O uso de fipronil, inseticida usado no tratamento de sementes de soja, foi identificado como a principal causa da mortandade de mais de 50 milhões de abelhas no início deste ano em Santa Catarina. De acordo com o agrônomo Rubens Nodari, resíduos dessa substância foram encontrados em percentuais muito superiores à dose letal permitida no laudo realizado pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina – Cidasc, que investigava o caso. “Alguns agricultores ou produtores de soja transgênica que estão chegando perto dos apiários, estão usando a aplicação foliar e essa aplicação provoca imediatamente a contaminação do pólen e, eventualmente, do néctar”, informa.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador explica que produtos químicos à base de fipronil têm uma dose letal baixa para organismos não alvos, como as abelhas, quando aplicados no solo. Entretanto, na aplicação foliar, adverte, a quantidade de resíduo presente no pólen das plantas será muito alta, aumentando as chances de contaminação dos polinizadores. A mortandade das abelhas em Santa Catarina, diz, possivelmente aconteceu por causa do uso indevido do produto. “Na floração ou próximo da floração, os agricultores da região, na tentativa de controlar uma praga que ocorreu, lançaram mão do fipronil, que não é nem indicado para isso. Portanto, aconteceram duas irregularidades simultaneamente: primeiro, foi feita uma aplicação aérea próxima do florescimento e aí o pólen já estava em desenvolvimento e, segundo, essa substância foi utilizada para um uso não autorizado”, esclarece.
Professor do Programa de Pós-Graduação Ecossistemas Agrícolas e Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina, Nodari assegura que a morte de grandes quantidades de abelhas nos últimos anos está diretamente relacionada ao uso de agrotóxicos. “Há ainda uma grande controvérsia: a maioria dos técnicos formados há mais tempo diz que a principal causa da morte das abelhas são as doenças. De fato, as doenças em abelhas causam mortandade, mas o que temos assistido nos últimos tempos são episódios recorrentes de um efeito bastante agudo, causado por agrotóxicos”, diz.
Uma das evidências que comprova essa tese, menciona, é que as colmeias estão sendo afetadas por herbicidas, que foram fabricados para matar plantas e não insetos. “Em tese, as abelhas expostas a herbicidas não deveriam ser afetadas porque eles foram feitos para matar plantas. Mas o que estamos percebendo é que os herbicidas afetam outros organismos com a mesma magnitude de efeitos que afetam plantas ou até mais”.
Rubens Nodari (Foto: Alesc)
Rubens Nodari é graduado em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo - UPF, mestre em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutor em Genética pela University Of California at Davis. Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
IHU On-Line — No início deste ano foi registrada a mortandade de abelhas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e testes feitos recentemente indicam que a causa da morte de 50 milhões de abelhas em um único mês em Santa Catarina está relacionada ao uso de agrotóxicos. Em que região do estado ocorreu essa mortandade de abelhas? O senhor pode explicar o que aconteceu no estado?
Rubens Nodari — Essa mortandade ocorreu logo após ou simultaneamente à que ocorreu no Rio Grande do Sul. No caso de Santa Catarina, a mortandade de abelhas ocorreu na região Norte do estado, em Canoinhas. A estimativa foi de 50 milhões de abelhas mortas, mas não sabemos o número exato porque essas estimativas normalmente são feitas pela contagem de abelhas mortas próximo da caixa. Então, é bem provável que essas abelhas saíram para forragear e, ao se alimentarem de pólen ou néctar contendo resíduo de algum produto [agrotóxicos], foram contaminadas e esse produto foi logo fazendo efeito. Assim, quando chegaram à colmeia já estavam praticamente morrendo. Além disso, pode ser que o próprio veneno, por deriva, tenha alcançado as colmeias. Essas são as duas principais hipóteses. Uma terceira hipótese é que elas foram beber água que também já estava contaminada com esses produtos.
Foi feito um laudo pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina - Cidasc, que é o órgão estadual de defesa sanitária, e em quase todas as amostras de abelhas mortas foram encontrados resíduos de agrotóxicos. O mais frequente foi o fipronil, inseticida usado na soja, normalmente para o tratamento de sementes. Também foram detectados resíduos de outros produtos, não só de inseticidas, mas também de fungicidas. Mas, pela quantidade de resíduos encontrados nas abelhas mortas, provavelmente a principal causa da morte foi o inseticida fipronil, ou seja, os produtos comerciais que têm esse ingrediente. O percentual de resíduos encontrados nas abelhas era muito superior à dose letal estabelecida.
Esses produtos à base de fipronil têm uma característica bastante relevante: como a dose letal para organismos não alvos — como é o caso das abelhas — é muito baixa, muitas empresas não requerem a permissão ou a autorização para uso foliar. Então, se buscarmos no Agrofit, que é o banco de dados dos agrotóxicos do país, vamos encontrar cerca de 50 produtos comerciais a base de fipronil. Alguns têm autorização para aplicação foliar e outros só têm autorização para aplicação no solo. Alguns agricultores ou produtores de soja transgênica que estão chegando perto dos apiários, estão usando a aplicação foliar e essa aplicação provoca imediatamente a contaminação do pólen e, eventualmente, do néctar. Ao usar esses produtos comerciais à base de fipronil para tratamento de semente, e como esse produto é sistêmico, é claro que, quando a semente germina e nasce a planta dessa semente, algum resíduo do fipronil vai estar na planta, mas a quantidade que chega no pólen é muito diferente conforme o uso: se usado como inseticida de solo, a quantidade de resíduo que poderá ter no pólen será muito menor; mas numa aplicação foliar, a quantidade de resíduo no pólen é muito alta.
Então, coincidiu que na floração ou próximo da floração, os agricultores da região, na tentativa de controlar uma praga que ocorreu, lançaram mão do fipronil, que não é nem indicado para isso. Portanto, aconteceram duas irregularidades simultaneamente: primeiro, foi feita uma aplicação aérea próxima do florescimento e aí o pólen já estava em desenvolvimento e, segundo, essa substância foi utilizada para um uso não autorizado.
IHU On-Line – O prifonil é usado somente em lavouras de soja ou em outros tipos de cultivo também?
Rubens Nodari — Ele está autorizado para o tratamento de sementes de várias espécies.
IHU On-Line – Algum agrotóxico, comprovadamente, afeta diretamente as abelhas? Como está o debate sobre essa questão entre os especialistas?
Rubens Nodari — Há ainda uma grande controvérsia: a maioria dos técnicos formados há mais tempo diz que a principal causa da morte das abelhas são as doenças. De fato, as doenças em abelhas causam mortandade, mas o que temos assistido nos últimos tempos são episódios recorrentes de um efeito bastante agudo, causado por agrotóxicos.
Quando a quantidade de agrotóxicos é maior que a dose letal, ela vai matar os organismos — nós chamamos isso de efeitos agudos, o que também pode ocorrer em seres humanos expostos a uma dose muito alta de agrotóxicos. Agora, existe outro efeito, que chamamos de crônico, que é quando os organismos recebem doses subletais. O que estamos percebendo — e os estudos vêm comprovando isso — é que essas doses subletais causam efeitos crônicos que a longo prazo vão matar a colmeia.
Nós fizemos vários estudos, um já está publicado e dois estão submetidos para a publicação. Nesses estudos, pegamos doses subletais, colocamos no pólen e fornecemos esse pólen com o resíduo de um produto para as abelhas e verificamos que elas não morrem imediatamente. Percebemos, por exemplo, que quando usamos os herbicidas à base de glifosato, como o Roundup, em três ou quatros meses a colmeia definha e morre. Existem duas diferenças: na mortandade que ocorreu em janeiro, aconteceu um efeito agudo, que é a exposição de abelhas a uma quantidade muito acima da dose letal, em que as abelhas morrem imediatamente; e existe a exposição de abelhas e outros organismos a doses subletais e isso tem um efeito crônico. Esse efeito crônico diminui a capacidade das abelhas de reagirem a doenças, assim o sistema imunológico delas fica afetado.
Fizemos um teste em que inoculamos simultaneamente algumas caixas de abelhas com Nosema, que é uma das doenças que atacam as abelhas, quando elas estavam se alimentando de pólen com resíduo de glifosato. Neste caso, a mortandade é bem lenta. Nas caixas de abelhas que são expostas a um herbicida, se essas abelhas são atacadas por alguma doença, a taxa de mortandade dobra em relação à mortandade de caixas de abelhas que não foram expostas ao glifosato.
Quando uma pessoa diz que uma das causas da mortandade é o aparecimento de uma doença, isso não está totalmente errado. Ocorre que a presença dos pesticidas praticamente aumenta a taxa de mortandade das abelhas que são atacadas por alguma doença, mas também aumenta a taxa de mortandade mesmo na ausência de uma doença. Então, há um efeito simples, ao longo do tempo, que é o efeito crônico, que vai matar as abelhas no curso de três ou quatro meses, e se aparecer uma doença nesse tempo, a morte será mais rápida. É isso que percebemos até agora.
Nós estudamos principalmente herbicidas, que foram feitos para matar plantas, e inseticidas, que foram feitos para matar insetos. Então, claro que se as abelhas, por serem insetos, são expostas a inseticidas, a probabilidade de serem afetadas é 100%. Agora, em tese, as abelhas expostas a herbicidas não deveriam ser afetadas porque eles foram feitos para matar plantas. Mas o que estamos percebendo é que os herbicidas afetam outros organismos com a mesma magnitude de efeitos que afetam plantas ou até mais.
Nosso grupo em Santa Catarina está dedicando suas pesquisas ao estudo de herbicidas. Nós já estudamos os efeitos dos herbicidas à base de glifosato, como é o caso do Roundup, e agora estamos iniciando os estudos com o Dicamba, que é outro herbicida para o qual já existem variedades transgênicas de soja resistentes, ou seja, é um produto que vai começar a ser usado em maior escala nas lavouras que estão próximas dos apiários. Então, nós vamos, nesse caso, nos antecipar a essa situação. E também vamos começar a estudar os fungicidas.
IHU On-Line — Sua equipe já estudou o fipronil?
Rubens Nodari — Não o estudamos porque já existem muitos estudos sobre ele. Algumas empresas, inclusive, tomaram o cuidado de não pedir o registro para a aplicação foliar, mas apenas no solo. Em Santa Catarina nós sugerimos que o órgão da defesa estadual, que é a Cidasc, junto com o Ministério Público — foi feita uma recomendação à Cidasc —, cancelasse os cadastros de autorização de uso aéreo, porque o órgão estadual, politicamente, não está muito propenso a proibir o produto como um todo. Esse é um primeiro passo, pois se conseguirmos evitar a aplicação foliar, certamente não teremos mais episódios de mortandade por causa desse produto.
IHU On-Line – Além dos problemas imunológicos, quais são os demais impactos causados às abelhas por conta dos agrotóxicos?
Rubens Nodari — Nós vamos iniciar um experimento para medir de fato quanto o sistema imunológico delas diminui. Mas já temos em mãos estudos feitos por outros pesquisadores que mostram que abelhas expostas, por exemplo, aos herbicidas à base de glifosato, no caso o Roundup, têm afetado o seu sistema de voo, ou seja, muitas delas não conseguem mais retornar à colmeia onde estavam. Então, o sistema de mobilidade delas é afetado e isso está comprovado também.
Além disso, se o produto causa uma toxicidade, como, por exemplo, as toxinas dos genes que são colocadas em plantas transgênicas, essas toxinas causam dois efeitos que já foram comprovados. Primeiro, diminui o apetite das abelhas, fazendo com que se alimentem menos e demorem mais para se alimentar; consequentemente, essas abelhas vão ficando cada vez mais fracas e, desse modo, podem nem retornar para a colmeia e até morrer. A outra questão é que a colmeia é indiretamente afetada por toxinas quando as abelhas são alimentadas por pólen ou por proteínas que tenham resíduos de uma toxina, como a Bacillus thuringiensis, que está em muitas plantas transgênicas, como nas variedades de soja e milho transgênicos. Então, ao se alimentarem daquela proteína de soja que às vezes os apicultores fornecem para que elas possam enfrentar o inverno, ou se elas pegam pólen de milho ou de soja Bt, essas abelhas perdem a capacidade de aprendizagem.
Por exemplo, as abelhas campeiras, aquelas que saem de manhã para fazer uma vistoria na área, fazem um sobrevoo e depois voltam para a colmeia fazendo uma dança, a qual indica a direção de onde tem uma grande fonte de pólen para as outras se alimentarem. Na avaliação das abelhas que saíram pela manhã, naquela direção, numa certa distância, vai ter pólen. Então, as outras abelhas podem ir ao local indicado que não vão perder a viagem. Isso não quer dizer que não tenha pólen em outros lugares, mas naquele lugar que elas determinaram na dança, com certeza vai ter pólen ou néctar. Quando essas abelhas que saem previamente pela manhã obtêm nas suas comidas toxinas de Bt, elas esquecem a dança que tinham que fazer e fazem uma dança que já não é reconhecida e interpretada pelas demais. Então, isso indica uma mudança de comportamento gerada pelas toxinas.
Também observamos em dois estudos, os quais ainda não foram publicados, que quando as abelhas são alimentadas por essas toxinas ou glifosato, elas diminuem o comportamento higiênico. Uma das características mais primordiais para a sobrevivência das abelhas é chamada de comportamento higiênico, isto é, um grupo de abelhas é encarregado de retirar de dentro da colmeia qualquer larva morta, sujeira, formigas, e qualquer ameaça à sanidade e à sobrevivência delas é enfrentada por um grupo de abelhas. Então, quando são contaminadas com resíduos de glifosatos ou de Bt, elas diminuem o comportamento higiênico. Temos como contar nos favos quantas larvas mortas e quantos esporos de doenças não foram retirados das colmeias. Isso significa que as abelhas mudam de comportamento, se tornam preguiçosas e deixam de cumprir a sua função. Depois de dois ou três meses, a colmeia morre e se alguém não fez uma perícia antes, ao final, o perito vai dizer que elas estavam doentes. É muito difícil, no caso do Brasil, que uma mortandade numa caixa de abelhas seja causada somente por uma doença. Vai ser muito mais fácil uma doença liquidar uma colmeia se outros fatores facilitarem a propagação de doenças, como os agrotóxicos e as toxinas de Bt das plantas transgênicas.
IHU On-Line - Ao comentar o caso da mortandade das abelhas em Santa Catarina, o senhor mencionou que a questão pode ser ainda mais preocupante se considerarmos que, nesse cálculo de quase meio bilhão de abelhas mortas no Brasil em um curto período de três meses, as abelhas silvestres sequer entraram na conta. Qual é a sua hipótese em relação à situação das abelhas silvestres? Elas possivelmente estão morrendo em maior número?
Rubens Nodari – Há várias questões relacionadas a isso. Primeiro, não temos um inventário completo das espécies que ocorrem no sul do Brasil. É claro que o desmatamento elimina um número de populações de algumas espécies e já temos confirmação disso. O fogo também elimina abelhas, porque ao queimar uma árvore, queima-se o ninho das abelhas silvestres. Os agrotóxicos também as eliminam, porque as abelhas nativas têm um corpo menor do que as Apis mellifera, que usamos para produzir mel. Então, quanto menor é o tamanho delas, menor é a dose para matá-las. Se a morte e os efeitos já são grandes nas abelhas que são maiores, imagina nas que são pequenas. Assim, com essa quantidade de agrotóxicos sendo usada, temos a hipótese de que elas também seriam mais facilmente atacadas ou a magnitude dos efeitos seria muito maior.
Nós temos apiários de três espécies nativas e vamos fazer os primeiros estudos agora, nesta primavera, sobre os efeitos dos agrotóxicos em abelhas nativas, porque há poucos estudos sobre isso, quase nada.
IHU On-Line - O senhor mencionou que a transgenia também tem afetado as abelhas. Quais são as constatações em relação a isso?
Rubens Nodari – Fizemos um experimento comparando os efeitos da proteína de soja orgânica — fazemos uma farinha disso e fornecemos, junto com o pólen, às abelhas—, da soja convencional, que tem resíduos de inseticidas e fungicidas, mas não tem resíduo de herbicida, da proteína texturizada de soja orgânica, sem resíduo de pesticida, da proteína texturizada de soja convencional, que tem resíduos de fungicidas e inseticidas, e testamos a soja intacta com resíduos de fungicidas, inseticidas e herbicidas, que são resistentes ao glifosato, e por fim adicionamos só o glifosato no pólen. Tínhamos uma grande quantidade de abelhas e fizemos um estudo bastante complexo e o que percebemos é que tanto o herbicida sozinho é capaz de matar colmeias em três meses, quanto a proteína texturizada de soja transgênica acaba matando a colmeia e afeta o comportamento higiênico dela. Fizemos um outro estudo separado, dando somente pólen de milho transgênico comparativamente a pólen de milho não transgênico e também diminuiu o comportamento higiênico das abelhas. Esses são os nossos estudos, mas eles ainda não foram publicados. Nesta semana estamos terminando artigos e vamos submetê-los para avaliação.
IHU On-Line - Alguma nova tecnologia que está sendo usada na agricultura tem afetado as abelhas, como CRISPR, por exemplo?
Rubens Nodari – Isso é uma possibilidade. Qualquer modificação genética não afeta só o gene, porque dentro de uma célula podemos ter cerca de cem mil substâncias, entre proteínas, açúcar etc. Então algumas proteínas vão sumir e outras vão aparecer. Isso já conhecemos. Se as novas tecnologias de edição de genes produzirem variedades, é provável que a proteômica das plantas seja alterada, mas dizer se isso afetará as abelhas, só testando; no entanto o potencial de afetá-las existe.
IHU On-Line - O senhor tem informações de em que outros estados as abelhas estão morrendo em grandes quantidades?
Rubens Nodari – A imprensa nunca deu importância para isso, mas em Santa Catarina, em quatro anos, perdemos um terço de todas as colmeias do estado. Os EUA perderam metade das suas colmeias nos últimos dez anos. Outros países perderam também, como a Argentina, e isso é recorrente. Algumas empresas produtoras de agrotóxicos estão lançando a seguinte proposta para os apicultores: se eles abrirem uma colmeia muito afetada ou se há uma mortandade, é para enviarem as abelhas para as empresas, que elas irão analisá-las e tentar resolver o problema. A implicação disso é que ao invés de o estado ou uma agência sanitária do estado saber o que está havendo, as empresas é que vão saber do que as abelhas estão morrendo e ninguém mais. Essa é uma tentativa das empresas de tirar o foco dos pesticidas como um dos causadores da morte das abelhas.
IHU On-Line — Como tem se dado o diálogo entre produtores de soja e apicultores, já que as abelhas estão morrendo por conta dos agrotóxicos usados na soja?
Rubens Nodari — Essa relação é muito tênue e tem conflitos de interesse. Por exemplo, grande parte dos produtores de mel também produzem outros produtos, então eles não vão se autodenunciar e tampouco denunciar o vizinho, porque ambos produzem soja ou milho. É claro que é diferente quando há apicultores que só se dedicam a essa atividade: aí eles querem que os produtores de soja sejam denunciados. Esse debate já veio à tona, mas eles não querem saber, porque alegam que vai prejudicar a produção agrícola e que teriam de usar menos veneno. Não sou uma pessoa que conhece muito esse assunto, mas a minha convivência com os produtores já permitiu ver que é muito difícil alguém denunciar o outro.
IHU On-Line — As pesquisas que o senhor e seu grupo de pesquisa fizeram têm repercutido entre os órgãos que aprovam a liberação dos agrotóxicos ou entre os especialistas que estudam essas temáticas?
Rubens Nodari — Nós publicamos um artigo e submetemos um segundo para duas revistas e recebemos negativas de publicação. A negativa que recebemos na semana passada recomenda a não publicação do artigo “porque os autores usaram herbicidas, mas herbicidas não geram efeitos em abelhas, então o estudo deve estar errado”. Ainda estamos no início dos nossos artigos, mas assim que tivermos mais artigos, enviaremos para as agências reguladoras.
IHU On-Line — Como vê a postura do Brasil em favorecer a liberação de novos agrotóxicos? Quais são as consequências disso para a agricultura e a diversidade em geral?
Rubens Nodari — As consequências já são conhecidas cientificamente: vai aumentar o custo de produção porque, com maior uso de agrotóxicos, haverá mais plantas resistentes aos herbicidas, mais insetos resistentes a inseticidas e mais fungos resistentes a fungicidas; esse é o primeiro ponto. Os agricultores terão que usar mais produtos químicos e terão um custo maior, por exemplo, para erradicar o que eles chamam de plantas daninhas, porque as plantas estão ficando resistentes. Portanto, quanto mais produto, maior será o custo de produção dos próprios agricultores.
Em segundo lugar, teremos resíduos em maior quantidade, não só em termos de qualidade, mas de diversidade de resíduos de agrotóxicos nos grãos colhidos, o que vai parar na alimentação humana, e as consequências disso também são conhecidas. Logo, teremos danos à saúde humana por causa da exposição por meio da alimentação.
O terceiro ponto é que vamos aumentar a contaminação das águas. Em Santa Catarina, o Ministério Público Estadual coletou água nas torneiras em cerca de 20 cidades e encontrou resíduos de agrotóxicos em todas elas, ou seja, resíduos de vários agrotóxicos estão presentes na água que chega nas casas e nas escolas. Nós vamos aumentar a contaminação da água de beber, porque os processos de purificação de água não compensam.
E, por último, vamos afetar também os outros organismos não alvos que vivem no ambiente, então estaremos causando um aumento no envenenamento ambiental. Nem estou discutindo aqui questões comerciais, porque os países estão cada vez mais exigentes em registros de agrotóxicos, mas isso é uma questão que é definida politicamente, então pode ser que os governos mudem amanhã ou depois, mas os outros quatro pontos independem de política; são efeitos que já conhecemos e que serão aumentados.
IHU On-Line — Qual é o impacto da perda de abelhas para o meio ambiente e o ecossistema em geral?
Rubens Nodari — Na verdade nós temos uma preocupação um pouco maior do que com as abelhas; temos uma preocupação com os polinizadores. Se perdermos os polinizadores, muitas espécies de plantas não poderão se reproduzir porque não há polinização. Não tendo polinização, a produção de alimentos cairá consideravelmente. Então, indiretamente nós somos a espécie mais vulnerável, porque diretamente são os polinizadores.
As abelhas são os principais polinizadores de plantas e, se as perdermos, estaremos diante de uma catástrofe para a nossa espécie. Einstein chegou a dizer que se as abelhas sumissem, a civilização humana sobreviveria no máximo mais quatro anos. A Inglaterra é cheia de folclores pitorescos, a cada ano escolhem as espécies ou o fato científico mais importante, e em 2008 escolheram as abelhas como o organismo mais imprescindível da face da Terra. Nós não somos imprescindíveis para os processos ecológicos, mas as abelhas são.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Rubens Nodari — Esse cenário já é muito bem conhecido por tantos governantes que não dão a mínima importância ao que está acontecendo e, se a sociedade não se conscientizar e agir, essa situação ficará cada vez pior. A única mensagem final que gostaria de deixar é que temos que parar de consumir produtos com agrotóxicos; isso é o que está ao nosso alcance enquanto consumidor individual. Coletivamente, não temos tido sucesso em organizações, mesmo nas não governamentais ou dentro de governos ou partidos políticos. Não temos sido eficientes em provocar a diminuição do uso desses produtos, ao contrário, estamos aumentando o uso de agrotóxicos no país. Resta, para nós consumidores, tomar atitudes, atitudes de não consumir, de exigir análises de resíduos, protestar; nós temos que agir, porque se não agirmos será mais rápido sumirmos da face da Terra.