19 Novembro 2013
“Se analisarmos o que aconteceu não apenas com Eike Batista, mas com outros “campeões nacionais” escolhidos pelo governo Lula para mostrarem internacionalmente uma versão de capitalismo moderno à brasileira, veremos que os resultados foram pífios e causaram graves prejuízos ao tesouro nacional”, constata o geógrafo.
Foto: Enviada pelo entrevistado. |
O anunciado fracasso das empresas do empresário Eike Batista é um “somatório de coisas que acabaram criando uma sinergia negativa para o Grupo EBX”, diz Marcos Pedlowski à IHU On-Line.
Na avaliação do pesquisador, que acompanha de perto os empreendimentos no Porto do Açu, no Rio de Janeiro, “os impactos reais ainda estão para ser mensurados, visto a velocidade da crise que consumiu a fortuna de Eike Batista. Mas, se olharmos de perto todos os projetos nos quais ele se envolveu nos últimos cinco anos, não há nenhum que tenha chegado à fase operacional, o que indica que todos foram negativamente afetados. Dois exemplos disso são os portos Sudeste e do Açu, os quais ainda não estão em operação e continuam tendo seus prazos de conclusão estendidos, mesmo após a sua venda para corporações multinacionais”.
Segundo Pedlowski, o governo brasileiro também é responsável pelos impactos negativos gerados pela derrocada do empresário, ao ter dado “carta branca a Eike Batista, o que o revestiu de certa aura de infalibilidade”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Pedlowski informa que, apesar de os empreendimentos em São João da Barra, RJ, possivelmente não saírem do papel, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro - CODIN ainda quer desapropriar mais terras de famílias que moram na região. “O mais grave disso tudo é que toda essa terra vai passar para o controle de uma corporação estadunidense, o que implicará a criação de um enclave estrangeiro numa área onde até 2009 viviam pescadores artesanais e agricultores familiares”, denuncia. E dispara: “Só esse fato nos obriga a cobrar a anulação dos decretos de desapropriação, visto que não há qualquer interesse público que justifique este tipo de coisa”.
Marcos Pedlowski é graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento pela Virginia Polytechnic Institute and State Unversity. Leciona no Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Confira a entrevista.
Foto: Enviada pelo entrevistado. |
IHU On-Line - A que o senhor atribui a crise financeira das empresas de Eike Batista? Que fatores influenciaram para a derrocada?
Marcos Pedlowski - Em minha opinião, seria equivocado atribuir o colapso do conjunto de empresas da franquia “X” a fatores individuais, mas sim ao somatório de coisas que acabaram criando uma sinergia negativa para o Grupo EBX. Entretanto, muitos especialistas atribuem o colapso de Eike Batista a uma série de apostas erradas na capacidade de suas empresas de entregarem os produtos prometidos. O principal exemplo disso foi a OGX, cujos anúncios da descoberta de reservas gigantescas de petróleo não resultaram numa produção que ficasse minimamente à altura das promessas. Outro aspecto parece ter sido aquilo que parecia o maior mérito do projeto de Eike, qual seja, a integração entre as diferentes empresas “X”. Assim, quando a OGX começou a dar sinais de que estava passando por problemas sérios ao não encontrar petróleo em seus poços, isto imediatamente contaminou negativamente a OSX, que produziria navios e plataformas para a coirmã.
A partir daí foi uma espiral de más notícias que acabou levando todo o grupo ao fundo do poço. Mas também existe um bom número de analistas que enxergam no próprio Eike Batista a origem de toda a instabilidade que se apossou sobre todas as empresas da sua franquia. Ao apostar numa superexposição midiática, Eike parece ter se convertido numa espécie de alvo móvel para críticos dos seus métodos corporativos. Além disso, o fato de Eike ter passado a substituir diretores das diferentes empresas de forma quase cotidiana ao começarem os problemas, pode ter contribuído para a fuga de novos investidores nos seus múltiplos projetos.
Também enxergo uma boa parcela de culpa nos diferentes níveis de governo que se dispuseram a dar um tipo de carta branca a Eike Batista, o que o revestiu de certa aura de infalibilidade. Entretanto, quando Eike mais precisou de apoio, talvez premidos pelas circunstâncias políticas que surgiram no Brasil, esses mesmos governantes se omitiram completamente no oferecimento de saídas para a crise que se abateu sobre o seu conglomerado.
IHU On-Line - Quais os impactos da derrocada de Eike Batista nos empreendimentos que estão sendo realizados pelas suas empresas no Rio de Janeiro? Quais empreendimentos foram afetados?
Marcos Pedlowski - Os impactos reais ainda estão para ser mensurados, visto a velocidade da crise que consumiu a fortuna de Eike Batista. Mas, se olharmos de perto todos os projetos nos quais ele se envolveu nos últimos cinco anos, não há nenhum que tenha chegado à fase operacional, o que indica que todos foram negativamente afetados. Dois exemplos disso são os portos Sudeste e do Açu, os quais ainda não estão em operação e continuam tendo seus prazos de conclusão estendidos, mesmo após a sua venda para corporações multinacionais.
Mas a derrocada de Eike fez vítimas em todas as áreas em que ele colocou seus longos tentáculos, desde o seu iate de luxo, que servia a socialites em passeios luxuosos pela Baía da Guanabara, até o Hotel Glória, que recebeu mais de R$ 200 milhões de financiamento do BNDES para atender os turistas que virão ao Rio de Janeiro na Copa da FIFA de 2014, mas que até hoje só fez consumir recursos, sem que a reforma pareça estar próxima de sua conclusão.
Aliás, parece que o único empreendimento de Eike Batista que ainda não sentiu os efeitos da sua debacle é o restaurante Mr. Lam, que funciona na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Convenhamos que esta seja uma consolação de Pirro para quem sonhava chegar a uma fortuna de 100 bilhões de dólares ainda nesta década.
IHU On-Line - Segundo informações da imprensa, dois investimentos do empresário tiveram apoio financeiro cancelado: os investimentos em UPPs e a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas. Como ficam esses projetos a partir de agora?
Marcos Pedlowski - Esse é um aspecto curioso da relação íntima que existiu entre Eike Batista e o governo do Rio de Janeiro, pois essas benesses eram indiretamente financiadas com empréstimos que eram concedidos pelo BNDES e outras fontes de recursos do tesouro nacional. Entretanto, no caso específico das UPPs, o fato de que a PM do Rio de Janeiro participou de forma ostensiva na remoção de agricultores de propriedades desapropriadas no V Distrito do município de São João da Barra, cujas terras foram entregues para a LLX, coloca uma nuvem de dúvida sobre a lisura ou genuinidade da doação de Eike Batista para este programa. No mesmo sentido vai a promessa de contribuir para a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde Eike Batista possui pelo menos um empreendimento. Ao que se sabe, essa promessa nunca foi materializada, e agora que a bonança acabou é muito provável que nunca se materialize.
Agora, independente do que tenha acontecido com Eike Batista e suas promessas e ações concretas de apoio financeiro, tanto as UPPs como a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas já estavam enfrentando dificuldades financeiras para serem efetivadas. É que tanto o governo municipal, liderado por Eduardo Paes, como o estadual, de Sérgio Cabral, gastaram bilhões em outras áreas (a começar pela bilionária reforma do Estádio do Maracanã, que depois foi entregue a um consórcio onde Eike Batista também tem participação) e deixaram as demais à mingua quase completa. Assim, mesmo sem ser um expert, creio que estes dois projetos vão enfrentar graves dificuldades em 2014. Aliás, a crise das UPPs já está ficando evidente, com policiais militares sendo encurralados por traficantes em comunidades que teoricamente tinham sido pacificadas.
IHU On-Line - Quais as repercussões da crise de Eike Batista em Porto do Açu?
Marcos Pedlowski - Como o Porto do Açu era uma das joias da coroa de Eike Batista, as repercussões são as piores possíveis. Se olharmos mais de perto o que foi efetivamente construído, veremos que, de todo o complexo prometido, apenas o porto avançou e possui alguma chance de operar num futuro próximo. Mas nada mais saiu do papel, e a última grande vítima foi o estaleiro que estava sendo construído pela OSX, que agora se encontra literalmente entregue às moscas.
A crise é tão profunda que nenhum dos grandes parceiros anunciados por Eike Batista acabou fincando suas estacas nas areias do Açu. A última desistência notável foi a GE Oil & Gas, que abandonou o seu projeto de construir uma nova unidade de montagem e testes de equipamentos de turbomáquinas no Porto do Açu, optando por levar as operações para o Porto de Recife, em Pernambuco.
No que tange a esse cenário, a EIG Global Partners, que adquiriu a LLX e, por extensão, o Porto do Açu, já deu sinais de que vai tentar finalizar as obras para iniciar o seu funcionamento em 2014. Agora, todo o resto do projeto parece ter sido colocado na geladeira de forma temporária ou definitiva. O fato de que nem a linha de transmissão que deveria fornecer energia para o porto foi concluída mostra a dimensão da crise. Este é para mim um dos símbolos maiores da derrocada do megaempreendimento idealizado por Eike Batista no Açu.
IHU On-Line - Como as desapropriações já realizadas até agora serão tratadas daqui para frente, diante do possível cancelamento dos investimentos?
Marcos Pedlowski - Essa é uma excelente questão! Quando o governo do Rio de Janeiro promulgou os quatro decretos que deram base legal para a desapropriação de quase 500 propriedades familiares, havia o argumento de que isto era feito em nome do interesse público, que seria teoricamente representado pela implantação do Distrito Industrial de São João da Barra. Agora que não há qualquer perspectiva de que esse empreendimento vai sair do papel, me parece lógico que esses decretos sejam anulados, e a terra, devolvida para os agricultores. Mas, por incrível que pareça, temos informações de que a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro - CODIN ainda quer desapropriar mais famílias e que novas marcações estão sendo feitas para esta finalidade.
O mais grave disso tudo é que toda essa terra vai passar para o controle de uma corporação estadunidense, o que implicará a criação de um enclave estrangeiro numa área onde até 2009 viviam pescadores artesanais e agricultores familiares. Só esse fato nos obriga a cobrar a anulação dos decretos de desapropriação, visto que não há qualquer interesse público que justifique este tipo de coisa.
IHU On-Line- Como a derrocada de Eike tem repercutido no Rio de Janeiro?
Marcos Pedlowski - Com a exceção dos muitos amigos que Eike Batista mantinha dentro das diferentes esferas de governo e na imprensa corporativa, creio que o sentimento comum é de que estamos assistindo à queda de um bufão. É que a maioria das pessoas com as quais eu conversei nos últimos anos, ainda que admirasse a aura de sucesso que cercava Eike, tinha um pé atrás com sua capacidade de entregar produtos reais. Agora, se perguntarmos aos agricultores e pescadores do V Distrito, o sentimento é de que Eike está recebendo exatamente o que mereceu por praticamente destruir comunidades inteiras e contribuir para um caos social, econômico e ambiental que ainda deverá assombrar os habitantes de São João da Barra por muitas décadas.
Nesse caso, ainda há uma espécie de desencanto e um sentimento de que foram traídos, pois o número de pessoas endividadas por terem acreditado nas promessas de Eike Batista é alto. Em suma, não creio que muita gente no Rio de Janeiro vai chorar pela derrocada de Eike e seu império de empresas pré-operacionais.
IHU On-Line - Alguns especialistas dizem que o fracasso de Eike Batista demonstra a fragilidade das Parcerias Público-Privadas – PPPs. O senhor concorda?
Marcos Pedlowski - Se analisarmos o que aconteceu não apenas com Eike Batista, mas com outros “campeões nacionais” escolhidos pelo governo Lula para mostrarem internacionalmente uma versão de capitalismo moderno à brasileira, veremos que os resultados foram pífios e causaram graves prejuízos ao tesouro nacional. Assim, em que pese o investimento de bilhões de reais que foi feito em Eike Batista e outros personagens mais discretos, o que tivemos foi um aprofundamento de um modelo de reprimarização da economia brasileira, que aumentou o processo de dependência das economias centrais que vivemos historicamente desde que os conquistadores portugueses aportaram por aqui em 1500. Nesse sentido, uma lição que o governo Dilma poderia estar tendo é de que o paradigma das PPPs é equivocado e negativo para o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil. Entretanto, essa lição parece não ter sido assimilada, e prevejo mais desperdício de outros tantos bilhões de reais nas PPPs, independente de quem vença as eleições presidenciais de 2014. E se isto for confirmado, antevejo uma situação de aprofundamento do controle internacional de setores estratégicos da economia nacional, processo esse que está tendo um belo ensaio com a venda das empresas de Eike Batista a um pool de corporações estrangeiras. Nesse sentido, considero que o colapso de Eike Batista é uma espécie de ensaio do que virá com a manutenção das PPPs.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Marcos Pedlowski - Queria acrescentar que a minha expectativa é de que, com todos os equívocos que cercaram a ascensão e queda de Eike Batista, fique a lição de que não existem salvadores da pátria para resolver a situação de profunda desigualdade que marca a existência dos brasileiros. Aliás, não vai ser com um Midas turbinado com dinheiro público que resolveremos as nossas dívidas sociais históricas. Se pelo menos os que efetivamente buscam um modelo de desenvolvimento que seja social, econômica e ambientalmente sustentável entenderem isso, acredito que já teremos avançado bastante.
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“Colapso de Eike Batista é ensaio do que virá com a manutenção das Parcerias Público-Privadas”. Entrevista especial com Marcos Pedlowski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU