11 Janeiro 2012
Os megaeventos e megaempreendimentos que estão em curso no Brasil “têm uma raiz mais profunda, quer dizer, tem a ver com o modelo de desenvolvimento econômico predador que reina no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro”, afirma o integrante do Comitê Popular da Copa.
Confira a entrevista.
Os empreendimentos que garantirão a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 também estão gerando impactos sociais nas cidades-sedes do evento. Roberto Morales desenvolve um levantamento para precisar quantas famílias serão removidas e estima que mais de 3 mil pessoas apenas no Rio de Janeiro estão sob ameaça. “Somente na comunidade que vive na Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, mais de 350 famílias estão sob ameaça de remoção”, informa.
Segundo ele, ainda não existe um planejamento para a realocação das famílias que serão removidas do local. “O único planejamento que o governo faz é com base nos recursos que irão entrar a partir da construção dessas obras. (...) Inclusive o programa Minha Casa, Minha Vida, que no Rio de Janeiro já é conhecido como Minha Casa, Minha Remoção, é uma feira para tentar iludir os moradores com uma residência à qual dificilmente eles terão acesso. Talvez 5% das famílias sejam beneficiadas com essas moradias”, enfatiza em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Morales também destaca que os contratos assinados entre o governo brasileiro e a FIFA limitarão o trabalho informal em torno dos estádios, pois os vendedores ambulantes serão proibidos de comercializar produtos num raio de dois quilômetros dos estádios. “A população tem uma ilusão de que vai lucrar com os eventos da Copa, mas na verdade será brutalmente reprimida. A Copa será um grande negócio para os empresários do esporte e para os representantes de bebida e comida”, lamenta.
Roberto Morales é assessor do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e organizador da plenária dos movimentos sociais.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como surgiu o Comitê Popular da Copa e quais são suas principais ações?
Roberto Morales – O Comitê Popular foi criado durante a realização do Panamericano, no Rio de Janeiro, quando, em função das obras do evento, surgiram problemas de remoção de diversas comunidades para a construção da Vila Olímpica e das obras referentes ao evento. As comunidades começaram a resistir às remoções e nós conseguimos reuni-las, dando origem ao Comitê Popular. Começamos a perceber que as remoções não eram o único problema dos megaeventos. Vimos que havia outros fatores, como a corrupção. As obras do Panamericano estavam orçadas em 300 milhões de reais, mas custaram 3,5 bilhões. Este superfaturamento está se repetindo novamente numa escala muito maior no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas.
Percebemos que tais eventos têm uma raiz mais profunda, quer dizer, têm a ver com o modelo de desenvolvimento econômico predador que reina no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro. Os grandes empreendimentos econômicos também afetam populações e comunidades. Um caso conhecido no Rio de Janeiro é o do Thyssenkrupp, uma indústria siderúrgica que está afetando no mínimo oito mil pescadores que residem na região onde ela está instalada. O Superporto do Açu, onde Eike Batista está construindo um complexo siderúrgico, também ameaça destruir assentamentos históricos do Movimento dos Sem Terra – MST.
IHU On-Line – Em função da Copa do Mundo de 2014, quantas famílias serão removidas de suas casas? Como estão sendo feitas essas remoções e como os moradores têm reagido?
Roberto Morales – Estamos ainda fazendo um levantamento para saber quantas famílias serão removidas, mas posso dizer desde já que são muitas. Somente na comunidade que vive na Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, mais de 350 famílias estão sob ameaça de remoção. Ainda não temos um número preciso, mas certamente serão mais de 3 mil pessoas apenas no Rio de Janeiro.
Essas pessoas não serão removidas apenas por causa das obras da Copa, mas também em função da construção e duplicação de novas estradas. Todas as pessoas que moram em beira de estradas há 40 ou 50 anos serão removidas e isso irá gerar consequências gravíssimas, porque não implica apenas na questão da moradia, uma vez que a construção de novas moradias não acompanha o ritmo das remoções. Também existe o problema do rompimento dos laços históricos e culturais. Quando essas pessoas são removidas, elas perdem as relações culturais e de amizade construídas ao longo dessas décadas.
IHU On-Line – Como são planejadas as reestruturações urbanas e como as remoções impactam no planejamento urbano das cidades?
Roberto Morales – O único planejamento que o governo faz é com base nos recursos que irão entrar a partir da construção dessas obras. Portanto, não há preocupação com as comunidades; elas estão sendo tratadas como descartáveis e precisam ser retiradas para dar espaço aos turistas que virão assistir aos jogos.
Inclusive o programa Minha Casa, Minha Vida, que no Rio de Janeiro já é conhecido como Minha Casa, Minha Remoção, é uma feira para tentar iludir os moradores com uma residência à qual dificilmente eles terão acesso. Talvez 5% das famílias sejam beneficiadas com essas moradias.
IHU On-Line – Quais são os avanços do movimento social em relação à resistência das remoções?
Roberto Morales – Esse movimento de resistência é legitimo, mas é necessário que as comunidades comecem a apresentar alternativas de moradia. Na Vila Autódromo, por exemplo, já houve um avanço importante com a ajuda dos companheiros do Instituto de Políticas Públicas Urbanas da UFRJ, que disponibilizou um grupo de professores e estagiários para trabalhar junto à comunidade e construir com eles, em assembleia, um projeto alternativo de urbanização da comunidade. Tudo isso a fim de que eles tenham alternativas e não dependam de uma promessa vaga de remoção.
No dia 18 de dezembro de 2011, os moradores da Vila Autódromo apresentaram esse projeto, aprovado em assembleia. Agora, eles vão “brigar” para implantá-lo e não aceitar as remoções. Essa possibilidade de construir uma alternativa popular junto com a universidade e com os movimentos sociais me parece ser um salto de qualidade. Os moradores estão entendendo esse processo e elaborando várias propostas para levar esse modelo a outras comunidades.
IHU On-Line – Além dos problemas de habitação, quais são os principais impactos sociais das obras da Copa para as cidades que cediarão os jogos?
Roberto Morales – Têm outros problemas que são relativos ao trabalho. Por exemplo, com a Lei da Copa, fica estabelecido que, por enquanto, num raio de 2 quilômetros de onde estão sendo feitas as atividades esportivas serão totalmente proibidas a venda de qualquer produto e a atuação de qualquer comerciante que não esteja expressamente autorizado pela FIFA. Isso quer dizer que a Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA tem mais poder do que a própria Constituição Federal e as leis trabalhistas do país. Então, a imensa população que é desempregada, que vive do biscate e do trabalho informal não poderá trabalhar durante esse período. Isso é terrível porque a lei da FIFA passa por cima do direito básico do cidadão: o direito ao trabalho. A população tem uma ilusão de que vai lucrar com os eventos da Copa, mas na verdade será brutalmente reprimida. A Copa será um grande negócio para os empresários do esporte e para os representantes de bebida e comida. Certamente os torcedores não encontrarão aquele tradicional sanduíche nas proximidades dos estádios.
Outro problema é o encarecimento do custo de vida. O Rio de Janeiro é a cidade que apresentou maior elevação no preço dos aluguéis. Há uma especulação imobiliária brutal em marcha, em função da entrada de muitos turistas no estado, que compram em dólar e euro, com um padrão aquisitivo muito maior do que o da população brasileira empobrecida. Essa especulação imobiliária vai expulsar muitos moradores de determinadas zonas da região por causa da impossibilidade econômica.
IHU On-Line – De modo geral, qual a situação dos trabalhadores que estão envolvidos com as obras da copa? Você visitou algum canteiro de obra?
Roberto Morales – Alguns trabalhadores já organizaram greves e a mais notória delas foi a do Maracanã. Eu estive nos canteiros de obra, conversei com os operários. As reivindicações deles são pertinentes porque desenvolvem trabalhos temporários. Além disso, as condições de alojamento são precárias, a assistência médica é descontada do salário deles, há defasagem salarial e falta de segurança. Eles relatam que as rotinas de trabalho são exaustivas, porque a construção dessas obras é uma corrida contra o tempo. Eles também enfrentam problemas com as representações sindicais, que não são muito confiáveis. Mas a força do movimento é tanta que, muitas vezes, eles conseguem vitórias parciais. Essa mesma situação se repete nos demais empreendimentos econômicos.
IHU On-Line – Qual foi a repercussão do dossiê que demonstra os impactos e as violações de direitos, organizado pelo Comitê Popular da Copa?
Roberto Morales – Entregamos o relatório e fizemos um ato público no dia 12 de dezembro. O prefeito Eduardo Paes, obviamente, não nos recebeu, mas conseguimos entregar o documento para a secretária. Não temos nenhuma ilusão de que ele irá tomar alguma atitude, porque ele tem uma posição muito cínica em relação a essa questão. De todo modo, encaminhamos o dossiê para outros organismos, como a Assembleia Legislativa. Mas, no caso, os parlamentares estão em recesso até fevereiro. Certamente o presidente da Comissão dos Direitos Humanos, Marcelo Freixo, irá levantar essa questão no plenário.
IHU On-Line – O que há de interessante e de equivocado na Lei Geral da Copa?
Roberto Morales – A questão geral dessa lei é que ela se sobrepõe à Carta Magna e isso é um disparate. Esta lei cria uma área para ser governada pela FIFA e não pelo governo brasileiro. As leis existentes, como a do meio ingresso, que garante meio entrada para idosos acima de 60 anos, para menores, estudantes, deficientes, será ignorada. Além do mais, a FIFA irá estabelecer os preços dos ingressos de acordo com os padrões do "primeiríssimo mundo" deles, o que vai inviabilizar completamente a participação do povo nos jogos.
IHU On-Line – Quais as implicações do uso de dinheiro público para a realização desses megaeventos?
Roberto Morales – O Comitê da Copa não é contra a realização deste evento, nem das Olimpíadas. No entanto, eles não podem ser conduzidos da forma como estão sendo feitos, pois o país tem outras prioridades. O Brasil está em uma das piores posições relativas à educação em nível mundial, por exemplo, e gastou 30 milhões de reais, somente no sorteio das chaves eliminatórias para a Copa do Mundo, realizado no Rio de Janeiro em 30 de junho. Enquanto isso o salário do professor é 700 reais mensais.
Além de tudo, o país tem um déficit de moradia, por um lado, mas investe na construção de estádios, por outro. Estádios que depois serão abandonados. O transporte público é uma desgraça; há engarrafamentos quilométricos e não se investe em transporte público de massa. Em lugar disso, investe-se em duplicação de estradas já existentes.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Roberto Morales – O Comitê Popular da Copa não está desanimado. Estamos aprendendo com a própria experiência a construir propostas alternativas de cunho popular. Estamos pretendendo construir uma grande mobilização para junho deste ano, quando será realizada a Rio+20. Enfim, o movimento está começando a entender que unidade é fundamental e que só dessa forma vamos poder fazer frente a este projeto econômico capitalista.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As implicações sociais da Copa do Mundo. Entrevista com Roberto Morales - Instituto Humanitas Unisinos - IHU