23 Fevereiro 2012
O presidente da Associação Nacional de Presbíteros do Brasil – ANPB e o presidente da Comissão Nacional de Presbíteros – CNP refletem sobre os desafios que envolvem o sacerdócio no país hoje.
Confira a entrevista.
Questionado sobre os principais desafios que a conjuntura eclesial apresenta em nosso país atualmente, o Pe. José Maria da Silva Ribeiro considera que um deles é “voltar às fontes em vista de uma vivência cristã encarnada na realidade a partir de Jesus Cristo, diante uma sociedade pós-moderna caracterizada fundamentalmente pelo individualismo”. Na mesma linha de pensamento segue o padre Anselmo Matias Limberger, para quem “o desafio da crise de mudança de época quando chega à cultura desafia-nos à reflexão sobre a nossa identidade, entre outras coisas. Encontramos a resposta no retorno às fontes, ou seja, no retorno à Palavra, no encontro pessoal com Jesus Cristo”. Ambos representam importantes instituições do clero brasileiro e concederam a entrevista que se segue, por e-mail, à IHU On-Line. Enquanto Anselmo Limberger observa que o clero diocesano nos últimos anos cresceu em número, tornando-se jovem e com um aumento de padres negros e autóctones, José Maria percebe que “a instabilidade humano-afetiva, fato notório nas famílias de hoje, afeta diretamente o processo formativo do vocacionado, deixando-o vulnerável em sua opção de vida”.
José Maria da Silva Ribeiro (foto acima) é presidente da Associação Nacional de Presbíteros do Brasil – ANPB desde fevereiro de 2009. Nascido em Castanhal-PA, foi ordenado sacerdote em 1986. Fez o doutorado em Direito Canônico, pela Universidade Pontifícia de Santo Tomás de Aquino, em Roma. É também presidente da Comissão Regional de Presbíteros do Regional Norte 2: Pará e Amapá, desde maio de 2008. Atualmente reside em Brasília em função da presidência da ANPB e exerce a função de vigário paroquial na Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos, na cidade de Gama-DF.
Anselmo Matias Limberger (ao lado) é o novo presidente da Comissão Nacional de Presbíteros – CNP, tendo tomado a posse do cargo no último dia 7 de fevereiro. Nascido em Arroio do Tigre-RS, é formado em Filosofia e em Teologia pela Escola Superior de Filosofia e Teologia São Francisco, de Ponta Grossa–PR, e em Psicologia pela Universidade São Marcos, de São Paulo-SP. É mestre em Filosofia pela Pontificia Studiorum Universitas A S. Thoma Aq., Urbe, (Angelicum), de Roma, e doutor em Psicologia Clínica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP. Atualmente é professor no Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, da Diocese de Santo Amaro-SP, e na Unifai – Centro Universitário Assunção – Seminário Arquidiocesano da Arquidiocese de São Paulo.
Confira as entrevistas.
IHU On-Line – Quais os principais desafios da conjuntura eclesial no Brasil hoje?
José Maria da Silva Ribeiro – Voltar às fontes em vista de uma vivência cristã encarnada na realidade a partir de Jesus Cristo, diante uma sociedade pós-moderna caracterizada fundamentalmente pelo individualismo. O individualismo pós-moderno entrou pelas novas sendas do virtual. As possibilidades de engodo no mundo virtual não têm limites. E elas afetam diretamente a vivência da própria identidade eclesial. A entrada da comunicação virtual modificou fortemente a disponibilidade de tempo das pessoas. Cada vez mais a internet com a pluralidade de recursos e invenções absorve o tempo. A TV já começara tal drama. Hoje aumentou a força sedutora com a infinidade de canais. Ademais, vieram os sites, blogs, miniblogs (Twitter), MSN, Facebook e congêneres, programas de busca e tantos outros recursos eletrônicos para encher o tempo das pessoas. As relações virtuais substituem, em alta escala, as reais. O face a face físico dá lugar aos signos, escritos no internetês. Há, sem dúvida, a face positiva de tal movimento. Abre-se campo apostólico novo por essa via. Não significa, sem mais, investimento do tempo em futilidades ou curiosidades. Cabem relações virtuais sérias em que mensagens se transmitem, orientações se oferecem, cursos de teologia e religião à distância se proporcionam, informações preciosas se veiculam. O Pe. João Batista Libânio, em seu texto-base de preparação ao 14º Encontro Nacional de Presbíteros, lembra o caso excepcional de uma diocese virtual, criada por D. Jacques Gaillot, antigo bispo de Évreux na França. Atualmente reduzido a simples bispo titular por decisão de João Paulo II por causa de suas posições política, social e teologicamente muito avançadas, ele tomou a iniciativa de exercer o ministério episcopal de outra maneira, a saber, pela via virtual, ao criar um website. Por esse meio ele se comunica com os adeptos de sua igreja no mundo inteiro em várias línguas, inclusive em português.
Anselmo Limberger – Percebo que o mundo passa por mudanças, desafios, que afetam a vida da Igreja como um todo. Na Conferência de Aparecida identificam-nas como sendo elementos de um processo de mudança de época. A crise de mudança de época invade todos os setores da vida da sociedade como um todo, bem como de cada indivíduo; nesse sentido afeta a vida e missão de cada cristão. O desafio da crise de mudança de época quando chega à cultura desafia-nos à reflexão sobre a nossa identidade, entre outras coisas. Encontramos a resposta no retorno às fontes, ou seja, no retorno à Palavra, no encontro pessoal com Jesus Cristo.
IHU On-Line – Quais as principais demandas da ANPB hoje, considerando a situação dos padres no Brasil?
José Maria da Silva Ribeiro – Eu diria que as principais demandas da ANPB hoje, após 20 anos de fundação, seriam: despertar a consciência associativa dos presbíteros em vista de uma ação mais efetiva e afetiva com os bispos e entre si; investir na formação permanente dos presbíteros tendo como foco o embasamento das políticas públicas para orientar o povo de Deus a partir de sua realidade; suscitar a criação de associações de presbíteros em nível diocesano e/ou regional em vista de uma articulação nacional; ouvir os presbíteros e procurar responder às suas necessidades.
IHU On-Line – Como analisa o contexto vocacional em nosso país, considerando o número de padres religiosos em relação ao número de padres diocesanos (de paróquia)?
José Maria da Silva Ribeiro – A realidade vocacional em nosso país nos mostra que o número de padres diocesanos cresce em comparação ao número de padres religiosos. Também o número de padres jovens formados no Brasil vem crescendo. Por outro lado, a instabilidade humano-afetiva, fato notório nas famílias de hoje, afeta diretamente o processo formativo do vocacionado, deixando-o vulnerável em sua opção de vida. Isso porque a família, base de toda formação, vem sendo bombardeada em seus valores basilares.
Anselmo Limberger – Toda vocação é resposta a um chamado especial de Deus. A resposta vocacional pode ser dada no contexto da vida da família, da comunidade, da escola, do local de trabalho, entre outros. Os pais, os líderes comunitários, os professores, os empregadores, entre outros, podem contribuir para o discernimento vocacional. No caso da vocação presbiteral, assistido por um presbítero formador, faz-se o discernimento à luz da Palavra de Deus que se manifesta no íntimo de cada um quando a medita. A meditação e a contemplação atraem o vocacionado para viver sua vida em comunhão com Deus, no serviço ao próximo, imitando as disposições deixadas por Jesus para servir. A vocação presbiteral, chamado de Deus, recebe sua confirmação pelo bispo no ritual da ordenação. Quanto aos dados estatísticos do número de padres religiosos e diocesanos, remeto à consulta do CERIS. Contudo, observo que o clero diocesano nos últimos anos cresceu em número, tornou-se jovem e que há o aumento de padres negros e autóctones.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a iniciativa dos padres austríacos com o “apelo à desobediência” à Roma?
José Maria da Silva Ribeiro – Seria leviano de minha parte dizer que eles estão certos ou errados em agir assim. Até porque desconheço os reais motivos que os levam a agirem assim em relação à Santa Sé. Todavia, sou inclinado a defender a ideia de que as partes precisam ser escutadas e chegarem a um denominador comum. Afinal, estamos no terceiro milênio e, por conseguinte, o diálogo será sempre importante para chegar-se ao entendimento.
Anselmo Limberger – Constitui-se em um momento de escuta e de busca de diálogo.
IHU On-Line – Qual o principal legado do Pe. Agostinho Pretto, fundador da ANPB? O senhor pode dar um breve depoimento sobre ele?
José Maria da Silva Ribeiro – O principal legado que o Pe. Agostinho Pretto (foto) deixou para a ANPB foi sua ousadia e coragem de dizer aos presbíteros do Brasil que o direito de associação é algo importante para o seu crescimento como cidadão. Daí que nós, presbíteros, precisamos estar bem conscientes da nossa identidade presbiteral e embasados por uma espiritualidade que tenha Jesus Cristo como principal foco. É a partir de Jesus Cristo, como nos lembram as diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, que devemos continuar nossa vida e missão em nossos presbitérios. Foram muitos os padres que apostaram e continuam apostando que é possível, como dizia o nosso saudoso Pe. Agostinho Pretto, o primeiro presidente da ANPB: “Que a ANPB quer ser um espaço de crescimento e comunhão dos presbíteros com seus bispos e entre si a fim de melhor servir o povo de Deus”. Para mim, o Pe. Agostinho Pretto foi um pai, amigo, irmão e companheiro. Posso dizer que na ANPB sou um dos operários da “última hora”, pois ingressei nessa associação em 2006 e, em 2009 fui eleito seu presidente. Passei a conhecer o Pe. Agostinho apenas por carta e telefone. Já o admirava pelos seus escritos e testemunhos dos colegas padres. Foi no I Congresso da ANPB em Nova Iguaçu-RJ, de 14 a 17 de setembro de 2010, que o conheci pessoalmente. Já bem cansado e com voz rouca passou para mim uma força extraordinária. A partir de então prometi para mim mesmo que eu iria me esforçar para levar adiante, com os presbíteros que acreditam na força do associativismo, esse projeto ousado e desafiador, importante legado deixado pelo saudoso e valente Pe. Agostinho. Ele não se cansava de dizer: “A ANPB não pode morrer!”. Cabe a nós, presbíteros do Brasil, somar força para que esse sonho sonhado há 20 anos se torne cada vez mais uma realidade. Uma das prioridades da ANPB é articular-se com outras entidades empenhadas na defesa de padres ou pessoas ameaçadas de morte em áreas de conflito fundiário. Dizia o Pe. Agostinho: “Podemos oferecer assistência jurídica aos que têm seus direitos violados”.
IHU On-Line – Quais foram os temas mais discutidos no 14º Encontro Nacional dos Presbíteros?
Anselmo Limberger – Os temas mais discutidos giram em torno do eixo da “identidade e da espiritualidade do presbítero no processo de mudança de época”.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a nova geração de padres que, mesmo jovens, muitas vezes mostram uma postura conservadora? O que marca a formação de padres hoje em dia no Brasil?
Anselmo Limberger – Na carta do 14º ENP, que nós redigimos, aprovamos e enviamos a todos os bispos, arcebispos e presbíteros do Brasil, no item número dois destacamos “os elementos que marcam a mudança de época, o maior de todos, que têm impulsionado todos os outros, é o que ocorreu com o ser humano. Ele descobriu a autonomia do universo e, com isso, sua própria autonomia. O presbítero, como qualquer outro cidadão pós-moderno, não aceita mais que sua identidade seja definida e determinada de fora, como que imposta externamente. Por outro lado, nem sempre se sente capaz de aceitar os desafios de construir sua própria identidade. Assim, uns se refugiam em modelos antigos, com a roupagem nova de tendência devocionista e emocionalista, estética e de grande visibilidade, que lhes emprestam segurança, embora na maioria das vezes não consigam esconder o constrangimento por tal opção. Sabem que a sociedade os questiona quanto à suas motivações mais profundas. Outros, apesar de uma certa insegurança, assumem o processo desafiador de redefinições permanentes de sua identidade, na perspectiva de responder às demandas que lhes vêm de múltiplos ambientes e situações. Há, ainda, os que não optaram nem pelo modelo clássico do passado e nem se aventuram a redefinir sua identidade. Simplesmente seguem no ministério um tanto indiferentes às problemáticas atuais que envolvem sua vida”.
A formação dos padres hoje, 2012, no Brasil, traz a marca das “Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil” e trabalha a formação guiada pelas dimensões humano-afetiva, formação comunitária, formação espiritual, formação pastoral-missionária e formação intelectual.
IHU On-Line – Como a Associação Nacional de Presbíteros do Brasil – ANPB se relaciona com a Comissão Nacional de Presbíteros – CNP?
José Maria da Silva Ribeiro – Podemos dizer que a ANPB é fruto dos Encontros Nacionais de Presbíteros e, portanto, de um grupo de presbíteros que sonhava com um presbitério nacional mais coeso e consciente de sua cidadania. Foram muitos os padres que apostaram e continuam apostando que é possível, como dizia o Pe. Agostinho Pretto, o primeiro presidente da ANPB: “A ANPB quer ser um espaço de crescimento e comunhão dos presbíteros com seus bispos e entre si a fim de melhor servir o povo de Deus”. Não há incompatibilidade entre a ANPB e CNP. Pelo contrário, a ANPB deve realizar na prática o que a CNP apresenta como propostas de ação aos presbíteros do Brasil nos Encontros Nacionais de dois em dois anos.
IHU On-Line – Como a Comissão Nacional de Presbíteros – CNP se relaciona com a Associação Nacional de Presbíteros do Brasil – ANPB?
Anselmo Limberger – Estamos em comunhão. A ANPB nasceu dentro da CNP no 4º Encontro Nacional de Presbíteros. Hoje, 2012, o presidente da ANPB é também presidente do Regional Norte e membro da CNP, e o presidente da CNP é membro da ANPB.
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A situação do clero católico no Brasil hoje. Entrevista especial com José Maria da Silva Ribeiro e Anselmo Matias Limberger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU