A partir dessa perspectiva, o ObservaSinos, junto com outros parceiros, teve a iniciativa de intencionalizar o debate acerca do município de São Leopoldo, compreendendo que este é estratégico para compor o debate da realidade do Vale do Sinos e da Região Metropolitana de Porto Alegre. Duas reuniões já foram feitas para o debate sobre São Leopoldo, onde os dados foram apresentados de forma coletiva. Para Marilene Maia, todos temos dados sobre a realidade. “O propósito é esse, que a gente possa trazer para cá mais pessoas que têm trabalhado sobre a realidade, que tem expressões de realidade, para compormos o retrato de São Leopoldo, o retrato que temos, e o desafio é compor o retrato que queremos”, provoca a professora. Além disso, o encontro compõe a necessidade que se tem em construir e garantir uma democracia, que deve ser feita e realizada diariamente, com ações e iniciativas que provoquem nosso olhar sobre a realidade posta.
SAÚDE: 79,41% dos adolescentes morrem por causas externas em São Leopoldo
Este foi um dado que o ObservaSinos deu destaque durante o debate. A partir disso, surgiram dúvidas e questões em torno à realidade dos adolescentes do município, assim como experiências de trabalho com eles realizadas. Segundo Matheus Nienow, acadêmico de Ciências Econômicas e integrante do ObsevaSinos, o que compõe o dado das mortes por causas externas são: suicídio, homicídio e acidentes de trânsito. “Essa tabela vai nos mostrar a população de 10 a 19 anos, que compõe a população adolescente. No município de São Leopoldo, em 2014, foram 34 óbitos”, pontuou.
Para Marilene Maia, a realidade apontada pelo dado deve servir para problematizar as políticas públicas. “Que políticas públicas estão garantindo a proteção aos adolescentes? Se esse é o segmento mais fragilizado e que, ao mesmo tempo, deveria ser o mais protegido, o que é que está sendo feito? O que deveria estar sendo feito para garantir a proteção dessa população?”, questionou a professora.
A partir desse questionamento, Susana Marino, coordenadora do Centro de Cidadania e Ação Social - CCIAS da Unisinos, trouxe questões relevantes ao debate. Segundo Susana, a frequência dos adolescentes nos projetos sociais é baixa. “A nossa maior dificuldade é a adesão dos adolescentes nos projetos sociais. Eles até nos procuram, mas não conseguem se manter”, afirmou. Ainda questionou onde poderia estar esse setor, que hoje é pouco visto na sociedade.
Nesse mesmo sentido, Jaira Graske, assessora do PROAME e conselheira do Comdedica, apontou que os adolescentes não estão presentes na região central da cidade. “Eles não são bem-vindos no centro, porque eles não estão fazendo nada, porque eles estão ocupando o espaço. Eles não podem mais entrar no shopping. Agora lá na periferia a gente encontra bastante jovens nas esquinas, sem ter absolutamente nada para fazer”, enfatizou Jaira, trazendo uma problemática relevante, que é o fato de o centro “não aceitar” a presença dos jovens na região.
Dessa forma, alguns apontamentos foram feitos em torno da realidade dos adolescentes no município de São Leopoldo. Na tentativa de tentar mapear por onde eles estão, foi possível verificar os locais onde não estão. Como, por exemplo, o cruzamento do dado de evasão escolar, o que acontece bastante nessa faixa etária, que tem aumentado o seu índice. Também foi identificada a adesão dos jovens dessa idade aos meios tecnológicos. “Quando tem o Eu cidadão, que é um dos projetos da Unisinos para inclusão digital, ali eles se empolgam em ir”, argumentou Marino.
Outra perspectiva abordada durante o debate foi a questão das drogas. Os participantes trouxeram apontamentos em relação ao tráfico. Para Mariana Szasbely, que trabalha com famílias de uma área de ocupação no bairro Cohab Duque, os adolescentes são lesados pelos problemas em relação às drogas. “Falando um pouco da realidade que eu vejo, de jovens de 14 e 15 anos, infelizmente na nossa realidade a droga é muito forte. Muitos deles estão vendendo ou consumindo drogas”, comenta, abordando também que isso gera preocupação nas mães que privam os filhos menores a frequentarem espaços onde a movimentação do tráfico pode acontecer, como praças e lugares públicos.
Assim, o debate, a partir do dado que apresenta o índice da causa de morte na adolescência, provoca diversos caminhos e realidades. “Penso que é exatamente esse o desafio, que a gente vá montando esse quebra-cabeça tentando entender onde estamos, considerando especificidades de cada território, que certamente tem as suas influências”, considerou Marilene Maia durante a conversa.
DADO: O tratamento com os indicadores
Uma questão abordada durante o seminário foi em relação ao tratamento do dado. Para Marilene Maia, a preocupação com as formas de coleta e leitura do dado compõe uma dimensão do Controle Social. “Nem sempre a notificação é feita adequadamente. O dado pode ser maltratado. Temos que assegurar que os equipamentos que reúnem os dados consigam reconhecer a importância deles para a sociedade”, ponderou. Em encontro, foi destaque a situação precarizada dos trabalhadores e das trabalhadoras e como isso pode afetar diretamente o tratamento dos dados por parte de quem os sistematiza e os reúne.
Para Susana Marino, dar atenção para coleta é também fazer o acompanhamento dos casos. Nesse sentido, ela compartilhou experiências em relação a isso. “É importante o acompanhamento sistêmico do serviço público no município. É isso que vai nos dar os dados sobre o que está funcionando e o que não está”, afirmou, apontando que é preciso provocar as políticas públicas a partir do cruzamento do dado com a realidade.
REPRESENTATIVIDADE NAS ELEIÇÕES: 30,91% dos candidatos a vereador foram mulheres, três foram eleitas nas últimas eleições, dado que se repete em 2012 e 2016
No Brasil, o art. 10, §3º, da Lei 9.504/97, aponta que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. Apesar disso, por mais que a lei seja ampla, não impedindo que haja mais candidaturas de mulheres, a presença feminina ainda é menor e acaba respeitando somente os 30%. O dado de 2016 diz que 30,91% dos candidatos a vereador foram mulheres e três delas foram eleitas. A Câmara de Vereadores de São Leopoldo comporta 13 vagas para vereadores. Nesse caso, as mulheres eleitas representam em torno de 23% do pleito eleito.
Ainda no município de São Leopoldo, 50,19% dos eleitores são mulheres, porém, ao mesmo tempo, essa representatividade não é sentida na Câmara de Vereadores. A provocação teve como princípio entender por que não houve avanços e por que o dado continua o mesmo de 2012. Ainda que as mulheres sejam maioria, entende-se que o debate perpassa questões estruturais em relação ao gênero. “Eu vi esses dias uma entrevista com mulheres candidatas a vereadoras para cumprir os 30%, e a própria mulher não votou nela”, compartilhou Antoninha Lima, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São Leopoldo. Ou seja, a questão em relação ao gênero está introjetada nas práticas diárias e, muitas vezes, é incentivada por partidos políticos.
A partir disso se verificou o papel do judiciário em garantir que as leis que buscam reduzir a desigualdade sejam asseguradas. Ainda, se problematizou essa questão. “Por que tem que passar pelo judiciário?”, questionou Marilene. Observou-se que existem padrões que são aceitos, enquanto outros são excluídos da sociedade, principalmente questões que envolvem as desigualdades de gênero, étnico-racial, de classe, geracional, entre outras. “Como a gente problematiza essas realidades no sentido de incomodar? Incomodar no sentido de as pessoas se incomodarem. Temos que gerar algum incômodo para pensarmos a partir de outras perspectivas”, enfatizou Marilene. Sempre pensando que os direitos já estão garantidos. “Temos então que promover a efetivação do direito, a garantia do direito, o acesso a ele”, destacou Jaira.
EDUCAÇÃO: Em 2011, 13,9% dos alunos abandonaram o Ensino Médio
A taxa de abandono apresentada foi problematizada a partir da perspectiva da territorialidade do município de São Leopoldo. “Lá na região nordeste a gente tem só uma escola com ensino médio”, apontou Jaira, trazendo o sentido do dado, no intuito de explicar que a falta de oferta de escolas próximas à região de moradia dificulta o acesso à escola. As escolas de Ensino Médio estão reunidas nas áreas centrais. Existem escolas nos bairros, porém não atendem à demanda.
A partir disso se identificou que a dificuldade do acesso à escola provoca o analfabetismo. Mariana identifica que, na região onde ela tem contato, o nível de analfabetismo entre mulheres é bastante alto. “Isso é uma limitação enorme para os filhos. Tendo esses exemplos, a partir de suas mães, não há motivação para estudar”, considerou. Ela ainda trouxe que, na realidade que visualiza, poucos adolescentes têm ensino médio.
Entre as causas do abandono escolar, Antoninha apontou o bullying como um motivo. “Se escuta muito dos adolescentes, e das próprias mães, que existe uma discriminação por eles serem de regiões descentralizadas que são criminalizadas”, acrescentou ao debate. Dessa forma se identifica que existe uma exclusão territorial na cidade que marginaliza bairros com índice grande de violência, e exclui a população dessas regiões do acesso à educação, pois os adolescentes desistem de estudar por não se sentirem aceitos nas escolas localizadas no centro.
A questão do incentivo também foi abordada. Segundo Susana Marino, o descaso com o ensino médio ocorre por conta da falta de obrigatoriedade dele dentro da própria Constituição Brasileira. “Enquanto que o ensino fundamental é garantido, o ensino médio não”, apontou, afirmando que isso gera a possibilidade de não precisar continuar estudando. Além da questão cultural em torno do trabalho: “Tu incentiva e induz o trabalho desde cedo. É tão bonito trabalhar, trabalhar desde cedo é tão bom, né?”, ironizou. O que gera a falta de estudo por parte de adolescentes, são pessoas que aceitam trabalhar em condições mais insalubres e são menos valorizadas dentro do mercado de trabalho.
PROTEÇÃO SOCIAL: atraso salarial dos estagiários e servidores do município
No início do mês de novembro, estagiários e funcionários da Prefeitura Municipal de São Leopoldo começaram a se mobilizar em decorrência do atraso de salários por parte da gestão municipal. Houve um parcelamento de salário de servidores, além do atraso do salário dos estagiários. O esclarecimento da gestão tratou de responsabilizar a crise econômica pela qual estamos passando como causadora dos atrasos.
Depois de duas paralisações, os estagiários receberam o pagamento no dia 18-11-2016. A situação dos funcionários públicos segue precarizada. Apesar do recebimento, a prefeitura não garantiu que os próximos meses seriam de salário em dia. Dessa forma, a reunião que buscou debater São Leopoldo não pôde deixar de considerar essa realidade. O descaso com funcionários e servidores que garantem as políticas públicas geram agravamento nos índices apresentados. Sabe-se que a solução dos problemas passa pela valorização dos responsáveis em amenizá-los. “Os servidores maltratados é claro que vão maltratar o seu trabalho. Eles são maltratados no seu trabalho, nem sempre vão conseguir dar conta das demandas”, apontou Marilene, tendo em consideração que toda sociedade tem responsabilidade na construção cotidiana de uma cidade.
É preciso considerar que a realidade perpassa diversas questões. Na tentativa de organizar um olhar amplo sobre a cidade de São Leopoldo, se propôs que, a partir dos dados, a realidade fosse desenhada e costurada. Visões de diversos setores e organizações trouxeram contribuições para que o retrato da cidade fosse elaborado de forma coletiva. Além de todas as questões territoriais, pensar sobre o município precisa levar em conta a sua relação com a Região do Vale do Sinos, como também sua relação com o estado e com o país. Para Rodrigo Castilhos, assessor do PROAME, temos que pensar as políticas públicas nesse novo momento político que estamos vivendo. “Temos que juntar as frentes de formação para poder disponibilizar para as diferentes áreas”, enfatizou, destacando a necessidade de fortalecermos as iniciativas para enfrentar o momento difícil pelo qual estamos passando.
A CIDADE: São Leopoldo
Diminuir a lupa para ter o foco sobre uma cidade impõe um desafio. São muitas as realidades encontradas num mesmo território. São Leopoldo é um município que possui 24 bairros, com 225.236 habitantes na cidade, ocasionando uma grande diversidade. Nesse sentido, o desafio de confrontar os dados com as realidades dos participantes do seminário foi no intuito de proporcionar, mesmo que com limitações, um olhar mais amplo sobre o município.
Sabemos que a realidade está em movimento. E é por esse motivo que buscamos diariamente acompanhar os dados da Região do Vale do Sinos. Compreendendo a necessidade de aprofundarmos o debate sobre a cidade, como também ampliarmos esse acúmulo, organizamos essa sistematização do debate feito no dia 7 de novembro. Da mesma forma encaminhamos um novo seminário para debate em São Leopoldo, no dia 7 de dezembro, a partir das 14 horas, na Sala Ignacio Ellacuría. Participe. Todos nós temos dados sobre a realidade.
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São Leopoldo: O retrato que temos e o retrato que queremos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU