16 Agosto 2011
"Procura-se dar soluções de mercado para problemas que foram gerados justamente por um mercado excessivamente livre", frisa o keynesiano Luiz Fernando de Paula ao analisar a crise financeira internacional e as medidas adotadas por governos europeus e estadunidense. Para ele, a economia mundial ainda não entrou em "grande depressão", mas está longe de encontrar uma solução para os problemas econômicos. "Tudo leva a crer que não teremos uma recuperação a curto e médio prazo e não se sabe qual vai ser o tamanho do tombo que teremos para frente", menciona.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o economista também comenta o Plano Brasil Maior, anunciado pelo governo brasileiro no início do mês para estimular a indústria nacional. "Uma política industrial só dá certo se for bem articulada com a política econômica, o que não é o caso do Brasil, pois os juros altos e câmbio apreciado são um desestímulo para realização de investimentos produtivos e em inovação. Assim, é mais um paliativo", avalia.
Embora "houve uma flexibilização na política econômica" brasileira, o governo ainda intervém pouco em investimentos públicos e não resolve "o problema da apreciação cambial", explica. De acordo com ele, o Brasil tenta adotar uma política keynesiana, ainda que "com várias deficiências". E ressalta: "É um equívoco confundir políticas keynesianas com políticas fiscais expansionistas o tempo todo. Políticas fiscais são um instrumento poderoso anticíclico e devem estar comprometidas com o equilíbrio fiscal de longo prazo".
Luiz Fernando de Paula é professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, e presidente da Associação Keynesiana Brasileira – AKB. Tem doutorado em Economia pelo IE/Unicamp e pós-doutorado na Universidade de Oxford. Editou e publicou vários livros no Brasil e no exterior, sendo o mais recente Financial Liberalization and Economic Performance: Brazil at the Crossroads (Routledge, 2011).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a importância e o significado da realização do IV Encontro Internacional no Brasil sobre o pensamento de Keynes organizado pela Associação Keynesiana Brasileira – AKB?
Luiz Fernando de Paula – A importância se deve ao fato de que se trata de um fórum acadêmico e político de discussão dos problemas econômicos atuais no mundo e no Brasil e dos rumos do keynesianismo no país. Foram apresentados cerca de 80 artigos acadêmicos, de profissionais de instituições de vários estados do Brasil; também foi realizado um minicurso sobre o sistema financeiro frente à crise. Ainda duas sessões especiais foram promovidas: uma sobre o desdobramento das crises mundial e outra sobre os rumos do keynesianismo. Tivemos a participação, entre outros, de Jan Kregel, Malcolm Sawyer, Luiz C. Bresser Pereira, Fernando Cardim, etc.
IHU On-Line – Como o senhor interpreta os desdobramentos da crise mundial em curso? Qual é a contribuição de Keynes para esse debate?
Luiz Fernando de Paula – A economia mundial não entrou em uma grande depressão, face ao uso de política fiscal e monetária anticíclica, mas está longe de sair da crise. Tudo leva a crer que não teremos uma recuperação a curto e médio prazo e não se sabe qual vai ser o tamanho do tombo que teremos para frente. Ou seja, não se sabe se teremos bem caracterizado uma recuperação em W , em função da crise do euro, que agora atinge o coração de região (Itália e Espanha) e do fato de que os EUA se comprometeram em fazer um ajuste fiscal muitíssimo prematuro, retirando a possibilidade, por ora, de usar a política fiscal para tirar a economia da crise. Keynes certamente ficaria bastante preocupado com a situação atual.
IHU On-Line – Por que os fundamentos do neoliberalismo que fizeram "água" com a crise mundial de 2008 continuam sendo os pilares de orientação macroeconômica na maioria dos países em crise?
Luiz Fernando de Paula – Parece que as lições de crise não foram aprendidas inteiramente pelos policy-makers. Procura-se dar soluções de mercado para problemas que foram gerados justamente por um mercado excessivamente livre. Uma das críticas que se faz ao governo Obama, que tem algum fundo de verdade, é que ele se cercou de assessores ligados a Wall Street, e assim adotou políticas que beneficiaram o setor bancário, sem resolver efetivamente o imbróglio da crise. Foi esta percepção que os republicanos pegaram para "cortar as asas" do governo Obama.
IHU On-Line – Quais são as diferenças entre a crise da zona do euro e a crise americana e em que elas convergem?
Luiz Fernando de Paula – A convergência é decorrente de dois fatores: (I) serem mais ou menos coincidentes; e (II) se darem em um momento em que a economia mundial não tinha ainda se recuperado da crise. Ainda assim, trata-se de fenômenos diferentes. A crise do euro resulta não só dos impactos da crise mundial como também de problemas estruturais sérios relacionados à implantação dessa moeda (falta de mecanismos fiscais supranacionais, ausência de uma unidade política, diferenças de estrutura econômica e social entre países, etc.). Já a estadunidense está relacionada à incapacidade ou miopia política de parte da elite deste país (e de seu povo) de achar que reduzir déficit público é a solução, retirando do governo um instrumento econômico fundamental anticíclico que tinha disponível.
IHU On-Line – Qual é a relevância da política keynesiana em um período de economia global?
Luiz Fernando de Paula – A política econômica keynesiana deve ser vista não somente como políticas anticíclicas face à crise, mas também como uma política para prosperidade. A teoria pós-keynesiana tem elementos consistentes para serem usados a fim de criar condições de um crescimento sustentado compatível com estabilidade financeira.
IHU On-Line – Quais são os riscos e as consequências para a América Latina de uma nova crise mundial?
Luiz Fernando de Paula – Embora em alguns aspectos a América Latina esteja melhor preparada para enfrentar a crise em relação ao anos 1980 e 1990 (há bom nível de reservas cambiais, não há endividamento externo excessivo, etc.), uma desaceleração econômica mundial irá afetar a região por vários canais, entre os quais pela queda da demanda e preços das commodities. A China neste momento não terá força para contrapor a uma desaceleração mundial. Por outro lado, a crise pode, em alguns aspectos, abrir uma janela de oportunidade para o Brasil resolver seu imbróglio de política econômica (juros elevados e câmbio apreciado), se o Banco Central Brasileiro aproveitar a oportunidade para fazer cortes significativos na taxa de juros.
IHU On-Line – Como avalia as últimas decisões do governo brasileiro para enfrentar o "derretimento" do dólar?
Luiz Fernando de Paula – Necessárias, porque o governo agora tem instrumentos para intervir no mercado de derivativos em moeda estrangeira, mas insuficientes para contrapor a avalanche de recursos estimulados pelo diferencial de juros e melhoria na avaliação de risco-país. Deve-se pensar em alternativas, como o uso de um recolhimento compulsório sobre entrada de capitais (a chamada "quarentena").
IHU On-Line – O governo brasileiro anunciou uma "nova política industrial". Como avalia as medidas? Elas serão suficientes para alavancar a indústria?
Luiz Fernando de Paula – Uma política industrial só dá certo se for bem articulada com a política econômica, o que não é o caso do Brasil, pois os juros altos e câmbio apreciado são um desestímulo para realização de investimentos produtivos e em inovação. Assim, é mais um paliativo.
IHU On-Line – Muitos economistas criticam a macroeconomia brasileira e argumentam que o país deve mexer no câmbio e diminuir a taxa de juros. Como o senhor vê essa crítica? Quais são os prós e contras do câmbio e da taxa de juros?
Luiz Fernando de Paula – Na realidade, a grande jabuticaba brasileira são os juros reais ainda elevadíssimos. Deve-se criar condições para baixar o juros, acabando com os resquícios da indexação financeira (títulos públicos indexados à Selic) e de contratos (impactando sobre preços administrados) conjugados com políticas que evitem a curto prazo a apreciação cambial.
IHU On-Line – O governo Dilma é keynesiano?
Luiz Fernando de Paula – Houve uma flexibilização na política econômica, como no caso do uso de maior gradualismo na política monetária, mas o governo fica ainda devendo nos investimentos públicos e em resolver o problema da apreciação cambial excessiva. Cabe ressaltar que é um equívoco confundir políticas keynesianas com políticas fiscais expansionistas o tempo todo. Políticas fiscais são um instrumento poderoso anticíclico e devem estar comprometidas com o equilíbrio fiscal de longo prazo. E, acima de tudo, os instrumentos de política econômica não devem ser vistos de forma isolada, mas sim de forma coordenada.
IHU On-Line – Um governo pode ser keynesiano, no sentido de intervir na economia, e neoliberal ao mesmo tempo, por favorecer os interesses do capital? É mais ou menos isso que acontece no Brasil?
Luiz Fernando de Paula – Keynes não era contra o capitalismo, mas achava que esse sistema deveria ser "civilizado" por políticas públicas, e era um crítico da política de "laissez faire". Quanto aos interesses do capital: há vários interesses do capital (rentista, produtivo, etc.) e não há capitalismo que sobreviva sem favorecer, em alguma medida, o capital. A questão é como conjugar isso com os interesses da sociedade com um todo, em termos de criação de emprego, maiores salários, melhor distribuição de renda, etc. È o que se tenta fazer no Brasil, ainda que com várias deficiências.
IHU On-Line – Recentemente, o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, declarou que o mundo está vivendo o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais. Ele enfatiza que "o mal-estar é causado pelo fato de que há déficits e dívidas enormes. Os gastos públicos têm que cair". Também acredita que o mundo vive hoje o fim da era keynesiana, "onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas’, e coalizões cada vez maiores". Como o senhor, sendo um keynesiano, avalia essas declarações?
Luiz Fernando de Paula – Tais declarações me parecem equivocadas, quase estarrecedoras. A percepção geral, hoje, é que a crise financeira e econômica global resultou justamente da liberalização excessiva dos mercados financeiros, que fez a festa do setor bancário criando aquilo que ficou conhecido como "shadow banking", com criação de operações opacas que não foram reguladas pelo regulador. Os déficits públicos são resultados da crise e não a causa, ou seja, decorrentes da necessidade de socorrer o setor bancário e fazer uso de políticas anticíclicas face à crise, somado ainda ao próprio efeito negativo da desaceleração econômica sobre as receitas fiscais. Enfim, alguns dos nossos economistas ortodoxo-liberais parecem que não aprenderam nada com a crise!
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Crise internacional: o desafio de regular o mercado financeiro. Entrevista especial com Luiz Fernando de Paula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU