“As florestas são a única coisa que nos salvará do aquecimento global”. Entrevista com Stefano Mancuso, neurobiólogo

O botânico italiano que demonstrou que as plantas sentem e têm inteligência insiste que "já deveríamos ter plantado florestas há um século. Precisamos plantar um trilhão de árvores."

Marcelo Camargo | Agência Brasil

17 Novembro 2025

Se cada vez mais pessoas conseguem ver, distinguir e apreciar as plantas como seres vivos de valor quase incalculável ao olharem ao seu redor, isso se deve em grande parte ao botânico italiano Stefano Mancuso (Catanzaro, 1960). Seres inteligentes e sensíveis “dos quais dependemos”, explica Mancuso. “Tudo o que comemos. O oxigênio que respiramos. Dependemos literalmente delas”, esclarece o cientista logo após receber o Prêmio Ecovidrio de Personalidade Ambiental em Madri.

Stefano Mancuso (Foto: Reprodução El Diário)

Mancuso, que dedicou décadas a abrir os olhos da sociedade e curá-la do que ele chama de "cegueira botânica", não só fala com paixão sobre a flora, como também está convencido de que ela é a solução para livrar a humanidade do dilema que criou ao provocar as mudanças climáticas. Em conversa com o elDiario.es, o cientista explica como as plantas podem nos ajudar e como nos ensinam que cuidar uns dos outros em comunidade é "mais eficiente para a sobrevivência" do que lutar individualmente.

A entrevista é de Marta Jara, publicada por El Diario, 17-11-2025.

Eis a entrevista.

Estamos em plena Cúpula do Clima, a COP30, no Brasil, e o presidente do país, Lula da Silva, afirmou que esta será, ou deveria ser, a cúpula das florestas. Algo assim é possível?

Na verdade, deveríamos ter voltado nossa atenção para as florestas há um século. Não sei se esta será a Cúpula das Florestas, mas certamente espero que sim. Porque, falando em Lula, a floresta amazônica está à beira do desaparecimento. Se continuarem desmatando no ritmo atual, em quatro anos a Amazônia estará condenada a desaparecer e se transformar em algo completamente diferente, com consequências para o clima global.

A que consequências ele se refere?

A Amazônia é o motor das chuvas em toda a América Latina. Portanto, se eliminarmos a Amazônia, tudo mudará em nível planetário porque — como posso dizer? — a maior parte das nuvens que circulam pelo mundo é produzida pela Amazônia. Então, sim: este é o momento para as florestas, no sentido de que não podemos nos dar ao luxo de desmatar mais. Pelo contrário, devemos replicar as florestas que criamos nos últimos anos. A chave não é tanto parar de cortar árvores, mas replantar pelo menos um trilhão de árvores. Eu sei que parece um número incrível, mas é o que precisamos.

O reflorestamento é frequentemente apresentado como uma arma poderosa contra as mudanças climáticas, mas em outros momentos — como na Espanha após a onda de incêndios florestais do verão passado — as florestas parecem ser vistas como inimigas simplesmente porque queimam. E depois há quem fale em desmatar a vegetação rasteira...

O inimigo é o aquecimento global. Na Espanha, houve um número alarmante de incêndios florestais, não por acaso, mas devido ao aquecimento global. Claro que isso não afeta apenas a Espanha. A Itália pode ser a próxima, e depois a Alemanha. Hoje, na Europa, as árvores não morrem porque são cortadas; elas morrem derrubadas pelo vento e queimadas em incêndios. Há poucos anos, registramos 20 milhões de árvores mortas pelo vento na Itália, algo inimaginável antes. E esses eventos climáticos extremos são uma consequência do aquecimento global. As florestas são a única coisa que nos salvará desse aquecimento, por isso precisamos aumentar sua área muitas e muitas vezes.

Como elas nos salvam?

Isso é crucial, e muita gente não sabe: as florestas são a única coisa que captura CO₂ da atmosfera. O aquecimento global é causado pelos gases de efeito estufa (especialmente o CO₂), que retêm o calor do planeta. Portanto, além de cessar as emissões, precisamos reduzir a quantidade de CO₂ na atmosfera, que já é enorme. Atualmente, a única coisa que podemos fazer para remover o CO₂ é capturá-lo com as árvores. Elas absorvem esse gás com tanta eficiência que nenhuma outra tecnologia sequer se compara. Para cada euro investido no plantio de árvores, sequestramos mil vezes mais carbono do que qualquer outra tecnologia.

Será que são mesmo as melhores máquinas de sequestro de carbono, apesar de toda a conversa sobre novas técnicas ou desenvolvimentos? 

De longe o melhor. Não existe nada remotamente semelhante no mundo da tecnologia humana. A este respeito, o mais recente Orçamento Global de Carbono calculou que todas as tecnologias humanas juntas absorverão cerca de 0,008 milhões de toneladas de CO₂ em 2025, enquanto as florestas capturam mais de dois milhões de gigatoneladas, ou seja, mais de 2 bilhões de toneladas.

Apesar de sua enorme escala como produtoras de gás, elas nos fornecem mais serviços para mitigar a crise climática?

Claro. As florestas não param por aí; elas nos oferecem outros benefícios. Por exemplo, reduzem a temperatura. Quando temos uma floresta perto das cidades onde passamos a maior parte de nossas vidas, a transpiração da água produzida pelas árvores diminui a temperatura de forma incrível.

Até onde?

Parques e florestas urbanas reduzem a temperatura em até três ou quatro graus em comparação com o ambiente ao redor. Por quê? Porque quando as plantas evaporam água, elas absorvem calor. É um princípio químico: para transformar água líquida em vapor, elas precisam de energia e, ao fazer isso, absorvem energia — ou seja, calor — e fazem com que a temperatura caia.

A sequência lógica é que, se o aquecimento global faz com que as cidades se tornem ilhas de calor com temperaturas prejudiciais, ter mais plantas nas cidades é uma estratégia vencedora para aliviar essas ondas de calor, certo?

No entanto, nenhuma cidade na Europa está fazendo o necessário, que é recuperar pelo menos 20% de seu território para espaços verdes. Algumas cidades estão tomando medidas, como Barcelona e Copenhague, mas não é suficiente.

E para que seria utilizada essa superfície?

Precisamos transformar essas áreas em florestas, pois, do contrário, não há espaço suficiente para as árvores necessárias para amenizar o calor nas cidades. E não se trata apenas do calor. Essas plantas também absorverão o excesso de CO₂, já que 80% desse gás é produzido nas cidades. Se conseguíssemos criar aquela grande floresta europeia que absorveria grande parte do CO₂, seria uma enorme ajuda na luta contra as mudanças climáticas em escala global.

Outro impacto das mudanças climáticas que já estamos sentindo em países como Espanha, Itália e Grécia é o aumento e o agravamento das secas, e as plantas também podem ajudar nesse sentido.

Com certeza. Podemos dizer que as florestas geram água para nós. E esse é um ponto interessante, porque uma das críticas que ouço com frequência quando falo sobre o plantio de bilhões de árvores na Europa é que não há água suficiente. Mas é justamente o contrário.

Como pode ser o contrário? Eles não precisam de água?

O que quero dizer é que, quando você planta um grande número de árvores novas e lhes fornece água durante os primeiros três anos de vida para que possam crescer — três anos —, elas se tornam autossuficientes. Elas continuam suas vidas. São capazes de criar seu próprio clima. Isso é o que é incrível nas árvores: elas criam suas próprias nuvens.

Há alguns anos, realizamos estudos muito sérios para a Arábia Saudita que mostraram que, em vez de gastar aquela enorme quantia de dinheiro em projetos insensatos como uma cidade gigantesca no deserto, eles deveriam reflorestar a Península Arábica, pois, por muito menos, poderiam mudar o futuro não só do seu país, mas do mundo. Com a quantidade certa de água — e eles não têm problema em obter a água de que precisam com usinas de dessalinização — poderiam reflorestar o país e transformar seu clima em um paraíso tropical. E absorveriam tanto CO₂ que mudariam o futuro do planeta.

O quanto o futuro da humanidade depende das plantas?

O futuro da nossa espécie depende inteiramente das florestas. Elas não estão em perigo no sentido de existirem há 500 milhões de anos. Somos nós, como espécie, que estamos em perigo. A humanidade tem 300 mil anos, mas a invasão agrícola começou há cerca de 12 mil anos. Nesse curto período, derrubamos metade das árvores existentes. E nos últimos dois séculos, 20 bilhões de árvores. É uma loucura. E se continuarmos nesse ritmo, transformaremos o planeta em uma Ilha de Páscoa onde, após a destruição das árvores, ficamos sem recursos.

Realizamos estudos muito sérios para a Arábia Saudita que mostraram que, em vez de gastar aquela enorme quantia de dinheiro em projetos insensatos como uma cidade gigantesca no deserto, eles deveriam reflorestar a Península Arábica, pois, por muito menos, poderiam mudar o futuro não só do seu país, mas do mundo – Stefano Mancuso

O que os seres humanos podem aprender com as plantas em termos de adaptação às mudanças climáticas?

Muito. Pensamos que somos a única espécie inteligente no planeta, mas se inteligência significa resolver problemas, os humanos não os resolvem; o que fazemos, na verdade, é fugir deles. Nos distanciamos dos problemas, mas eles permanecem. As plantas não podem fazer isso. É impossível, então elas precisam realmente resolver as situações porque não podem escapar delas.

Pode dar um exemplo?

As plantas são tão diferentes de nós que é difícil entender como funcionam, mas existem alguns princípios importantes. Um deles é o conceito de comunidade. As plantas vivem em comunidades; não são indivíduos solitários. Quando você entra em uma floresta, não está caminhando entre um grupo de árvores distintas; você está na presença de um único superorganismo. Cada árvore está conectada a todas as outras. Elas estão ligadas por redes subterrâneas. E através dessas redes, elas se comunicam, e tudo, da água aos nutrientes, viaja por elas.

Parece uma espécie de altruísmo vegetal.

A comunidade de árvores cuida de cada árvore individualmente e de suas necessidades sem pedir nada em troca. E elas não fazem isso por moral, por serem boas ou por ética. Elas fazem isso porque é a maneira mais eficiente de sobreviver como espécie. Portanto, a primeira coisa que devemos aprender com as plantas é como criar uma comunidade forte.

Uma das lições seria: estejam juntos em vez de serem individualistas desenfreados.

A modernidade é essencialmente sobre individualidade. Sobre pessoas no singular. E, com o passar do tempo, estamos perdendo uma das coisas mais importantes para a sobrevivência da espécie: a comunidade é crucial, não um indivíduo isolado. Por muito tempo, os humanos agiram pensando no futuro da humanidade, mas nas últimas décadas isso mudou, e os grupos deixaram de ser o que importa. Isso é um grande problema.

Entretanto, o oposto é mais comum na natureza.

Não existem espécies em que os indivíduos prevaleçam sobre a espécie. Por exemplo, se apresentarmos um problema a uma inteligência artificial criada por humanos — com a sua forma de pensar — ​​ela retornará uma solução pensada para um indivíduo, e isso é um erro. Se buscarmos uma solução para apenas uma pessoa ou uma solução para toda a espécie, as respostas serão completamente diferentes. Ao focarmos na solução dos problemas de um único indivíduo, colocamos em risco o coletivo. E é isso que vemos acontecer constantemente.

Por que tenho a impressão de que, no fim das contas, a população não se importa muito com o que acontece com as plantas?

Não é que não nos importemos com elas; é que não as vemos. Chama-se cegueira botânica e tem sido descrita como um fenômeno que nos impede de compreender a quantidade de plantas que existem e a sua importância para os seres humanos. E é um problema porque nos leva a não nos darmos conta de que dependemos das plantas. Não é exagero: dependemos literalmente das plantas. Para tudo o que comemos. Para o oxigénio que respiramos. Mas não as conseguimos ver. Os nossos cérebros não estão programados para perceber todo aquele verde como um organismo vivo, pelo que o confundimos com o fundo.

Se você pudesse salvar apenas um ecossistema florestal, qual seria?

É um dilema impossível. Certamente teria que ser uma floresta primária, ou seja, uma floresta como sempre foi, sem intervenção humana. Duzentos anos atrás, a Europa era coberta por florestas temperadas primárias, mas agora não resta um único metro quadrado. Então, eu provavelmente escolheria a Amazônia por causa de sua imensidão.

Você demonstrou sensibilidade e inteligência em relação às plantas. Pode explicar isso em termos simples?

Acreditamos que a inteligência seja uma consequência de ter um cérebro, mas quanta vida no planeta possui um cérebro? Se considerarmos todos os animais, isso representaria 0,3% da vida. Ou, dito de outra forma, 99,7% da vida no planeta seria estúpida. Seria uma máquina orgânica. Isso é impossível para mim. Inacreditável. Não existe uma única espécie que não enfrente problemas que precise resolver. Comer, comunicar, reproduzir... e é impossível resolver esses problemas sem inteligência. A nossa é diferente, obviamente, mas isso não a torna melhor. Provavelmente não é a melhor.

Se as plantas pudessem nos enviar uma mensagem, qual seria?

Parem de ser tão estúpidos.

É simples assim...

Com certeza seria uma mensagem muito longa, e a primeira coisa que diriam seria que devemos parar de destruir o meio ambiente do qual dependemos. Essa é uma característica única da nossa espécie, pois não existe nenhuma outra, nem planta nem animal, que se dedique a destruir o ambiente de que precisa para viver.

Porque soa como suicídio.

É verdade. Mas é o que estamos fazendo. Se nos observássemos de fora, como se fôssemos biólogos extraterrestres, diríamos: "Vejam como eles são estúpidos. Consideram-se a única forma de vida inteligente no planeta e são os únicos que não entendem como a vida funciona."

Então, você é otimista ou pessimista?

Sou otimista no sentido de que não acho que nosso cérebro seja uma desvantagem, mas sim uma grande vantagem. No entanto, ainda somos uma espécie tão jovem que estamos usando essa ferramenta poderosa da pior maneira possível. Somos como uma criança pequena que recebe um martelo, uma ferramenta muito útil, e o usa para destruir tudo. É isso que somos: uma espécie tão jovem que está destruindo seu próprio lar com sua ferramenta, que é o cérebro. Mas sou otimista e acredito que cresceremos e aprenderemos a usá-lo bem. Espero que em breve, antes que seja tarde demais.

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