19 Outubro 2012
"O Círio simboliza a saída e o retorno da Imagem da Santa ao seu lugar de escolha original", diz o escritor.
Confira a entrevista.
"O Círio de Nazaré de Belém do Pará contém a possibilidade de plurissignificação interminável, ressignificado ou multissignificado pelo dinamismo complexo e riquíssimo da cultura", diz o escritor e professor da Universidade Federal do Pará, João de Jesus Paes Loureiro à IHU On-Line. Para ele, a maior celebração religiosa católica do Brasil, que reúne aproximadamente seis milhões de pessoas em todas as procissões, representa uma identificação "harmoniosa entre crença, devoção e cultura". A celebração, que acontece anualmente desde 1793 na cidade de Belém, no Pará, revela que a "força mítica do imaginário amazônico (...) se abriu para a consciência do sobrenatural religioso, encontrando nele uma epifania espiritual de devaneio e esperança numa transcendência espiritual católica, de uma forma que os mitos culturais não podiam oferecer", assinala.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Paes Loureiro enfatiza que o "predomínio à dimensão de transcendentalidade mítica da cultura amazônica talvez seja motivador dessa popularidade e ardorosa devoção à Nossa Senhora de Nazaré". Para ele, o que faz com que o Círio de Nazaré seja particularmente paraense "é a sua configuração cultural e sua esteticidade. A estrutura do cortejo litúrgico como um rio humano que passa; a natureza das promessas levadas para serem ofertadas à Santa; a convivialidade fortalecedora de uma impressionante comunidade emocional; o fanatismo autoflagelador da corda puxada pelos romeiros; as vestimentas do promesseiros, de anjos, mortalhas etc."
João Jesus de Paes Loureiro é mestre em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade de São Paulo - PUC-SP, e em Semiótica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne, Paris. Atualmente, leciona na Universidade Federal do Pará.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a origem do Círio de Nazaré?
João de Jesus Paes Loureiro - Origem mítica, como decorrência do milagroso aparecer da imagem da Virgem de Nazaré a um homem simples, no tronco de uma árvore frondosa. Construída uma capela tosca para abrigá-la, ao ser levada para o altar, a imagem misteriosamente retornou à árvore, seu altar da natureza. O gesto e o fato se repetiram tantas vezes, que terminaram por construir a Capela no lugar em que Santa desejava ficar, e onde hoje está erguida a Basílica Santuário. O Círio simboiliza a saída e o retorno da Imagem da Santa ao seu lugar de escolha original.
IHU On-Line - A que atribui a popularidade do Círio de Nazaré? Por que há tanta comoção em torno de Nossa Senhora de Nazaré, a Rainha da Amazônia?
João de Jesus Paes Loureiro - À identificação harmoniosa entre crença, devoção e cultura. Também à força mítica do imaginário amazônico, do que conceitua como sua poética do imaginário, que se abriu para a consciência do sobrenatural religioso, encontrando nele uma epifania espiritual de devaneio e esperança numa transcendência espiritual católica, de uma forma que os mitos culturais não podiam oferecer. Ainda que diferentemente dos encantados do fundo dos rios e da floresta, o predomínio à dimensão de transcendentalidade mítica da cultura amazônica talvez seja motivador dessa popularidade e ardorosa devoção à Nossa Senhora de Nazaré.
IHU On-Line - Em que medida é possível dizer que o Círio expressa a identidade da Amazônia? Quais são os elementos místicos, poéticos e simbólicos que estão em torno do Círio de Nazaré?
João de Jesus Paes Loureiro - Na medida em que há uma sensibilidade mitologisante da sociedade ribeirinho-rural paraense e uma integração identificadora da cultura como intercorrentre entre Círio e sociedade. O que faz com que o Círio de Nazaré seja paraense é a sua configuração cultural e sua esteticidade. A estrutura do cortejo litúrgico como um rio humano que passa; a natureza das promessas levadas para serem ofertadas à Santa; a convivialidade fortalecedora de uma impressionante comunidade emocional; o fanatismo autoflagelador da corda puxada pelos romeiros; as vestimentas do promesseiros, de anjos, mortalhas etc.; a visualidade plástica e de apelo sensível; a sua etnocenologia, como comportamento espetacular organizado, o apelo à participação de artistas; a culinária característica e celebrada como entusiasmo profano coroando o dia; o estravazamento temático nas artes; e a presença do estético como uma ética de compromisso religioso.
IHU On-Line - Quais são os signos que compõem o Círio de Nazaré? Em que medida ele pode ser lido como um “preamar de signos”?
João de Jesus Paes Loureiro - Os signos-síntese são três: A berlinda com a Santa, signo da Fé; a corda puxada pelos fiéis, signo da Devoção; o brinquedo de Miriti de Abaetetuba, signos da cultura artística. São signos sintetizadores da multidão de signos complementares que, à semelhança de uma preamar nos rios, espalham-se em plenitude pela ruas da peregrinação.
IHU On-Line - Qual o significado da corda do Círio? Por que muitos fiéis almejam um pedaço da corda após a procissão? O que isso significa?
João de Jesus Paes Loureiro - A Corda, porque vem atada à berlinda da Santa, impregna-se do sagrado que a berlinda significa. Como tal, no todo ou em partes minúsculas em que é cortado pelo povo, representa um amuleto, um pólen de possíveis milagres ou curas milagrosas. Significa que o sagrado não é um signo em si nem para si. Como uma luz clareia tudo que entra em suas proximidade ou relação.
IHU On-Line - O Círio pode ser analisado como uma festa religiosa, profana, cultural, mercadológica e tecnológica, em termos de amadurecimento das tecnologias digitais? Por quê?
João de Jesus Paes Loureiro - O Círio de Nazaré de Belém do Pará contém a possibilidade de plurissignificação interminável, ressignificado ou multissignificado pelo dinamismo complexo e riquíssimo da cultura. Hoje, desenvolve-se uma impressionante motorromaria (Círio de milhares de motocicletas que reproduzem signos e visualidades da romaria); o Círio Virtual, seguido pela internet em vários estados e países.
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Círio de Nazaré: uma manifestação de crença, devoção e cultura. Entrevista especial com João de Jesus Paes Loureiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU